Quem visita várias localidades como Bata-Bata (município da Humpata), Granja ( Gambos) e tantas outras verificará que esta situação tem uma série de consequências que se propagam e se agravam à medida que a situação continua.
As famílias perdem parte da sua produção alimentar e rendimentos. Algumas são obrigadas a vender progressivamente os seus meios de trabalho para viver e, assim, hipotecar a sua subsistência futura.
Os pequenos criadores de gado, em grande número naquelas regiões, estão entre os mais afectados, não apenas devido a um aumento dos preços de bens e serviços essências, mas também porque o preço do gado que possuem tende a descer. A falta de pasto e água torna impossível a manutenção de todo o rebanho e leva a venda ao desbarato de parte dele.
Embora exista quem pense o contrário, considero que a fome é uma consequência não tanto da diminuição da oferta, mas da redução da capacidade das famílias na aquisição de comida (afinal, os alimentos poderiam ser adquiridos no mercado).
Esta situação também ocorre com a saúde, onde a inexistência de postos e centros de não configuram o único problema, uma vez que a escassez de água potável obriga as pessoas a consumirem água contaminada, provocando, consequentemente, doenças diarreicas, sem esquecer o risco potencial de disseminação da Covid-19.
A sobrecarga de trabalho para as mulheres e crianças, que têm de percorrer por distâncias cada vez maiores em busca de água para as suas casas, tem reduzido o tempo dedicado às actividades produtivas, tarefas domésticas ou a cuidar de outros membros da família, levando, de igual modo, à redução da frequência escolar.
Esta situação tem sido a principal causa de dificuldade na produção de alimentos e obtenção de rendimento por parte das famílias. Porém, devemos considerar o abandono das localidades por parte da população mais jovens e a morte do gado outros factores que levam a uma situação de fome crónica.
Prevalece, em muitos de nós, a ideia de uma relação de causa e efeito directo entre a seca e a fome, temos dificuldade em olhar para as evidências que mostram outras relações mais complexas entre ambos os fenómenos.
É expectável que, nos próximos tempos, assistamos a um conjunto de vozes que justificarão o sofrimento daquelas famílias, sem mencionar que a principal causa de fome naquela região tem sido o fraco investimento público que não capacita as instituições locais e promove o desenvolvimento económico e social destas áreas, que já per si se encontram fragilizadas, e onde o fenómeno da seca (que certamente contribuiu para as agravar) não causaria os impactos a que hoje assistimos.
Sendo um fenómeno natural, a seca tem estado presente ao longo da história destas localidades e ocorre com maior ou menor frequência em várias regiões do Sul do País. O que mais custa perceber é a ausência de uma estratégia adequada para lidar com um problema recorrente, pois todos sabemos que a escassez e a elevada variação da precipitação causam secas periódicas.
Em contextos em que a vulnerabilidade da população é muito elevada, este tipo de catástrofe natural actua como um gatilho para uma crise que considero não estar a ser adequadamente abordada, visto que a falta de estratégias de sobrevivência familiar ou de políticas governamentais de assistência às famílias desencadeia sempre em situações de catástrofes, incluindo a fome.
É bem verdade que a seca é um fenómeno natural. Contudo, efeitos como os que descrevemos acima não ocorrem em contextos em que existem políticas públicas adequadas e instituições locais robustas, pois estas fazem que a vulnerabilidade seja menor e originam mecanismos para proteger as populações, mesmo quando afectadas por secas graves.
Em suma, o impacto desta condição não depende tanto da virulência do fenómeno meteorológico em si, mas das condições sócio-económicas da população. Assim sendo, é necessário desmistificar a narrativa hegemónica que se criou à volta da situação e influenciar as autoridades e a população em geral, no sentido de fazerem a necessária diferenciação da seca como um acontecimento natural, das suas consequências económicas e sociais, que, do meu ponto de vista, são, em grande medida, resultantes de um processo social, político e económico.
É de realçar que a afirmação de que a seca é um acontecimento natural é questionada por alguns autores, pois relacionam o seu aparecimento e a sua intensidade com a acção humana, em especial com a desflorestação e as alterações climáticas derivadas do aquecimento da atmosfera.
Considero premente um esforço mais acurado e uma relação de interdisciplinaridade entre as autoridades locais, os estudiosos e as populações, de modo a mitigar as causas e constrangimentos para se evitarem situações recorrentes que podem ser acauteladas...
Coordenador OPSA*