Estamos no geral de acordo e em várias ocasiões o manifestei por escrito. Mas daí a "diabolizarem-no" agora quando, durante o seu mandato, havia sido guindado e colocado nos píncaros da lua e quase endeusado...

Mas é preciso não esquecer que JES teve sobre seus ombros a direcção de um país mergulhado e assoberbado por um conflito civil armado que, durante 25 anos, dificultou e, em certa medida, impediu o seu normal funcionamento e desenvolvimento. Ele, ex-Presidente, teve de dirigir a guerra e, ao mesmo tempo, encontrar meios materiais, financeiros e outros que cobrissem as despesas não só com a guerra mas também, "tant bien que mal", as necessidades das populações em saúde, educação, abastecimento de água, energia, habitação, transportabilidade, assistência e segurança social, etc., etc...

Nesse contexto, como criar e desenvolver uma classe média empreendedora, capaz de constituir empresas geradoras de emprego? Durante a vigência do conflito fratricida, além do "endinheiramento" que os vivaços iam conseguindo, foi sendo difícil conseguir esse desiderato.

No entanto, após o fim da guerra, a ideia peregrina da "acumulação primitiva do capital" pespegada das cartilhas do marxismo-leninismo e avançada por JES como forma de se criar, desenvolver e fortalecer os ricos incluindo os que já estavam no "cadinho" permitiu satisfazer a ganância e a chantagem de alguns correligionários (e não só) que se lançaram a isso como cães a um osso; foi um fartar vilanagem, um escandaloso saque ao erário público!

O Presidente José Eduardo dos Santos fez e permitiu tudo às "claras" e, logicamente, não esqueceu a sua progenitura (caridade bem ordenada começa em casa); os membros do directório do Partido não podiam desconhecer o que se estava a passar; os colaboradores directos e os auxiliares da Presidência e do Executivo, idem, aspas. Alguém usou do direito de crítica e autocrítica para chamar a atenção do Chefe e opor-se a algumas das suas decisões? O que ouvimos "por portas e travessas" foi que os Membros "entravam mudos e saíam calados" das reuniões dos "marimbondos".

Voltando à diabolização de José Eduardo dos Santos, é verdade que, antes da crise do petróleo, o Presidente permitiu que muito dinheiro se esvaísse, sangrasse para longínquas paragens. Algumas gotas deixadas por cá nos Bancos transformaram-se em grandes edifícios, autênticos "elefantes brancos", na maioria desocupados, vazios; o que contavam de retorno, com o aluguer desses espaços, esvaiu-se e os bancos que lhes deram créditos estão em fortes apuros para os recuperar; trata-se do tal crédito que se afigura agora como sendo e estando mal parado. Estará mesmo?

Mas porquê o "só não sente quem não é filho de boa gente" que subtitula estas elucubrações? Ela é a expressão que se utiliza quando alguém fica chateado, lixado mesmo, e se confronta com uma acção, atitude, comportamento insólito ou sacana, contra si ou a sua família, vindo da parte de amigos, parentes, colegas de trabalho, enfim, de quem menos se esperava.

Ora, há poucas semanas foi notícia que José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República e do MPLA, por necessidade de controlo médico em Espanha, Barcelona, da patologia de que para ali periodicamente se deslocava, decidiu não utilizar a TAAG, nossa companhia de bandeira, e prescindir do apoio protocolar a que legalmente teria e tem direito; e isso mesmo com o pedido presencial do Presidente João Lourenço.

Essa atitude, acerba e vivamente criticada pelos cidadãos nos órgãos de comunicação pública e privada e nas redes sociais, foi considerada como uma desconsideração à nossa TAAG e um desrespeito ao actual Chefe de Estado.

O que terá levado JES a tomar essa atitude, interroguei-me. Teria sido por uma das seguintes hipóteses?

- Terem os seus filhos sido acusados de má gestão dos bens e serviços que lhes foram atribuídos pelo pai, Chefe do Executivo, e tirado disso fartos benefícios pessoais;

- Ter o seu filho Zenu dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano, sido metido no calabouço para ser investigado como arguido por suspeição de gestão pouco ortodoxa e danosa do Fundo Soberano, quando poderia terem-lhe sido aplicadas outras medidas de caução tais como prisão domiciliária com pulseira electrónica, proibição de sair do país e mesmo de Luanda, enquanto se procedesse à investigação;

- Terem a sua primogénita, Isabel do Santos, e a irmã Tchizé dos Santos saído do País com receio de lhes acontecer o mesmo que ao irmão;

- Ter o Presidente João Lourenço, seu sucessor na direcção do Partido e do Estado, comparado no exterior do País, em declarações a um periódico local, que a direcção do Partido era um "ninho de marimbondos", esquecendo-se de ter ele também enxameado o ninho;

- Durante as celebrações do 25.º Aniversário da "Batalha do Cuito Cuanavale", ter sido quase esquecido nos discursos proferidos pelos Chefes de Estado e de Governo presentes, ele que na altura era, por inerência do cargo, Comandante-em-Chefe das Forças Armados: " o Grande Estratega" durante cujo mandato se manteve a unidade nacional;

- Ter sido denominado "o Arquitecto da Paz" por, após a morte de Jonas Savimbi, ter ordenado às FAA o fim das hostilidades e, magnanimamente, assinado a paz com a direcção militar da UNITA.

Então? Foi ou não compreensível a atitude tomada? Quem é que, ao fim de quase meio século no poder, aceita de bom grado e de cara alegre que se trate os filhos de tal maneira. Quem?

Este meu arrazoado que parece em contracorrente da opinião sobre o que se ouve, lê e vê em tudo que é órgão de informação pública e privada e de diversas opiniões pessoais, sobre a situação difícil, alarmante mesmo, em que vivemos, é, em meu entender, não apenas o resultado das "Ordens Superiores" que fomos cumprindo, alegremente e com palmas, mas também do enorme grau de frustração, de desilusão, de esperanças perdidas face às promessas mirabolantes que nós, os "libertadores da pátria", havíamos prometido e não estamos cumprindo a contento. Afinal, diz-se por aí entre os da classe média de antes de 75: "éramos felizes e não sabíamos"...

O País tem uma nova direcção. Em quase dois anos de governação o Camarada Presidente João Lourenço tem procurado reorientar o País com coragem e obstinação, parecendo por vezes, navegar à bolina. Quão difícil é governar um Estado em que o nível de analfabetismo e iliteracia é a que "estamos com ele" e em que a situação económica e financeira atingiu o estado crítico em que vivemos hoje!