No que toca ao continente africano, é interessante notar que a maior preocupação dos autores dos artigos é de ordem política e reside na necessidade de contrariar um efeito de regressão nos sistemas democráticos, derivado do eventual ou efectivo adiamento de eleições à conta da Covid-19. Com efeito, como fazem notar num artigo conjunto Alan Doss, consultor especial da Fundação Kofi Annan e Mo Ibrahim, fundador da Fundação Mo Ibrahim, a suspensão das eleições em plena pandemia pode erodir a democracia africana, a menos que os passos certos sejam dados.

Argumentando que o vírus não deve servir de desculpa para descurar as práticas eleitorais, o artigo chama a atenção para o facto de que a pandemia, em África, não só é sinónimo de uma crise da saúde pública e da economia, como pode ainda vir a tornar-se uma emergência política que ameaça o progresso democrático que países em todo o continente alcançaram nos últimos anos.

Chamando a atenção para o facto de o nosso continente estar mal posicionado para lidar com a pandemia, devido ao facto de poucos países terem redes de segurança e um enquadramento fiscal capaz de amortecer o impacto da severa recessão económica que tanto o FMI quanto o Banco Mundial previram, os autores alertam para o facto de o desemprego em larga escala causar um sofrimento social generalizado e, possivelmente, uma convulsão política, especialmente entre os jovens que mais do que nunca carecem de trabalho e de oportunidades. Essa convergência de crises económicas, sociais e políticas é, afirmam eles, uma receita para a inquietação e a instabilidade.

Noutro artigo, na mesma edição, o principal correspondente da "The Economist" em África, John McDermott, lança outro alerta sobre as pressões de que os diferentes países africanos serão alvo por parte da nova administração norte-americana após a eleição de Joe Biden e Kamala Harris, no sentido de diminuírem os seus laços com a China. De acordo com McDermott: "A China é crucial para as esperanças africanas de superar a pandemia da Covid-19". Não só porque é o maior credor bilateral de África e, portanto, muitas vezes deter a chave para desbloquear renegociações de dívidas, como também pela promessa feita pelo Presidente Xi Jinping de que os países africanos receberão acesso prioritário a qualquer vacina que venha a ser desenvolvida pelos cientistas chineses.

Por outro lado, destaca a "The Economist": "O Ocidente não está disposto a subscrever o custo de antagonizar a China". Como afirmou W. Gyude Moore, ex-ministro da Libéria agora no Center for Global Development (cgdev.org), um think-tank para o desenvolvimento e a redução da pobreza: "O continente africano ficará mais bem servido traçando o seu próprio curso".

Na sua Nota do Editor, Steve Carrol é claro: Este ano assistiremos a mais tensões EUA versus China. "Não se espere que Biden cancele a guerra comercial com a China", alerta o responsável pela "The Economist". Em vez disso, Biden vai querer reforçar o relacionamento com os aliados para travar a China de maneira mais eficaz e muitos países, da África ao Sudeste Asiático, estão a fazer o possível para evitar escolher lados, à medida que a tensão aumenta".

Já fora das tendências apontadas pela "The Economist", mas incluído num artigo especial sobre o novo ano da responsabilidade da equipa do jornal "Financial Times", está outro alerta para Angola, entre outros países dependentes do petróleo. Como recordam os autores, profundos cortes de produção pela OPEP no ano passado amenizaram a pior queda do preço do petróleo em décadas, e o cartel deve continuar os cortes até 2022. No entanto, ressalvam, alguns países da OPEP estão contrariados com essas restrições. Citando o artigo: "Alguns conselheiros da Arábia Saudita dizem que já não faz sentido o Reino continuar a sacrificar quota de mercado para manter os produtores rivais à tona".

Sobre este tema, tão importante para a economia angolana, é de grande relevância ir seguindo os desenvolvimentos do outro lado do Atlântico. Com efeito, o mesmo "Financial Times" - num artigo intitulado "Porque razão Biden pode não ser uma má notícia para o petróleo" - citava esta semana vários representantes da indústria crentes de que, apesar do seu discurso de campanha atacando os combustíveis fósseis, o novo Presidente eleito não deixará de ter em conta a necessidade de proteger o sector.

Para o influente e experiente Mike Sommers, presidente do American Petroleum Institute e reproduzido no artigo mencionado: "Joe Biden, que passou anos e anos no Comité de Relações Exteriores do Senado, compreende a diferença entre uma era em que os Estados estavam dependentes do petróleo e os anos que vivemos agora, numa era de abundância".

A convicção partilhada por vários especialistas de que Biden não poderá deixar de se envolver na política petrolífera internacional leva a que Sarah Ladislaw, a responsável em Washington pelo programa associado às alterações climáticas e à segurança energética, saliente também que, embora Biden não tenha dado nota pública disso, o crash que afectou o mercado petrolífero em 2020 também terá impactado a leitura da realidade por parte do recém-eleito Presidente norte-americano. Amy Myers Jaffe, outra especialista ligada à Tufts University, vai, inclusive, mais longe e considera que nenhum Presidente dos EUA, mesmo um que - como Biden - tenha como motor da sua agenda uma plataforma orientada para a designada "energia limpa", pode ignorar o mercado petrolífero. "Se pretendem manter a liderança económica mundial, isso significa que os EUA têm que preocupar-se quando o preço do petróleo está demasiado elevado ou demasiado baixo".

De tudo isto decorre, como tenho chamado a atenção em artigos anteriores, que Angola necessita de seguir com muita atenção e, mais do que seguir, influir o mais possível pelas vias políticas e diplomáticas no estreitamento dos laços com a nova administração norte-americana. Só assim poderemos prever, antecipar, conjugar esforços e colaborar numa estratégia de interesse comum entre as partes envolvidas, incluindo, obviamente, aqui este sector tão crucial para nós, angolanos, como é o sector energético.

Não se trata aqui, entenda-se, de fechar os olhos à inevitável transição que se verifica a nível planetário dos combustíveis à base de fósseis para a energia de fontes renováveis. Mas, sim, de assegurar que essa mesma transição é feita acautelando as indispensáveis fases de transição e de adaptação, minorando ou evitando as eventuais consequências negativas a nível socioeconómico, que poderiam advir de uma eventual ausência de diálogo e de concertação.

Se alguma lição devemos tirar de toda esta crise derivada da Covid-19, é a de que os países e os povos não podem já responder isolados aos desafios que se apresentam no horizonte. O tempo, agora, é o da colaboração e da cooperação.

*Mestre em Estratégia e Analista de Geopolítica Internacional