Em Angola, a evidente mudança geracional deu lugar a uma geração constituída por jovens urbanos e/ou urbanizados com horizontes muito para além das fronteiras físicas do território nacional. Grupo que usa as redes sociais para informar e ser informado sobre o que se passa na sua comunidade, cidade, país e mundo.

Essa nova maioria tem, no Ocidente, o referencial de comparação, não dá crédito à informação e acção oficial do Estado e rejeita o actual regime, respaldado na Constituição de 2010 e cimentado no medo.

À medida que o medo vai diminuindo, tal desadequação cria fricções entre o poder político e essa juventude ansiosa por fazer parte da construção de um novo regime, num país onde os 58% da taxa de desemprego entre os jovens são uma bomba ao retardador.

Perante este quadro, surge a colisão com um regime centralista, com o poder centrado num só homem, transformado no dono do poder, num perfeito absolutista.

Com os actuais poderes constitucionais atribuídos ao PR, que é também o Chefe do Executivo (uma espécie de primeiro-ministro), qualquer que seja o timoneiro do País, facilmente se transforma num autocrata, num ditador, se não romper com a prática político-constitucional.

Isso é inaceitável para a geração do digital, da partilha e descentralização da informação (Poder) e que considera ultrajante a concentração do poder num só homem.

Nesse excesso de poderes, está o da nomeação e exoneração de tudo e todos os cargos públicos relevantes, incluindo o equivalente a chefes de redacção dos órgãos de comunicação social estatais.

Preceitos que fazem desses meios, veículos de controlo da sociedade que juntamente com os dispositivos de execução da repressão são vistos como máquinas ao serviço da estratégia de manutenção do regime.

Em tempos, um administrador para a informação de um órgão de comunicação social público, nomeado por João Lourenço, quando questionado sobre a razão por que os meios públicos não publicam nada crítico em relação ao PR, respondeu: "o filho não fala mal do pai em público".

Esse paternalismo, inadmissível em democracia, torna letra morta o apelo do próprio João Lourenço "aos servidores públicos, para que mantenham uma maior abertura eaprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias, com o fim último da salvaguarda dos interesses da Nação e dos cidadãos".

Quem acompanhou as reportagens na imprensa internacional (da BBC a Al Jazeera) sobre os acontecimentos do último 11 de Novembro, a primeira conclusão a tirar é: acabou o estado de graça de João Lourenço e caiu a máscara de reformador de um regime esgotado.

O rótulo de ditador já vai sendo colado à pele de um Presidente que começou com falas e actos populistas, típico de partidos e políticos anti-sistema, ignorando que o seu partido é o alfa e o ómega desse mesmo sistema, contradição que acabou por contribuir para acelerar o esgotamento do regime.

A médio-prazo, a referida contradição tornou-se insustentável, porque a história e os esqueletos no armário desse partido não permitem que o seu líder se apresente como um anti-sistema.

Neste contexto, a solução do conflito político que opõe o Presidente a uma parte da sociedade, representada por um grupo interclassista de activistas, ainda está nas mãos de João Lourenço.

Solução que passa, inevitavelmente, pelo diálogo com os activistas, promotores das manifestações por realização de eleições autárquicas em 2021, pão e trabalho e o afastamento do director do gabinete do Presidente, envolvido num escândalo de corrupção, divulgado pela TVI portuguesa.

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