Quando nos referimos que essas mudanças tanto podem tender para o mal como para o bem, não é certamente no sentido fatalista do termo, mas sobretudo tendo em conta todo um conjunto de factores de natureza político-partidária que continuam a funcionar como autênticas pedras de tropeço para a afirmação republicana do Estado angolano, mas que continuam a não ser tema de abordagem mesmo a nível do Poder Político, quando existe um entendimento de terem constituído dos maiores entraves no país ao longo destes anos todos.

Para uma memória futura coerente, importa lembrar que a resolução do passivo do país para com os cidadãos que foram vítimas de uma série de sevícias psicológicas, emocionais e políticas não está apenas na velocidade com que se pretende restaurar um ambiente político de maior confiança entre os detentores do poder e os cidadãos mas num conjunto de garantias objectivas, que passam por instaurar em Angola a clara ideia de que não voltaremos a ter um país em que as instituições do Estado funcionarão como principais violadores do quadro de direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição do país.

Esta teria de ser uma agenda paralela àquela que hoje é levada a cabo pelo Poder Político instituído, e se calhar por isso mesmo é aquele que menos adeptos consegue atrair por não se ter confiança na agenda política que está a ser conduzida. O que resulta, em primeira instância, da desconfiança latente, por se perceber que existe uma jogada de grupo que ainda não tem o país como um principal activo, mas a manutenção de um certo status que mexe com a vida de todos nós, quer queiramos quer não.

A permanente desconfiança dos jogos políticos, sobretudo as agendas que ignoram as aspirações que se não ficam apenas por aquelas metas de grupo, e a forma como os seus actores conduzem os processos que deviam servir para nós como um sinal de alerta, reforça ainda mais a consciência de que "em política não há almoços gratuitos".

Se há um caminho que hoje está a ser percorrido como uma forma de se estabelecer uma nova ordem, esta nunca devia fazer com que o debate sobre o estado da justiça se restringisse a questões da politização da justiça que o próprio poder, a seu nível, se viu sempre com dificuldades de resolver. E o exemplo mais evidente é o "Plano de homenagens às vítimas dos conflitos políticos". Ou seja, estamos a levar para a justiça passivos que o Poder Político devia ser o primeiro a manifestar interesse em resolver do ponto de vista político.

Tudo isso constitui para nós um indispensável instrumento para que haja uma melhor coabitação na diferença ideológica, política e até sociocultural. Por outro lado, bom seria se neste espaço de entronização do novo país político não se caísse na justa asneira de associarmos a resolução das diferenças políticas como um ganho que se traduziria por si só num ganho para a justiça.

Para esta fase de alguma indefinição ainda, dada as mudanças ocorridas no xadrez político em Setembro de 2017, são chamadas todas as forças a tomar a dianteira na refundação do exercício de cidadania como um factor dinamizador de um paradigma que altere sobretudo a correlação de forças não apenas no campo das oposições políticas, mas na forma como as instituições do Estado devem lidar com a questão da justiça como um contrapeso aos apetites desmesurados dos políticos.

Só é pena que, à semelhança desta contenda política que parece redefinir a nova agenda do país, não haja também uma espécie de flash-back sobre os grandes atropelos que se registaram nos últimos 17 anos, para que houvesse uma espécie de consciência mutualista sobre os danos causados ao país.