Como avalia o estado actual da Nação?

O estado actual da Nação é de uma sociedade na encruzilhada. Uma organização não-governamental denominada EXX-África, que entrevistou pelo menos mil pessoas no País, fez um estudo em Outubro, segundo o qual dois terços dos angolanos estão desiludidos com a situação actual de Angola. Estamos numa encruzilhada porque, em 2017, a geração que viveu a guerra e o fechamento do espaço político viu no Presidente da República, João Lourenço, uma oportunidade de mudanças. Por isso, para muitos de nós, o ano 2017 foi de grande alívio. No entanto, passados três anos, pretende-se saber se toda aquela euforia que tivemos ainda faz sentido. Na verdade, temos uma série de elementos que justificam o descontentamento da população. O País descrito nos relatórios, como vem agora no recente discurso sobre Estado da Nação, proferido pelo Chefe de Estado, não condiz com a realidade. Ainda temos um elevado índice de pobreza, são 41 por cento da população. A nossa economia é informal, com pelo menos 70 por cento da população no mercado informal. Temos agora o problema da gestão da Covid-19.

Basta ouvir os relatos do sindicato da Ordem dos Médicos e as experiências que temos andando pelos hospitais, como a falta de uma série de condições de trabalho, a forma como certos direitos estão a ser limitados em nome da gestão da pandemia, o que vai aumentando o descontentamento das pessoas. Mas também temos outras questões, a exemplo da pobreza. A vida das pessoas continua a ser uma luta constante. A luta contra a corrupção, que foi a grande esperança das pessoas, pensando que o Presidente João Lourenço conseguiria levar avante, é cada vez mais duvidosa. Pelo menos, as percepções que se fazem à volta dela são de um combate ainda não assertivo, em que uns falam de selectividade, por não haver responsabilização criminal, mas também política, pois certos actos de corrupção vão enfraquecendo o discurso deste combate. A corrupção foi o pior mal deste País e continua a fazer danos. Não vemos sinais políticos. Há certas figuras que estão no Governo que não deviam mais estar ali. Este é um sinal muito forte.

Uma coisa é responsabilização criminal, que é um trabalho que se deve deixar para os tribunais e para a PGR, mas, do ponto de vista político, a mensagem que se passa é outra.

A que mensagem se refere?

Por exemplo, espera-se por uma palavra do PR sobre a questão de Edeltrudes Costas.

Depois daquele documentário que expõe tantos indícios, embora não se provem as coisas, a imagem de João Lourenço sai bastante enfraquecida e era algo que ele devia assumir corajosamente. Ou ele se demite, para a fazer o jogo colectivo enquanto equipa, ou então o chefe da equipa pede que ele se retire estrategicamente, pois é a imagem do Executivo que fica enfraquecida.

Segundo algumas vozes, existia uma maior abertura em termos de comunicação no princípio do mandato, mas agora se regista um retrocesso. Partilha desta opinião?

Este é um dos motivos que estão a deixar as pessoas desiludidas e a perder a confiança em quem votaram. Cada vez mais, o Executivo vai-se tornando menos dialogante. O PR começou como um Chefe de Estado de diálogo, surpreendeu as pessoas com gestos simples. Um estilo à Papa Francisco, sem fazer grandes documentos, praticou gestos como ter parado no semáforo, ir ao KFC com a família, fez a colectiva com os jornalistas, foram sinais de muita abertura. Tirou, também, da mesa certas propostas que se apercebeu de que não funcionavam.

Posso dizer que foram sinais bastante positivos, que hoje vemos fecharem-se. Subsequentemente a isto, foram tomadas medidas em que o Executivo foi muito pouco dialogante.

Quais sãos estas medidas?

Por exemplo, a implementação do PIIM é uma boa proposta, mas continuamos a ter uma gente muito de cima, top down, que não dialoga efectivamente o que são, realmente, as prioridades. As avaliações serão feitas, mas penso que devíamos repensar melhor as prioridades dos municípios.

Outro ponto importante que o Executivo dá sinais de fecho em termos de diálogo é a questão das autarquias. Os jovens estão a manifestar-se porque querem que se determine uma data para a realização das eleições autárquicas.

Não se está a exigir que seja realizada este ano, está a pedir-se que se fixe uma data para o próximo ano. Eu não estou a favor ou contra isso, mas trago este exemplo para demonstrar esta fraca capacidade de diálogo. Na abordagem das autarquias, o Executivo deu uma finta que não funcionou, dizer que a culpa é do Parlamento. Sabe-se que o Parlamento é composto por partidos políticos, e estes têm agenda partidária, infelizmente são raras vezes que vemos deputados demarcarem-se das suas bancadas parlamentares.

Se o MPLA estivesse interessado em promover o diálogo sobre as autarquias, faria o uso da sua maioria parlamentar.

Isso enfraquece a imagem que o PR passou no início do seu mandato. Quanto às manifestações, não vemos necessidades do excesso de força que se utilizou, não vimos ninguém do Executivo vir a dar a mão à palmatória, como a Provedoria da Justiça, o Comando-Geral da Polícia, o Comité dos Direitos Humanos de Luanda, etc. Ninguém daqueles que são o garante da legalidade conseguiu vir pedir desculpas. Isso vai associando- se a outros problemas por que as pessoas passam, como a fome e os transportes.

Em Viana, por exemplo, gastamos verbas avultadas só para água, os táxis agora reduziram a capacidade de transporte, a caixa de frango custa perto de 10 mil kwanzas, há famílias que passam fome, há famílias que ocuparam contentores de lixo porque a situação da fome está dramática. O Executivo não se explica.

Fala de uma gritante transparência da gestão da coisa pública...

Exactamente. Não estou a dizer necessariamente que há desvio, estou a dizer que não temos dialogado o suficiente sobre as prioridades e não há transparência na prestação de contas. A família, o pai e a mãe, se não dizem aos filhos porquê que temos A e B, os filhos são livres de pensar o que querem. Todos sabemos que o preço do petróleo baixou, mas o que temos não tem sido utilizado de forma correcta. Não me parece que tenhamos acertado o suficiente naquilo que devia ser a prioridade.

Temos o compromisso de acabar com a fome, temos o compromisso da educação e ainda investimos muito pouco, e o desafio de um maior diálogo, deixando a lógica de que eu ganhei as eleições e sei tudo. Esta porta de diálogo, uma vez fechada, cria frustrações. É verdade que nós, os mais velhos, fizemos contas à vida, já não temos energia para apanhar porretes, conseguimos olhar para trás do ponto de vista comparativo sobre as mudanças que este País vai tendo. Um jovem nascido em 1992 não tem os mesmos factores de ponderação, mas também vê que futuro eu tenho. Se agente não é suficientemente dialogante, os jovens vão levantar a voz.

Qual a grande diferença entre a governação actual e a anterior?

A governação actual traz uma certa abertura, sobretudo no início do mandato.

Nós, que trabalhamos em direitos humanos, sentimos isso, mas já sentimos mais do que agora. Do ponto de vista dos direitos civis e políticos, houve melhorias, porém os direitos civis não se gozam sem que os direitos económicos e culturais estejam garantidos. O Estado tem de assegurar que todos tenham o mínimo para o exercício da cidadania. Já foi no tempo da anterior governação e continua a ser até hoje a violação dos direitos económicos e culturais, nomeadamente: alimentação, saúde, meio ambiente saudável, direito para o desenvolvimento dos grupos minoritários, entre outros. É nosso direito receber do Estado alguma coisa que nos torne uma pessoa digna, pois o Estado gere os recursos de todos nós. Continuamos a ver um forte investimento na segurança, temos uma administração muito pesada, um orçamento muito centralizado em Luanda. Isto é um problema de diálogo, de definição de prioridades.

Qual é o maior desafio da governação de João Lourenço?

É claramente a reforma do seu partido. É uma das batalhas que ele teve e continua a tê-la, mas isto é uma "faca de dois gumes".

O MPLA sempre teve maiorias absolutas, não pode chamar o povo só quando há problemas, tem de assumir as más políticas que desenhou. O modelo é para ir para uma desconcentração, visto que, por mais que se fundam os ministérios, teremos muitos secretários de estado por ali. Temos uma ministra da Educação que não tem poderes, ou quase nada, sobre quem é director provincial, por ser competência do governador. A municipalização dos serviços, as verbas do ensino primário que passaram para os governos provinciais, depois a verba da educação, as administrações municipais e por falta de luz na sua casa tiram um pouco. Temos estruturas muito pesadas, o que torna ineficazes as reformas que se tentaram fazer. Por mais que façamos boas políticas, se elas não forem transversais, não vão resultar.

A reforma do MPLA transparece, em certos momentos, ser uma luta que o líder está a levar de forma unilateral. Qual é o seu entendimento?

O Presidente não me parece que esteja a andar às cegas, mas a grande pergunta de todos os analistas é saber se o PR pode ou não quer. Continuamos muito divididos nesta análise. Contudo, um dos grandes desafios de Angola passa pela reforma do Estado e do MPLA. Esta "troca de mimos" entre o MPLA e a UNITA, depois das manifestações, mostra como a mudança de mentalidade foi muito superficial. Basta uma pequena coisa, estamos logo a desenterrar o passado recente de que nós não nos orgulhamos. A reforma é importante, mas é preciso dizer que, durante muito tempo, o PR passou a ideia de que ele lutava sozinho por uma causa, e sozinho não vai conseguir. É preciso institucionalizar as práticas, como aquela de que "ninguém é tão rico que não pode ser julgado, ninguém é tão pobre que não se pode defender". Tem de haver uma palavra de ordem e fazer-se lei. O combate à corrupção tem de ser transversal. No princípio, o Presidente mostrou abertura, mas quem vai ao GPL parece encontrar outro Governo. Tem de haver coerência na estrutura, porque, se não institucionalizarmos, quando um dia o líder não estiver, voltaremos à estaca zero.

Quase no terceiro ano do seu primeiro mandato, como classifica o cumprimento das promessas eleitorais?

Não espero que se cumpram todas, mas é preciso definir melhor as prioridades, uma vez que, mesmo na vida real, nem sempre aquilo que temos como plano funciona. O que temos de fazer é pôr em primeiro lugar aquilo que merece prioridade.

Temos problemas de base, temos fome, e o País assumiu o compromisso do desenvolvimento sustentável e de acabar com a fome. Temos taxas elevadíssimas de desemprego, que seria uma das prioridades.

Os sectores-chave como Saúde, Agricultura e Educação continuam muito atrás, com um dígito no OGE. E o mais grave é quando quem governa não vem ao encontro das pessoas explicar as reais razões e mostrar, na prática, que estamos em tempo de contenção. Os tempos são maus, mas eu vejo-te fazer clínica dentária, importar BMW, Lexus e dizes à juventude que estamos em crise. Isso significa que ninguém te leva a sério. Penso que isso é fundamental. Podia não dar os empregos todos, mas devíamos encontrar formas que fizessem que a comida fosse barata.

O Governo tem adoptado uma série de medidas de alívio para o incentivo ao sector primário. Sente o seu impacto no incremento da produção interna?

Os programas são muito bons, mas o nosso problema não é a falta disso. Precisamos de parar e de reflectir, visto que o programa anterior não funcionou. Já tivemos vários programas, como o Bué e outros, mas não funcionaram. Não parámos para avaliar onde é que falhámos, porém criámos logo outros, com outros orçamentos e com os mesmos actores. Continuo a dar o benefício da dúvida, porque sou cristão e acredito que as pessoas são capazes de mudar. No entanto, também entendo quem não acredite, porque as coisas podem correr mal. É como dar a um filho dinheiro, gastou sem prestar contas, mas voltámos a colocar novamente dinheiro nas suas mãos. A culpa não é da criança, é do pai que não consegue pedir contas. Entretanto, os programas são bem-vindos, mas, do ponto de vista de boas práticas, precisamos de melhorar. Ainda há muita burocracia. Precisamos de saber o que é que estes programas têm de diferente ou fez que os anteriores não funcionassem, senão voltaremos à estaca zero.

Especialistas consideram que o sector agrário continua a ser encarado pelo Governo como parente pobre.

É verdade que continuamos a investir em grandes fazendeiros que, depois, nada fazem. Perde-se muito tempo na cadeia de transportes e comercialização, pois a realidade está ali. Como cidadão, o que é dado a observar é que o povo tem fome.

Temos programa de combate à fome e à pobreza, água para todos, entre outros...

Podemos ter vários programas, mas, se não se reflectirem na vida do cidadão, é nada. Devemos ter coragem de parar e mudar, pedir contas e, acima de tudo, procurar ouvir outras opiniões. Penso que a recente nomeação do Conselho Económico e Social vai neste sentido. Espero que o País tire proveito, porque muitos dos erros cometidos se devem à não definição de políticas, partindo da ideia de que ganhamos e sabemos tudo com os comités de especialidades. O partido que governa cometeu erros que poderia evitar, deixou de ouvir vozes, ostracizando pessoas a quem hoje a história dá razão no que diziam.

Há vontade política para melhorar a situação que o País atravessa?

Não sei. Não basta dizer que estás comprometido com alguma coisa. Não duvido quando as pessoas dizem que há vontade política, pois ela se avalia consoante o seu grau de execução. No nosso caso, temos muitas dúvidas, e faço parte daquele tipo de pessoas que se perguntam se há incapacidade de resolver os problemas ou se é falta de vontade de resolver as coisas. Penso que em muitas coisas há um pouco das duas.

Há um programa de transferência monetária para empoderamento das comunidades carenciadas, denominado "Kwenda". Acha que é por ali que devemos trilhar?

Não é o Kwenda sozinho que vai resolver a situação, mas é uma boa iniciativa. O Executivo de Lula da Sila, através do programa da Bolsa Familiar, conseguiu provar que é possível tirar milhões de cidadãos que vivem na pobreza.

São realidades diferentes. Será que no contexto angolano é funcional?

Ainda é cedo para avaliar a sua extensão. Por acaso, conheço as pessoas que estão à frente desta iniciativa. Sei que, se lhes derem meios e espaço, poderão fazer bem. Confio no Jelembi e na Teresa, que têm cultura organizacional muito forte como a ADRA. Espero que lhes dêem meios de trabalho e espaço. Vamos ver se o Kwenda vai resolver os problemas, só a transferência monetária em si não resolve. O que as famílias farão com oito mil kwanzas se, à volta delas, não há um mercado?

Qual a sua gestão em termos de aposta para o desenvolvimento comunitário?

Aposta na agricultura familiar e descentralização do sector que intervém após a agricultura, como o de transporte e comercialização. Há muito produto que se perde nos campos porque o agricultor não consegue trazer para um comprador que compense o seu esforço. A questão de o camponês poder vender a preço justo é uma necessidade. Já presenciei agricultores que não conseguiam arrendar um tractor da administração. Outro sector que merece a prioridade é o da Educação. Devíamos colocar merenda escolar, para que as nossas crianças tenham gosto de ficar na escola. Os índices elevados de mortalidade materno-infantil também devem ser atacados, são anos cruciais.

Estamos a viver um dos momentos difíceis da história universal, a Covid-19. Como tem encarado a forma com que lidamos com esta situação?

O Governo tem pontos louváveis, sobretudo esta coisa de vir comunicar. Espero que sirva de exemplo. Já tivemos operação transparência, e o Governo não se deu o trabalho de passar o mesmo nível de informação que está a passar com a Covid-19.

Para se saber que a pandemia existe, o Estado está a fazer um grande trabalho. Apesar disso, há uma necessidade de se articularem as medidas que se vão tomando.

Houve medidas tomadas que foram excessivas, como aquela coisa de usar máscara quando a pessoa está no carro, um dos exemplos é o caso do Dr. Sílvio Dala. E pergunto- me: os que fazem a lei conhecem a nossa realidade? Há mamãs que, se não venderem durante o dia não comem. A salvaguarda da vida não deve ser feita violando outros direitos. A Covid-19 veio destapar o nosso despreparo na organização da vida da cidade e na economia. Há medidas que funcionam noutros países, mas não no nosso, onde as pessoas têm que ir à busca de água. Em relação à cerca sanitária, não faz sentido, pois devia facilitar-se a entrada e a saída da maior economia do País. Os custos dos testes estão acima do salário-base do cidadão comum, só para não falarmos do preço do internamento nas clínicas privadas...

É uma demonstração da fragilidade das nossas instituições e de medidas que não se baseiam na realidade que se vive. É muito triste o Governo anunciar um preço e depois no terreno sermos confrontados com outro. É das coisas em que o Estado deveria investir mais ou então vir já à tona e dizer o porquê das coisas. Pode ser que o Estado não tenha condições, mas tem de se explicar. Há uma matéria do Novo Jornal que diz que as clínicas fazem milhões por semana, e é uma dura realidade. Nem todos têm a possibilidade de testar antes de viajar para uma província. Para mim, esta medida viola o direito de movimentação. É um desafio que o Estado tem que procurar vencer mais cedo. Já tivemos denúncias de corrupção, de testes a serem feitos às escondidas, falsos. Em tudo quanto é crise sobressai a nossa crise maior, de valores morais, patriotismo e de coerência entre o discurso e a prática. Há gente a fazer dinheiro com a Covid, e não é para a salvaguarda da vida das pessoas.

Um dos fundamentos da Mosaiko é a defesa dos direitos humanos. Como é que estamos neste âmbito a nível do País?

O quadro não é muito animador. Nós, que trabalhamos neste segmento, tivemos momentos de alegria de formalização, do ponto de vista de Estado. A Constituição traz um catálogo de direitos humanos. Temos uma multidão de juristas e o discurso vai entrando, tanto que Angola ratificou vários acordos internacionais. Quando digo que é pouco animador, é porque já não nos chega para o País que temos. Para a luta que temos travado como o povo, não nos basta dizer tenho "aquela ou esta lei". Só faz sentido se o cidadão sentir isso na prática, os efeitos da garantia universal dos direitos humanos.

Temos uma lei de proibição à tortura, não basta que esteja na lei. Temos um Estado que condena fortemente quando os seus agentes da ordem torturam.

Aquele filme do dia 24 é verdade que houve excesso, entre os manifestantes que configuram violência e crime, mas os agentes do Estado são treinados para manter a ordem pública, salvo em legítima defesa. A questão dos direitos humanos vai ficando apenas no papel. Houve altura em que nem no papel estavam. Temos muitos desafios nestes domínios.

Custa crer ter muita gente de bem e que não consigam da autoridade que o Estado lhe dá para fazer algo louvável em matéria sobre direitos humanos.

Como avalia o cumprimento do direito da assistência social no País?

Há um conjunto de elementos que se são retirados da vida de uma pessoa, esta vida fica sem dignidade, torna-se igual à de um cão. Aquilo é o que constrói o que chamamos o mote da dignidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que a pessoa tem direito ao mínimo que lhe assegure e à sua família a viver com dignidade. Um dos aspectos é ter garantias de saúde, porque ninguém vai construir o seu próprio hospital. Todavia, a pessoa não devia ir ao hospital e não encontrar condições. O Estado constrói os hospitais com dinheiro que é nosso. Por isso, o poço de petróleo não é de ninguém.

O Estado não dá direito, é obrigado a reconhecer as pessoas. Durante muito tempo, ouvimos que o Executivo está a fazer um grande esforço, quando é seu trabalho. Da Constituição constam as tarefas principais e fundamentais do Estado. Temos de mudar o nosso prisma. Um Estado que cuida bem o seu cidadão está a fazer um bom investimento do ponto de vista da segurança de Estado. Não há paz sem justiça.

A satisfação das questões sociais é uma questão de justiça. Angola não se tem dado, embora a situação económica seja menos favorável que no passado, mas o País ainda não justificou o suficiente sobre onde põe o dinheiro para termos tanta fome. Penso que temos muitas gorduras no OGE que poderiam ser investidas naquilo que é prioritário. Portanto, dar de comer devia ser o ponto número um. Devíamos comprar carros mais baratos e cortar nos subsídios dos salários. Temos muitas gorduras que poderiam ser canalizadas na satisfação da necessidade básica dos cidadãos. Fizemos diagnóstico pelas escolas do País, ainda temos crianças a estudarem sentadas em latas de leite, estamos ainda num problema de prioridade.

É o que disse, se tu como pai de família apareces com roupas de marca, mas os filhos não comem, não há como eles ficarem sem falar mal de ti. Não há como respeitarem o pai. Não estou a dizer que temos muito dinheiro, mas o pouco devia ser mais bem racionalizado. Gosto muito de Viana, mas daqui a pouco vamos ver uma multidão, pois os jovens estão na Zunga, cada um com pouco que conseguiu vem comprar a comida do dia. Esse é o dia-a-dia de milhões de pessoas. Angola tem muito mais dinheiro que países que fazem o mínimo para os seus cidadãos.

Os agentes da Polícia são, várias vezes, acusados, mas nunca há penalizações...

O que se quer é que o Presidente faça a responsabilidade política dos agentes do Estado.

A vontade política é um motor importante da sociedade, pois o Estado Democrático e de Direito resulta do chamado contrato social. Concordamos em passar uma parte do nosso poder a determinado grupo de pessoas. Esta Constituição, aprovada em 2010, foi possível porque houve uma vontade de fazer aquele instrumento. A responsabilidade política é fundamental para passar a mensagem de coerência. Por exemplo, a questão de Edeltrudes Costas era de bom-tom ou vontade própria que se demitisse. Quando as pessoas começarem a ser responsabilizadas desde a camada intermédia, então passarão a controlar mais e deixar de responsabilizar o peixe miúdo. Temos uma PGR que tem sido pró-activa para recuperar activos. Ao prender aquelas pessoas, este órgão nada disse sobre as garantias e direitos destes jovens. A Provedoria de Justiça, o Ministério da Justiça e o comandante da Polícia não condenam. O discurso do PR no Comité Central foi vago pela situação e não vimos o Comandante-em-Chefe assumir a culpa ou condenar a força da ordem. Se os comandantes fossem responsabilizados pelos actos ocorridos nas esquadras, não teríamos esta ideia de que ninguém está acima da lei.

Estamos a regressar aos vícios...

Claro! Há indivíduos que o Presidente os manteve, que já não tinham cara para ali estar. A política é um espaço de percepções, pois à mulher de César não basta ser, tem que parecer. Há pessoas ali altamente comprometidas, mesmo que não se tenha provado que imagem política esta pessoa tem. Por isso, digo que estamos a voltar para os mesmos vícios do passado. Não se avaliam, mas centralizam as coisas. Voltando para a questão dos direitos humanos, um dos sectores que mais se abriram no princípio da governação de João Lourenço foi o da Comunicação Social, onde começámos a ver os passos que foram dando, o sinal da Radio

Eclésia. Contudo, hoje em dia, voltámos ao passado. Os órgãos de comunicação do Estado tornaram-se outra vez órgãos de propaganda do partido no poder. Vimos a forma como cobriram a manifestação, sem qualquer isenção. É importante que o PR, antes do seu mandato, tenha coragem de anunciar uma reforma com a revisão constitucional. Se ela lhe dá muitos poderes, é a mesma que o vai fazer responsável das coisas que não correram bem. Esta Constituição é para ser mudada.

Qual é a relação entre a sua organização e o Governo?

Nós somos uma organização de construção de pontes de diálogo. Temos uma relação com o Governo que depende dos assuntos e das abordagens. Não surgimos para o criticar, mas para promover os direitos humanos. Somos muitas vezes mal interpretados, mas estamos confortados com a nossa linha. Há muita gente do Governo que não gosta de nós. Se esta entrevista for publicada, vai haver pessoas que se vão chatear. Há momentos em que dissemos que as coisas estão boas e temos também a coragem de dizer que isso está errado. Não temos problemas nenhum para contribuir. Temos uma estrutura do Estado fraca. Vais ao IDF e o agente não tem a Lei de Terra, das Florestas e Ambiente, e nós capacitamos. Somos muitas vezes conotados como partidos na oposição, pela coragem de criticar o Governo.