A confirmação, já esperada, de que não vai ser em 2020 que o País vai experimentar o poder político local eleito por voto universal e directo foi feita no final da reunião do Conselho da República que teve lugar na terça-feira, em Luanda.

Recorde-se que em Março de 2018, igualmente no seguimento de um Conselho da República, como o Novo Jornal então noticiou, o Presidente João Lourenço apontou 2020, embora sujeitando o processo à criação de legislação adequado para o efeito, como o ano mais indicado para a eleição do poder local autárquico em Angola.

Nesse momento, o Chefe de Estado obteve a concordância da generalidade dos Conselheiros da República, tendo a UNITA sublinhado que concordava com a data proposta por considerar que agrega o tempo necessário à sua preparação à aprovação da legislação que se exigia e ainda exige hoje porque o Pacote Legislativo Autárquico ainda não está totalmente concluído, sendo essa uma das razões, a par da ocorrência inesperada da pandemia da Covid-19, para que as primeiras autárquicas angolanas não decorram no ano em curso.

Nos últimos meses de 2019, ainda antes da eclosão da pandemia do novo coronavírus, a oposição já admitia que as autárquicas não teriam lugar em 2020, apesar de ter sido uma proposta do Presidente da República e presidente do MPLA, devido a "manobras dilatórias" do partido que governa o País desde 1975 no âmbito da aprovação da legislação no Parlamento.

A falta de condições objectivas foi reconhecida, no entanto, pelos Conselheiros que estiveram reunidos com o Presidente João Lourenço na terça-feira, tendo estes avançado com a convicção de que o processo de criação de condições deve manter-se de forma a que as primeiras eleições autárquicas tenham lugar logo que possível.

No arranque do Conselho da República, o Presidente admitiu que "nem tudo está feito" no contexto da aprovação da legislação necessária na Assembleia Nacional, defendendo que não devem ser apontados culpados, mas entendendo que se deve reconhecer que ainda falta parte do pacote legislativo autárquico.

E apontou como fundamental concluir esse suporte legal sem o qual, em nenhum Estado Democrático e de Direito se podem realizar eleições seja de que tipo for.

Governo recorda atrasos na criação da legislação

Após a reunião de terça-feira, o ministro da Administração do Território e Reforma do Estado de Angola, Marcy Lopes, lembrou que do Pacote Legislativo Autárquico foram aprovadas oito leis e está ainda em cima da mesa a questão do registo eleitoral, para o qual está a decorrer um trabalho de ligação de dados entre o número total de cidadãos maiores e a base de dados do Bilhete de Identidade, admitindo ainda que falta o processo de formação de pessoal para a organização do acto eleitoral autárquico.

O governante defendeu mesmo que, em vez de anunciar uma nova data eventual, seja opção, por "mais prudente" avançar que se vão realizar as eleições autárquicas depois de concluído o processo e que "assim que estiveram criadas as condições, o Presidente da República possa convocar a sua realização".

O modelo de eleições e poder autárquico é uma questão que mantém o MPLA e os partidos da oposição em clara dessintonia porque o partido no poder pretende que o poder local evolua por etapas, começando por alguns municípios com mais meios, de forma a que, posteriormente, o restante território nacional seja abrangido, progressivamente.

Mas a oposição entende que essa progressão deve ser na atribuição de poderes em cada um dos municípios e não geográfica, como está previsto na Constituição da República, defendendo que sejam realizadas eleições em todo o País.

Oposição quer aprovação total do Pacote Legislativo e data concreta

Os partidos políticos da oposição defendem que a Assembleia Nacional deve concluir ainda este ano a aprovação do Pacote Legislativo Autárquico e exigem que o Executivo marque uma data.

O líder do maior partido da oposição, a UNITA, Adalberto da Costa Júnior, descreveu a não realização este ano das eleições autárquicas como "um acto de falta de respeito aos angolanos" e lamentou que a agenda do MPLA esteja a atrasar as metas do País.

"A não indicação da data das autarquias é um perigo para um País que tem tantos desafios, que não tem motivos nenhuns para serem adiados em função de uma agenda partidária", referiu, sublinhando que o País está perante "uma vergonha".

"Sabemos que o MPLA não quer fazer as eleições autárquicas, mas Angola precisa das autarquias, para que haja descentralização do poder e o desenvolvimento do País", sublinhou.

O presidente da UNITA insiste que o MPLA tem medo de perder as eleições autárquicas, razão pela qual vem atrasando a aprovação definitiva do Pacote Legislativo Autárquico.

Ao Novo Jornal, o membro do colégio presidencial da CASA-CE, Manuel Fernandes, disse que, já que o Executivo quer que as eleições autárquicas tenham lugar num momento em que as condições para o efeito o permitirem, a primeira prioridade, depois da abertura do próximo ano legislativo, tem forçosamente de ser a aprovação do último diploma do Pacote Legislativo Autárquico, que é a Institucionalização das Eleições Autarquias, que a Assembleia Nacional sempre inviabilizou para a sua agenda.

"Já suspeitávamos que o Executivo ia adiar as eleições autárquicas com argumentos da Covid-19. Se há boa vontade política nesta matéria, é urgente, ainda este ano, a provação do último diploma do Pacote Legislativo Autárquico", exigiu.

Segundo Manuel Fernandes, já que o País não terá eleições autárquicas este ano, pelo menos o Executivo devia anunciar a data da sua realização.

"Se o Executivo está a tomar medidas tendo em vista a contenção da Covid-19, porque é que as eleições autárquicas não podem acontecer no próximo ano?", questionou o deputado.

O presidente do PRS, Benedito Daniel, que já sabia da intenção do Governo no que diz respeito à inviabilização das eleições autárquicas este ano, defende também a conclusão do Pacote Legislativo Autárquico até Dezembro próximo.

"Nem avançam a data e nem dizem quanto é que termina a discussão na Assembleia Nacional do Pacote Legislativo Autárquico. Como é que fica o País?", interrogou-se.

Segundo o político, os interesses de um partido não podem condicionar o desenvolvimento do País independente desde 1975.

"A implementação das autarquias locais no País vai melhorar a qualidade de vida das populações e permitir maior aproximação entre o Governo local e as comunidades. Esta é a melhor forma de desenvolver o País", sublinhou.

O presidente da FNLA, Lucas Ngonda, que não minimizou o impacto da Covid-19 na vida social e económica dos angolanos, pediu que o Executivo fosse claro na definição da data das eleições e o parlamento concluir o Pacote Legislativo Autárquico.

"Se dizem que não há condições para as autarquias terem lugar este ano, o Executivo tem que vir a público avançar com a nova data", disse Ngonda salientando que esse adiamento desapontou os partidos políticos e a sociedade civil.