A organização de defesa da liberdade de imprensa, MISA-Angola, na voz do seu presidente, Alexandre Neto Solombe, manifesta-se céptico quanto às atribuições que vão ser conferidas à ERCA. O jornalista olha para a criação do novo órgão numa perspectiva "sombria", justificando com o facto de se terem passado 10 anos, desde a aprovação da Lei de Imprensa pela Assembleia Nacional, e o país continuar a aguardar pela sua regulamentação.

Alexandre Neto Solombe não vê, por isso, motivos para bater palmas à criação da ERCA. Ao contrário, sublinha que gostaria de ouvir explicações por parte do Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sobre o porquê da não regulamentação da Lei de Imprensa, que está encalhada desde 2006.

"Gostava de ter explicações por parte do Chefe do Executivo para o facto de a lei não ter sido regulamentada até hoje e agora ser trazida com outro formato. Não tenho de me regozijar dis-so, pelo contrário, mostro a minha indignação perante esta brincadeira que está a ser feita", atirou o responsável, para quem o comunicado final do Conselho de Ministro não espelha as atribuições que vão ser conferidas à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana.

Socorrendo-se do exemplo de entidades similares, como o Comission nos EUA, o Board na Inglaterra, o Comissione em Itália e a ERC em Portugal", o presidente do MISA-ANGOLA desenha um quadro mais funcional para a ERCA, que julga deverá ter atribuições diferentes das do CNCS.

"Espero que a entidade reguladora tenha competências para que, efectivamente, faça um trabalho mais reforçado do que o CNCS. Que seja mais proactiva nas iniciativas legislativas e a propô-las à Assembleia nacional. Que a nova entidade tenha competências para se pronunciar sobre a nomeação de dirigentes ao nível da comunicação social pública. Que intervenha no caso de reclamações de falta de cruzamentos na informação, ou seja, falta de contraditório. Que sancione os órgãos que atropelarem as leis, quer seja na imprensa privada ou na pública", elencou.

Para Alexandre Solombe, Angola precisa "verdadeiramente" de um órgão regulador de supervisão com atribuições específicas semelhantes às de países "verdadeiramente" democráticos.

"A função dos órgãos reguladores é fazer com que os grupos empresariais não tomem conta da comunicação social. Que haja melhor distribuição nas oportunidades e no acesso a licenças para frequências de rádio e de TV. Deve haver mais pluralidade e equilíbrio na informação. Deve-se dar tratamento de igualdade a todos intervenientes e não deixar que o mercado esteja indignado como está a acontecer aqui, na nossa realidade", criticou.

Alexandre Solombe olha igualmente com preocupação para a composição do grupo que irá constituir a ERCA, sugerindo que deve ter uma maior representação de jornalistas e juristas em detrimento da representação política que hoje se observa no Conselho Nacional de Comunicação Social.

"O CNCS foi constituído num contexto de pós-guerra e tem um grande peso de representação político partidária. Está lá o MPLA, a UNITA, talvez a CASA--CE. Já esteve o PRS. Mas, acho que o próximo órgão será reduzido na composição e reforçado do lado profissional, mais ao nível da representação do magistrado judicial, ou seja, de pessoas formadas em direito, profissionais da imprensa e representantes de sindicatos", sugeriu.

Modelo dos países nórdicos

Alinhada pelo mesmo diapasão, a presidente da Assembleia do Sindicato do Jornalistas Angolanos (SJA), Luísa Rogério, espera que a entidade reguladora funcione como um órgão "verdadeiramente regulador".

"Esperamos que faça a sua parte para que tenhamos uma comunicação social melhor, que seja útil e de acordo com as expectativas do público", disse a jornalista, para quem a ERCA deverá bater-se pelo respeito para com o código deontológico, independentemente da natureza do órgão.

"Todos prestam serviço público. Logo, fazer serviço público pressupõe fazer bom jornalismo, de acordo com as regras da profissão. Espero que a actuação deste órgão seja mais que uma mudança de nome, porque o CNCS tinha a sua acção limitada, que era apenas a de deliberar. É um órgão cujo funcionamento se restringia ao ponto de vista moral. Espero que o ERCA se bata muito pelos mecanismos legais", afirmou a sindicalista, que estende as atribuições do órgão regulador para a criação de uma Comissão de Carteira e Ética para autorregulação do trabalho jornalístico.

Luísa Rogério escolhe para composição da ERCA o modelo de países nórdicos, como a Noruega e Suécia, que na sua visão têm uma representação mais alargada. "Há câmaras de jornalistas e de juristas e incluem ainda representantes da sociedade civil, como igrejas, ONGs e sindicatos", exemplificou a interlocutora.

Refira-se que Dezembro é o mês apontado pelo Conselho de Ministros para a extinção do Conselho Nacional de Comunicação Social para dar lugar à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana. A alteração será concretizada depois da aprovação da respectiva proposta de Lei, pela Assembleia Nacional, anunciou na semana passada o Executivo, num comunicado final do Conselho de Ministros.