Natural de Veneza, o missionário Capuchinho, que chegou a Angola em 1986, passou pelo município de Negaje (Uíge), como pároco superior daquela missão, pelo município de Samba Cajú, na província do Cuanza Norte, e em 2008 foi transferido para o município da Damba, no Uíge, onde se encontra até hoje.

Há 11 anos na Damba, município que dista mais de 200 quilómetros do Uíge, o padre sente que o problema da comunidade afecta sobretudo as crianças e os velhos nos bairros do interior.

"Agora, visitando esses bairros encontramos esta miséria. Comida ainda vai havendo, não há muita diversificação, porém, existe, mas o problema forte para os povos é aquele de poder transportar os produtos, porque não há [meios de escoamento], só na cabeça", disse o padre à agência Lusa.

Graziano De Angeli referiu que, além da fome, as doenças são outra preocupação, continuando a malária a ser a principal enfermidade entre a população.

"Quando nós missionários vamos ter com os povos, estamos sobretudo preocupados como levar os doentes para a sede. Há muitas doenças, a principal é o paludismo, mas depois temos a tensão, de que muitos se queixam", avançou.

Apesar da falta de alimentos e de emprego, o padre regozija-se por não haver relatos de mortes por fome: "Não, sinceramente não chegamos a este ponto".

O padre lamentou, no entanto, o egoísmo principalmente com os mais velhos.

"Antigamente havia respeito pelos velhos, o velho era sempre respeitado, ajudado, nos dias de hoje noto este egoísmo, será porque também eles não têm possibilidade, as famílias são pobres para poder ajudar", disse.

Para a comunidade, a igreja vai dando o apoio que consegue, mas apenas em alimentos.

"Temos esta ajuda que costumamos dar, não a todos, temos a Caritas paroquial que conhece as pessoas, não é que cada um que vem tem direito. Antes dávamos também dinheiro e agora procuramos evitar, também porque não temos. O dinheiro é sobretudo para quando há necessidade de se fazer uma transfusão de sangue, há quem pede 10.000 kwanzas ou 8.000 kwanzas, e também para os medicamentos", salientou.

Graziano De Angeli reiterou que "há muita fome", lembrando o que acontece quase diariamente depois da missa.

"Muitas vezes, à noitinha, quando acabo o culto ali na igreja, por volta das 19:00, vêm as crianças e dizem: padre hoje não comi, padre tenho fome, padre em casa não temos nada. E aí procuro entregar um pacote, preparo um quilo de arroz, sal, sabão, óleo, açúcar, duas latas de sardinha, massa, tomate, e um bocado de rebuçado para as crianças", contou.

A educação também está nas preocupações do padre, principalmente o excesso de alunos nas salas de aulas, que chega às 60 crianças.

"Sempre lutei contra isso, e, segundo o programa do Estado, deveria ser 30 [alunos]. O que acontece é que os professores não podem seguir 60 alunos, há uma formação muito insuficiente", frisou.

Apontando para um artigo que leu recentemente sobre Itália, "dizendo que se precisa reiniciar a escola", sublinhou que na Damba também há "alunos da sexta, sétima classe", que não sabem ler.

"Antigamente, no famoso tempo colonial havia a disciplina da escritura, hoje nada. Lembro-me de, uma vez, uma menina, pedi-lhe para escrever o seu nome. Escreveu, mas só ela sabia ler o seu nome, eu não consegui ler", exemplificou, reclamando também do alto absentismo escolar.

Graziano De Angelis foi convidado para o lançamento do Programa de Transferências Sociais Monetárias, que decorreu na quarta-feira, na Damba, numa iniciativa governamental, que conta com o apoio financeiro de nove milhões de euros da União Europeia, para a atribuição trimestral de 3.000 kwanzas a menores de cinco anos, até três crianças por família.

O padre italiano agradeceu a iniciativa, mas defendeu que se fiscalize bem como vai ser empregue o dinheiro.

"Daquilo que ouvi dizer, quem recebe o dinheiro é a mãe, não é o pai, porque o problema da bebedeira é enorme, uma coisa terrível, mas também entre as mulheres temos este fenómeno. É bom, porém os preços aqui na loja são enormes, aumenta sempre", explicou.

Maria João, desempregada, mãe de dois filhos, de oito e quatro anos, não foi contemplada pelo programa, mas relatou à Lusa a importância de receber a ajuda, que não é muita, apesar de servir para minimizar problemas.

"Quero receber o dinheiro, temos dificuldades de alimentação, de roupa, não temos dinheiro, se não trabalhamos na lavra não comemos. Eu não trabalho, só na lavra, não vendo, se o meu marido não fizer um biscate não comemos, estes dias o marido tem pouco trabalho", contou.

A alimentação dos filhos passa pela mandioca e batata, quando aparecem.

Já Melani Nzola, viúva e desempregada, tem oito crianças e duas abrangidas pelo programa, recebendo 18.000 kwanzas, que vão servir para vestuário, alimentos e material escolar.

Nzola admitiu que o dinheiro não é suficiente para aliviar as dificuldades, contudo foi possível comprar um pouco de fuba (farinha), roupa e chinelas paras as crianças irem á escola.