De acordo com relatos recolhidos pelo Novo Jornal, o incidente ocorreu depois de um grupo de moradores ter recorrido ao posto policial no sentido de dirimir um conflito de grupos rivais no bairro dos Ossos, distrito do Hoji-Ya-Henda.

"Quando o grupo chegou, por volta das 21 horas, criou-se um pequeno alvoroço defronte ao posto policial e um efectivo da Polícia Nacional, tentando dispersar a população, fez alguns disparos, tendo um deles atingido mortalmente a menina", conta uma testemunha ao Novo Jornal.

Em reacção, refere a fonte, a população partiu para a revolta, tendo vandalizado o posto policial e obrigado a que os agentes policiais destacados naquela noite na unidade policial se metessem em fuga.

"A polícia não conseguiu conter a fúria da população. Estes arremessaram pedras à esquadra e atearam fogo, destruindo, significativamente, o posto policial. A revolta popular só terminou quase às 23h00, quando chegou um grande reforço policial, que conseguiu controlar a situação", acrescenta o morador.

Pedro, outro morador e segurança de uma empresa privada, diz ter igualmente testemunhado o incidente e acusa o policial autor do disparo que atingiu mortalmente a adolescente de "despreparo".

"Quando saiu do interior da esquadra, começou logo a disparar. Não posicionou bem a arma e um dos tiros atingiu a adolescente. Eu ainda tentei socorre-la, mas acabou mesmo por morrer, minutos depois. É preciso treinar bem os polícias. Aquilo que vi foi um completo despreparo", descreve o morador.

Morta com dois meses de gestação

Helena Funge, conhecida carinhosamente por Leny, a adolescente morta na noite de ontem por um agente da Polícia Nacional, no bairro dos Ossos, no Cazenga, encontrava-se em gestação de dois meses e era a irmã mais velha de quatro irmãos.

A mãe, dona Fina, inconsolável, lamenta a perda de dois filhos num intervalo de menos de dois anos: "Ainda estou com dor do meu filho que morreu o ano passado [assassinado em 2019 por um dos grupos que tiram o sono dos moradores do bairro, conta a mãe]. Não sei o que vai ser da minha vida. Estou acabada, acabaram com a minha vida", diz, curta, com voz franzina e rouca, a vendedora ambulante.

Dona Zita, tia da adolescente, mostra-se agastada com o procedimento da polícia e exige justiça pela morte da sobrinha de 15 anos, estudante da 5.ª classe.

"Então a população agarra um jovem que está envolvido em rixas de grupos e decide levá-lo à esquadra e, postos lá, a polícia mata assim? Nós queremos justiça, a polícia não pode estar a matar assim as pessoas, ainda mais uma adolescente, grávida. Uma menina tão alegre, tão bem educada morre assim?! É só uma agitação que a polícia está logo a matar? Que polícia é esta", indaga a tia da malograda.

População preocupada com índice de delinquência

Os moradores do bairro dos Ossos, no distrito do Hoje-Ya-Henda, município do Cazenga, dizem-se preocupados com os casos de delinquência que se assolam a zona.

"Temos, no bairro, praticamente três esquadras policiais, mas, nem com isso, a polícia consegue controlar a delinquência. São lutas de grupos, roubos, que estamos fartos. Queremos a intervenção do Governo nesta situação", apela um morador.

E acrescenta: "Aqui tornou-se mais fácil comprar liamba que comprar pão. Para liamba, tu nem sequer precisas de cumprir bichas (filas). Os miúdos fumam publicamente e ninguém faz nada. É um estado de gradação social que urge a intervenção das autoridades".

"Danos ainda incalculáveis", diz a PN

Em declarações ao NJ, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia Nacional em Luanda, inspector-chefe Nestor Goubel, informa que o autor do disparo que vitimou mortalmente a adolescente Helena Funge, no Cazenga, encontra-se detido e já foi presente ao Ministério Público.

"É um agente nosso. Está detido e já foi apresentado ao Ministério Público para os processos que se impõem. Contudo, temos a lamentar o comportamento da população, que vandalizou bens públicos. Está tudo queimado. São muitas perdas, danos ainda incalculáveis", descreve o quadro da Polícia Nacional.

"Há uma equipa que está a trabalhar no levantamento dos dados causados por este vandalismo. Não há, entretanto, ainda detidos entre a população", explica o inspector-chefe Nestor Goubel.