Um susto de quintal marca o antes e o depois da ascensão artística de Zolana Edson Alberto Tomás. "Fiquei a tremer. Na altura eram pessoas que só via na televisão….ali mesmo, os monstros do afro house em Angola, na África do Sul...enfim, em todo o continente". Especado diante dos já consagrados African Roots, descobertos num abrir e fechar de portas da moradia do então vizinho, produtor e DJ Silyvi, Zolana - nome de baptismo de Bebucho Q Kuia - partiu para o tudo ou nada. "Tive de reagir. Então pensei: 'Não treme, tens de amarrar o teu cabrito aqui. É agora".

O episódio - encerrado nessa mesma noite com a gravação do sucesso 'Akuluwo'- reconstitui-se a partir das memórias de Bebucho, relatadas ao Novo Jornal em vésperas da apresentação de 'Boxe', o álbum de estreia do cantor. "Entrei para o estúdio, ali mesmo no quintal do Silyvi, e quando ponho os auscultadores me transformo. Comecei a despejar 'Akuluwo, Akuluwo' e assim que me ouviram os African Roots se atiraram no chão. Gritaram bué: 'What?! Quem é esse puto?"'.

Cerca de dois anos depois do encontro, religiosamente guardado no baú das recordações mais marcantes - "lembro-me como se fosse hoje, tudo começou num domingo, já bem depois das 20 e tal -, a identidade artística de Zolana matura-se em 'Boxe'".

'O povo é que nos mete lá em cima'

Lançado na semana passada, numa dupla sessão de vendas e autógrafos, o trabalho reúne 11 temas, incluindo os hits 'Akuluwo', 'Estamos a vir', 'Meu Mambo' e 'Encosta na dama do outro' - este último distinguido, na última edição do Top Rádio Luanda, com o prémio Melhor Afro House do Ano.

"O povo é que nos mete lá em cima", agradece o artista, que vê no galardão o reconhecimento pelo já longo e abençoado combate musical. "Nunca saio de casa sem fazer uma oração. Naquele domingo, antes de ir para a casa do Silyvi, dobrei os meus joelhos no chão e orei", conta Bebucho Q Kuia, epíteto conquistado nos agitos kuduristas.

"Quando comecei a dançar, as pessoas olharam para mim e viram um gordinho a remexer…então me chamaram Bebucho Q Kuia. Como acho que o nome tem força, decidi manter", explica o autor de 'Boxe', recuando aos primórdios de palco.

"A música está no sangue. No início dançava kuduro nas ruas, nasfestas…sempre numa de lazer. Só depois descobri a minha vocação para cantar". Sem identificação vocal ao estilo kudurista - desbravado sobretudo ao som de Sebem, Tony Amado e Dog Murras - Zolana não descansou até encontrar sua força artística.

"Esperei pelo momento certo, que chegou quando a febre do afro house entrou no país", recua o músico de 28 anos, que, no impulso criativo ofereceu à amiga Própria Lixa a chave para o primeiro grande sucesso: 'Sabalo'.

"Assim que o som começou a bater, tive a certeza de que era esse o caminho", conta Bebucho, ex-aluno do Ensino Médio em contabilidade, a partir daí às voltas com as próprias melodias. "Senti-me impulsionado, mas tinha vergonha do meu timbre vocal, porque na altura, com a saída de Dog Murras e Virgílio Faia do mercado, já não se ouvia".

Mesmo fora do tom que lhe soava estar na moda - "a tendência era mais para cantar como o Bruno M, o Puto Prata… e a minha voz é diferente, meio rouca, meio agressiva" - Bebucho arriscou, incentivado pelo amigo Álvaro Guedes.

Exactamente o mesmo que lançou a ponte para Sílvio Silva, identidade de registo do DJ Silyvi, padrinho de sucesso de 'Akuluwo'.

A fuga vocal da prisão

Mais do que uma produção-estrela na trajectória do cantor, a canção projecta uma profecia artística. 'Akuluwo' significa prisão.

"Estou a cantar que as minhas músicas estão numa prisão da qual só eu as posso libertar. Todo o mundo que tentar ficar com elas não vai conseguir, porque estou com a chave do meu sucesso, antecipa Bebechu, destapando uma característica nem sempre presente no seu repertório: A mensagem. "Como bom animador, tenho a responsabilidade de fazer as pessoas dançar. Por isso, quando faço um afro house junto duas vertentes: Uma mais dançante, e outra com um pouquinho de mensagem".

Deste exercício entoa-se o sucesso de 'Encosta na dama do outro'. "É isso que acontece todas as noites. A música não quer incentivar nada, mas mostrar que quando se vai a uma discoteca não é preciso beber até pedir namoro à companheira do outro", frisa o artista, sem conter o ralhete social: "Muitos homens quando saem à noite não levam as mulheres porque há muita falta de respeito".

Apesar da polémica do título, Bebucho não vacila no refrão. "Se cantasse não encosta na dama do outro também haveriam de criticar: Esse está maluco, ou quê, vou para a noite para ficar sozinho e parado?". Seja qual for a opção, salta ao ouvido que, nesta arena, o barulho é o melhor combate para o negócio.