Quem acabou por gerar pânico e travar a queda repentina e abrupta do valor do barril foi um grupo de guerrilha do Iémen, que quase ninguém conhecia até agora, desafiando mesmo uma "armada invencível" criada pelos Estados Unidos da América.
Tudo estava, nas duas últimas semanas, a correr bem para as grandes economias importadoras de crude, especialmente para os EUA, que desde 2022 procuram por todos os meios, incluindo a libertação de centenas de milhões de barris das suas reservas estratégicas, fazer baixar o preço do petróleo porque é a energia que está por detrás da galopante inflação e da ameaça do terror da receção que ainda persiste no horizonte da maior economia do mundo.
Até que, a meio da semana passada, as notícias das agências de notícias e dos sites especializados começaram a reverberar pelos grandes jornais ocidentais, como The New York Times, The Guardian ou Le monde, e os principais canais de televisão internacionais, como a CNN, a BBC ou a Al Jazeera, trouxeram para as salas de estar do mundo o efeito tempestuoso dos ataques dos rebeldes Houthis do Iémen aos navios que atravessam o Estreito de Bab el-Mandeb.
Esta estreita passagem marítima que separa o Mar Arábico, no Oceano Índico, e o Mar Vermelho, que dá acesso ao Canal do Suez, por onde passam de Oriente para Ocidente, via Mar Mediterrâneo, para o Ocenao Atlântico, quase 15 por cento do comércio global e quase três milhões de barris de crude por dia, tem uma importância para a economia mundial diametralmente oposta à sua grandeza geográfica.
E os mercados petrolíferos já deram conta disso mesmo, como o provam as subidas recorde de duas semanas esta segunda-feira, 18, e já na manhã desta terça-feira, 19, atirando o barril quase de volta aos 80 USD, embora perto das 09:00 de hoje, hora de Luanda, tenha sido visível uma ligeira correcção em baixa, que, como se previa, depois, já por volta das 10:00, estava de novo a "bumbar" em alta, para os 78,00 USD e com perspectivas de assim continuar, de acordo com os analistas.
E isso, porque algumas das majors do sector, como a BP, esta já efectivou a decisão, mas com quase todas as restantes a prometerem seguir o exemplo, deixaram de usar o Canal do Suez pelos seus petroleiros gigantes, o que obriga a cumprir uma rota muito mais longa, pelo sul de África, encarecendo assim o custo do transporte, o que inclui todo o universo de mercadorias, não apenas o crude.
Para resolver este problema, os Estados Unidos organizaram uma poderosa força naval, com nove países, envolvendo os aliados ocidentais da NATO, como o Reino Unido e a França, mas também a Arábia Saudita e os EAU, estando já a caminho da região, de forma a travar os ataques dos Houthis às embarcações que entram no Estreito de Bab el-Mandeb, como resposta à mortandade provocada por Israel na Faixa de Gaza.
A chefia Houthi já avisou, entretanto, que essa poderosa força naval pouco ou nada poderá fazer para travar os ataques aos petroleiros, porque as acções dos rebeldes, para as quais têm estado a usar comandos transportados em helicóptero (ver foto) para sequestrar navios - esta forma de ataque poderá ser impactada pela presença dessa armada na região -, ataques com drones armados com explosivos e misseis terra-mar, lançados do interior da Península Arábica, no Iémen, fazendo com que seja quase impossível evitar os impactos nos navios comerciais.
Mohammed Abdulsalam, porta-voz dos rebeldes Houthis (apoiados pelo Irão), que há vários anos combatem o Governo do Iémen (que é aliado da Arábia Saudita) e que actualmente estão em pausa operacional negociada com mediação russa e chinesa, já veio dizer, citado pela Reuters, que esta armada internacional em patrulha no Estreito de Bab el-Mandeb não tem qualquer utilidade porque a passagem só é perigosa para navios de pavilhão israelita, que tenham ligações a Israel ou que se dirijam a Israel.
Todavia, os gigantes do comércio marítimo mundial, como a MAERSK, e as petrolíferas, não acreditam na palavra de rebeldes e, por precaução, mudaram as rotas dos seus navios, o que deverá ser replicado pelos restantes operadores, sendo quase inevitável um impacto tremendo nos preços das mercadorias em questão porque, por exemplo, para chegar à costa da Península Ibérica a partir do Mar Arábico, os navios deverão fazer mais 20 mil quilómetros através do Cabo da Boa Esperança, no sul do continente africano.
Até ao momento já foram atacados cerca de duas dezenas de navios, o que deixa em alvoroço os mercados internacionais de petróleo, o que justifica a opção de Washington em criar uma força naval internacional para por cobro aos ataques Houthis.
Perante este cenário, a matéria-prima atingiu já esta semana valores perto dos 80 USD, terminando um ciclo de perdas que chegou a gerar pânico no seio da OPEP+, o cartel a que Angola pertence, como o demonstra o facto de a 13 deste mês, o barril ter chegado aos 72 USD, o que contrasta fortemente com os 90 USD em meados de Outubro, ou os 85 USD a 01 de Novembro.
A questão que presentemente está em cima da mesa dos analistas é qual o impacto de uma eventual interrupção total do trânsito marítimo pelo Mar Vermelho, sabendo-se que terá um efeito catastrófico no negócio do crude mas será igualmente pesado no que diz respeito ao comércio global, poe exemplo, proveniente da China, que é nem mais nem menos o maior importador de petróleo do mundo e a segunda maior economia planetária.
O que representa este cenário ara Angola?
Angola é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, e ter o Brent nos 77 USD não permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
No entanto, com o OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de manter a produção nacional acima de 1,1 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.