Agora, o Conselho de Segurança, que é composto pelos cinco membros permanentes, China, Rússia, EUA, Reino Unido e França, e mais 10 eleitos por mandatos de dois anos, com empenho dos norte-americanos e dos seus aliados ocidentais, recusou uma resolução russa para que seja feita uma investigação independente às explosões que a 26 de Setembro do ano passado destruíram os nord stream I e II (este ainda não tinha entrado em funcionamento), que transportava gigantescas quantidades de gás natural russo para a Europa através da Alemanha.

Numa discussão aguerrida no Conselho de Segurança da ONU, na segunda-feira, o embaixador russo, Vassily Nebenzia, acusou os norte-americanos de não estarem interessados em que uma equipa internacional independente investigue o atentado com o selo das Nações Unidas porque estão comprometidos com o acontecimento de 26 de Setembro de 2022.

O diplomata russo explicou que esta desconfiança resulta, desde logo, pela forma como o Presidente dos EUA, Joe Biden, antes do início da guerra, disse que iria aniquilar estes gasodutos; pela forma como a sua subsecretária de Estado, Victoria Nuland, foi apanhada numa mensagem a congratular-se pelo sucedido, e, já este ano, porque o jornalista e Prémio Pulitzer norte-americano Seymour Hersh, publicou um extenso trabalho onde descreve como foi planeado e executado o ataque aos nord stream pelas forças navais norte-americanas e pela CIA.

"Sem uma investigação internacional e independente, objectiva e transparente, a verdade nunca virá à tona da água" do Mar Báltico, onde permanecem os escombros dos dois gasodutos desfeito por várias explosões de grande dimensão, uma das razões para que a versão injectada pela secreta norte-americana nos jornais ocidentais de que foi um golpe conduzido por um grupo de sabotadores "privados" ucranianos, não colheu nem fez caminho.

A votação resultou na recusa da proposta de Moscovo porque apenas China, Rússia e Brasil votaram a favor, tendo os restantes 12 membros, incluindo os três membros permanentes ocidentais, optado pela abstenção, sabendo que uma resolução só passa se obtiver um mínimo de nove votos a favor e nenhum veto dos cinco membros permanentes.

Por seu lado, o embaixador norte-americano, Robert Wood, disse ao seu interlocutor russo que "os EUA não estão nem estiveram envolvidos nas explosões de forma nenhuma", tendo aproveitado para procurar mudar de assunto ao pedir a Vassily Nebenzia que explicasse antes o que é que as forças militares russas estão a fazer em solo ucraniano.

Robert Wood acusou ainda a Rússia de "procurar descredibilizar as investigações em curso por parte de vários países", como a Suécia, Dinamarca ou Alemanha, com proximidade geográfica ao local dos acidentes e interesses imediatos no assunto.

Como é o caso dos alemães, que durante anos receberam por esta infra-estrutura gigantescas quantidades de gás natural russo barato, com o qual ganhou pujança industrial mundial, e se preparava para receber ainda mais pelo nord stream II, um investimento de 11 mil milhões de euros russo-alemão e que ainda não tinha entrado em actividade por pressão dos EUA, embora já estivesse concluído.

Todavia, Wood, insistiu na ideia de que estes países sabem que as suas conclusões nunca serão aceites por Moscovo se estas não encaixarem na sua narrativa.

A narrativa russa passa, essencialmente, por alegar que não faz sentido dizer que foram os russos que destruíram a sua própria infra-estrutura de 11 mil milhões USD, sendo essa a primeira versão dos norte-americanos e dos aliados ocidentais, alegadamente como forma de privar a Europa da energia russa vital para a sua subsistência.

E ainda que são avassaladoras as indicações de que houve mão dos EUA por detrás das explosões, seja pelo que disse Biden, quando, questionado por um jornalista, antes da guerra, depois de dizer que o nord stream II não entraria em actividade, que tinha "os meios suficientes" para isso, ou ainda a mensagem da sua subsecretária de Estado, Victoria Nuland, com um largo registo de ligações a Kiev, para o seu chefe directo, o secretário de Estado Anthony Blinken, onde, momentos depois dos rebentamentos, lhe dizia: "Está feito!"

Kiev e Moscovo alinhados na ideia de aniquilação mútua

Kiev e Moscovo dizem que estão a usar estrategicamente a batalha de Bakhmut para infligir pesadas baixas e a destruir equipamento militar do inimigo.

Desde os primeiros momentos em que começou com intensidade mais flagrante a batalha de Bakhmut, (Artiomovsk, para os russos), já considerada pelos especialistas como a mais sangrenta e violenta deste a II Guerra Mundial, que os analistas militares admitem a possibilidade de a Rússia estar a usar este campo de batalha para provocar baixas severas em pessoal e equipamento militar ocidental enviado para Kiev.

Esse argumento tinha por detrás a ideia objectiva de que as forças russas têm a cidade cercada, mantendo, estrategicamente, apenas um estreito caminho para que os ucranianos possam enviar reforços para o centro de Bakhmut, ou para que as suas unidades mais desgastadas possam sair, aproveitando as suas posições de artilharia privilegiadas nas imediações para flagelar essas mesmas unidades em trânsito.

Alguns analistas admitem que com esta táctica os russos poderão ter infligido milhares de baixas aos ucranianos e destruído importante equipamento ocidental enviado para a região, essencial para a já muito anunciada contra-ofensiva ucraniana da Primavera que poderá ainda acontecer nas próximas semanas, à medida que mais material ocidental, desde logo os famosos blindados pesados, Leopar-2, começam a chegar em força.

Mas, agora, são também as chefias militares ucranianas que estão a usar o mesmo argumento para manter acesa a frente de batalha em Bakhmut, como o disse já esta semana o comandante das forças terrestres de Kiev, o general Oleksandr Syrskyi, para desgastar as forças russas em homens e material, especialmente do Grupo Wagner, que é quem faz os gastos do ataque russo.

Num vídeo divulgado nas redes sociais, o oficial ucraniano diz que os russos continuam a atacar em força Bakhmut, cidade para a qual olham como sendo "estrategicamente importante".

"Eles não param de atacar a cidade e nós temos agora como foco principal reduzir o seu poder de fogo e de forças no terreno, infligindo-lhes pesadas perdas, o que vai permitir às forças cranianas ganhar maior tracção no esforço para libertar territórios ocupados pelo inimigo", explicou o general Oleksandr Syrskyi, considerado muito experiente e dos mais capazes nas forças de Kiev.

Apesar destes argumentos e contra-argumentos, tanto russos como ucranianos dizem ter em curso preparativos empenhados para ofensivas de Primavera ou de Verão, sendo que os ucranianos fazem depender esse avanço de apoio ocidental em equipamento sofisticado, enquanto os russos dizem que são as condições meteorológicas que travam o passo das suas unidades de forças especiais preparadas para o efeito.

Há, no entanto, quem entenda que tanto um lado como o outro estão a aguardar que as movimentações diplomáticas em curso, com vagas de lideres ocidentais a caminho de Pequim, depois de o Presidente chinês ter estado em Moscovo, e com a possibilidade de uma conversa entre Xi Jinping e Volodymyr Zelensky surgir a qualquer momento, produzam resultados que conduzam a guerra para a mesa das negociações.

Recorde-se que por estes dias estão a caminho de Pequim os lideres espanhol, Pedro Sànchez, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, o chanceler alemão já lá esteve e o Presidente do Brasil, Lula da Silva, deverá chegar em breve à capital chinesa.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.