O Presidente angolano tem estado, desde que assumiu a liderança da CIRGL, em Novembro do ano passado, a reunir esforços na região, em conjunto com a ONU e a União Africana (UA), para estabilizar a RCA, tendo, para isso, organizado uma mini-Cimeira de Chefes de Estado, a 29 de Janeiro, em Luanda, tendo uma segunda, que estava prevista para o início de Março, sido adiada depois da morte do diplomata italiano no Kivu Norte.

Agora, face ao recrudescer do conflito, e com o Presidente, eleito a 27 de Dezembro, Faustin-Archange Touadéra, acossado pelas guerrilhas de Bozizé, Angola e a República do Congo, enquanto lideres actuais da CIRGL (João Lourenço) e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC - Denis Sassou Nguesso), solicitaram uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas para debater a questão Centro-Africana, sendo que um dos pontos em cima da mesa deverá ser o embargo de armas (Resolução 2536, de 2020) a que está sujeito o Governo de Bangui, considerado injusto pela CIRGL face ao rearmamento permanente dos rebeldes que o combatem e procuram assumir o poder à força.

Para já, o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, demonstra perceber esta inquietação, até porque tem falado recorrentemente ao telefone com João Lourenço, quando há cerca de duas semanas propôs o reforço da MINUSCA, a missão da ONU na RCA, com mais 3.700 efectivos, entre militares e polícias, para dar mais poder de fogo às forças leais a Faustin-Archange Touadéra.

No meio do caos que é hoje a RCA, a disputa por influência no poder em Bangui entre França e Rússia, num "confronto" que permanece, em grande medida por perceber na sua real dimensão mas que já foi apelidado de uma repetição localidada da "Guerra Fria", embora as forças de Moscovo tenham chegado ao país ao abrigo de acordos bilaterais, coloca ainda mais obstáculos a uma solução nos próximos tempos.

Mas o Presidente centro-africano não tem escondido a esperança que deposita na capacidade mobilizadora do Presidente João Lourenço, como o demonstram as várias visitas de trabalho que fez a Luanda nos últimos dois anos, bem como os memorandos que têm saído assinados com as empresas nacionais, incluindo de diamantes, a Endiama, e no âmbito ministerial, para formação e apoio à exploração dos vastos recursos naturais, nomeadamente o ouro e minerais estratégicos, existentes naquela país da África Central.

Entretanto, e depois de terem sido divulgadas informações de que as guerrilhas activas na RCA estavam a usar território congolês para refúgio e reabastecimento, no leste da RDC, no Kivu Norte, e durante um ataque a uma caravana humanitária da ONU, o embaixador italiano em KInshasa, Luca Attanasio, foi morto, alegadamente por forças da FDLR, a guerrilha ruandesa que está activa no Congo desde meados da década de 1990, numa tentativa de rapto.

Este episódio trouxe de novo para a ribalta global uma situação de catástrofe humanitária que se arrasta há décadas, praticamente após o genocídio do Ruanda, quando 800 mil tutsis foram mortos pela maioria Hutu, que domina esta guerrilha activa na RDC.

Com estas duas frentes em clara incandescência, tanto o líder das CIRGL, João Lourenço, como da CEEAC, Sassou Nguesso, não têm mãos a medir e procuram gerar apoios que permitam enfrentar os problemas, uma tarefa gigantesca, quando, como se sabe, mais ninguém o conseguiu nos últimos anos.

O apelo vibrante de Luanda

O Presidente angolano, que lidera a CIRGL desde Novembro de 2020 e nos próximos dois anos, afirmou perante os seus pares da RCA, do Congo-Brazzaville e do Sudão, reunidos no Hotel Intercontinental, na capital angolana, a 29 de Janeiro, que a instabilidade na Região dos Grandes Lagos deve ser banida porque a todos beneficia a paz, que é o melhor caminho para o desenvolvimento dos seus povos.

Para isso, o Chefe de Estado angolano pediu aos países membros da CIRGL para que assumam as suas responsabilidades na construção de um futuro de estabilidade na região e, em concreto, sendo esse o tema principal desta mini-Cimeira, na República Centro-Africana, país que vive há largos meses uma situação de violência mas que viu o conflito recrudescer em mortandade e em deslocados depois de o ex-Presidente Bozizé ter visto o Tribunal Constitucional impedir a sua candidatura à Presidenciais de 27 de Dezembro.

Apesar de fortemente contestados pela oposição em bloco, os resultados eleitorais foram reconhecidos internacionalmente, desde logo pela CIRGL, e o Presidente Faustin-Archange Touadéra, presente neste encontro, foi indicado como o homem com quem todos terão de trabalhar para a estabilidade naquele país do centro do continente, que tem fronteira com a RDC, a República do Congo, os Camarões e o Sudão.

Nesta mini-cimeira de Luanda estiveram ainda os Presidentes da República do Congo, que acumula com aCEEAC, Denis Sassou-Nguesso, do Tchade, Idriss Déby Itno, e da República Centro Africana, para além de João Lourenço, o anfitrião e líder da CIRGL.

No discurso de abertura dos trabalhos, o Presidente angolano disse que a CIRGL e o mundo, com quem a organização sub-regional quer trabalhar, especificamente a ONU e a UA, devem ter a capacidade de influenciar as forças activas na RCA de forma a que esta percebam de forma clara que não há outro caminho a não ser o da estabilidade e da paz e que a via militar está condenada ao fracasso.

"Não podemos observar de forma passiva a situação inaceitável que se desenrola naquele país, cujo Governo legítimo está inexplicável e injustamente condicionado pela resolução 2536/20, do Conselho de Segurança da ONU, no que respeita à sua função essencial de garantir a segurança e protecção das populações", lamentou, referindo-se ao facto de, por decisão das Nações Unidas, o Governo de Bangui não pode adquirir armamento para manter a estabilidade no país enquanto os rebeldes, libertos destas amarras legais, compram todo o armamento que querem e de todo o tipo e calibre.

Mas a RCA, mesmo sendo o ponto focal desta Cimeira, não foi o único e João Lourenço não esqueceu que toda a região dos Grandes Lagos é um dos mais instáveis pontos do continente africano, desde logo o leste da RDC (onde agora foi assassinado o diplomata italiano) e os vizinhos, como o Ruanda, o Uganda, o Burundi... onde dezenas de guerrilhas e milícias desestabilizam, há décadas, a região, provocando milhares de mortos, milhões de deslocados...

E Lourenço disse-o de forma clara: "Queremos uma sub-região dos Grandes Lagos livre de conflitos armados desnecessários, mortes, destruição e deslocação forçada das suas populações".

A morte do embaixador e a troca de acusações entre guerrilha e Kinshasa

O Ministério do Interior congolês acusou os rebeldes hutus ruandeses de estarem por detrás da morte do embaixador italiano em Kinshasa, quando acompanhava um comboio de veículos de ajuda humanitária no Kivu Norte, no leste do país.

Os insurgentes das Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR) negaram qualquer envolvimento no ataque e afirmam que "a responsabilidade deste assassínio ignóbil" deve ser procurada nas fileiras dos exércitos das FARDC (Forças Armadas da RDC) e das Forças de Defesa do Ruanda (exército do Ruanda).

O Governo da RDC, através do Ministério do Interior, afirma, numa declaração tornada pública, que "uma caravana do Programa Alimentar Mundial (PAM) foi vítima de um ataque armado por elementos das Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR)" na província do Kivu Norte.

Na mesma nota acrescenta que quatro pessoas foram raptadas na ocasião, uma das quais foi, entretanto, encontrada.

As FDLR reagiram numa nota enviada à agência de notícias AFP, negando estar envolvidas no atentado e pedindo às autoridades congolesas e à missão da ONU na RDC (MONUSCO) "que esclareçam as responsabilidades deste ignóbil assassínio em vez de fazerem acusações precipitadas".

Segundo os rebeldes ruandeses "o comboio do embaixador foi atacado numa área chamada "trois antennes (três antenas)" perto de Goma, na fronteira com o Ruanda, não muito longe de uma posição das FARDC (Forças Armadas da RDC) e das (...) Forças de Defesa do Ruanda (exército do Ruanda)", e por isso, acusam, "a responsabilidade deste assassínio ignóbil deve ser procurada nas fileiras desses dois exércitos".

O embaixador Luca Attanasio e dois elementos da embaixada italiana em Kinshasa foram mortos esta segunda-feira durante uma tentativa de rapto por elementos armados próximo da cidade de Goma, capital do Kivu Norte, uma das províncias mais afectadas pela presença de guerrilhas e milícias, algumas das quais com origem nos países vizinhos, como o Uganda ou o Ruanda.

Segundo o Governo italiano, Luca Attanasio seguia, juntamente com outros elementos da sua embaixada, nomeadamente um polícia-militar, dos Carabinieri, também abatido, com veículos humanitários da MONUSCO, a missão da ONU na RDC, a maior das Nações Unidas em todo o mundo, incluindo forças militarizadas com a missão de estabilizar o país.

Attanasio, 43 anos, casado e com três filhas, tinha-se tornado chefe de missão em Kinshasa em Setembro de 2017, onde estava a levar a cabo numerosos projectos humanitários.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, condenou "veementemente" o ataque, num comunicado em que apela ao Governo da República Democrática do Congo que investigue imediatamente "este hediondo ataque a uma missão conjunta das Nações Unidas no terreno e leve os autores deste ataque à justiça".

Guterres reafirma que "as Nações Unidas continuarão a apoiar o Governo e o povo congolês nos seus esforços para estabelecer a paz e a estabilidade no leste do país", expressando condolências às famílias das vítimas, aos Governos da Itália e do Congo, bem como "total solidariedade aos colegas do PMA e a toda a equipa das Nações Unidas no país".

Em nota à imprensa, os membros do Conselho de Segurança também destacaram "a necessidade de levar à justiça os autores deste acto", reafirmando que "a sua determinação em apoiar o povo da República Democrática do Congo não seria diminuída por este ou qualquer outro acto deste tipo".