Na mesma senda, seguindo esse exemplo, não irei emitir juízos de valor sobre o mérito da questão. Como, aliás, a própria OAA o fez - e bem, limitando-se a recorrer aos mecanismos legais à sua disposição para fazer valer a sua opinião. Irei, isso, sim, fazer uma leitura das reacções e suas nuances, nos planos sociológico e político.
A primeira leitura é sobre o que se consideraria alguma precipitação em emitir juízos de valor, sem sequer fazer o esforço de penetrar no mérito da questão. A nossa sociedade, especialmente as suas "elites", caminham para uma postura pré-conceituosa que se abeira do absurdo. E um absurdo perigoso. Quase ninguém se preocupa em investigar, procurar o contraditório, analisar o problema da perspectiva do Outro, de coligir factos de forma desapaixonada - ingredientes essenciais para aduzir conclusões objectivas e, por isso, construtivas. No caso em referência, ninguém - ou pelo menos muito pouca gente - veio ainda a público com os argumentos emitidos pelos promotores da providência cautelar, que teriam convencido o juiz a lhes dar provimento. Num país que promove o debate objectivo, para não dizer científico, nesta altura, teríamos especialistas, não só do Direito, como dos saberes conexos como a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, Antropologia e até mesmo a Comunicação, entre outros, a escalpelizar as motivações, argumentos, pressões explícitas e implícitas, expectativa (ganhos e perdas sociais), etc., de todos os actores envolvidos: os promotores da acção, os seus advogados, a Ordem de Advogados de Angola, a Universidade Católica, o Juiz e o Procurador, se houve, naturalmente, as motivações ou simpatias (e antipatias) políticas dos públicos alvo da acção sobre a qual recaiu a providência cautelar. Logicamente, teríamos diferentes interpretações, algumas contraditórias e/ou mesmo antagónicas - normal e salutar numa sociedade sã. Mas é disso que originaria a compreensão geral e as eventuais lições a extrair dali. As universidades, centros de estudos - temos algum? - seriam os principais promotores e vectores desse processo.
Talvez porque andamos às bolandas e de costas voltadas à excelência, mais propensos ao imediatismo fundado nas redes sociais, o que fizemos foi o, infelizmente, habitual diálogo de surdos ou, na melhor das hipóteses, o monólogo com amigos e fãs. Bem ao jeito das redes sociais, onde a motivação do curso e discurso, do texto e contexto é a busca de likes.
A oposição atirou-se ao chão, gritando o mais do mesmo: o habitual berreiro da falta de tudo no País "que só haverá quando eles forem poder". Como não dizem, nunca dizem. A considerada Sociedade Civil alinhou no mesmo diapasão - também habitual! Entre "tomadas de posição" de política partidária, e partidarização da política de partidos que eram ONGs e ONGs que evoluem para partidos, foi também o mais do mesmo. O discurso apocalíptico de quem vê tudo mal, di-lo aos quatro ventos, mas não tem contribuições de solução para melhorar o que está mal. Afinal, não foi há muito que as hecatombes, sociais e políticas, eram fontes de doações e financiamentos. E a saudade ainda fica. Em resumo, cada actor, encerrado na sua concha, grita, qual deles o mais alto, o monólogo que só tem os seus preconceitos por conteúdo.
Para não variar, os "eternos donos da colónia", os irmãos tugas, não perderam tempo em debitar os seus bitaites, como gosta de dizer o meu amigo jornalista João de Almeida. Ah! Pois, "os pretitos..." sempre a precisarem do "apoio condescendente" das sumidades da Metrópole. Dos seus preconceitos de superioridade. Os caros leitores devem saber das várias calinadas e gaffes que os ditos cujos volta e meia aprontam lá no país deles. Já viram alguma instituição angolana a ir lá meter o bedelho? Ainda por cima a quente e sem adentrar no mérito da questão? Alguém tentasse, iam ver o que o André Ventura diria...
No meio do berreiro, três silêncios deveras interessantes: da Ordem dos Advogados de Angola, cujo pronunciamento "só pecou" pela grande elegância e ponderação, do próprio Tribunal e... do Executivo.
A OAA, que teria sido a mais prejudicada no processo - certamente o foi nos aspectos financeiros e logísticos - acabou sendo a grande ganhadora, pelo menos no plano reputacional. Pela elevação com que, apesar de visivelmente contrariada, - quem não ficaria? - tratou a questão e fez a sua Comunicação. Elegante, ponderada e responsável, sem deixar a firmeza da mensagem naquilo que acredita. Soube resistir à pressão para a sanzalice e mostrou a todos os actores envolvidos como é que se pensa e se faz Nação. Cá para mim, fiquei com a sensação que esses "miúdos" que estão a comandar a OAA ainda vão trazer muitas e boas surpresas ao País, se mantiverem nessa postura e continuarem a fazer jus à grande formação humanística que receberam na Faculdade de Direito da Universidade Católica, de onde a maioria é oriunda. Aliás, confesso que fiquei cá com uma pulga na orelha se "essa cena toda" não é, afinal, um episódio da "rivalidade" que sabemos existir entre a Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (FDUAN) e a sua congénere da Universidade Católica (FDUCAN). Enfim, lá caí eu também na tentação da especulação. Adiante!...
O Tribunal nada disse - nada de novo desse lado. Seria uma boa contribuição ao debate que se quer informado e plural ou o próprio juiz, ou alguém no seu lugar, explicar com que linhas se cozeu "a sua consciência e o seu juízo", como diria Paulo Tjipilika, ao tomar a decisão que tomou. Porém, sabemos que esta não é a escola dos nossos juízes. Não respondem, não explicam. Deixam assim, até a poeira assentar e o tema morrer. Se isso é bom ou mau, como disse, não comento.
O executivo e o partido que o suporta, o MPLA no caso, nada disse. E nada dirá porque, sendo Angola um Estado Democrático de Direito, onde existe a separação de poderes, não tem nada a ver com o assunto. Portanto, limita-se a assistir também. E ver no que isso tudo vai dar.n
*Sociólogo da Comunicação, Consultor, membro do CC do MPLA