Contestei esta assumpção por parte dos órgãos reitores do processo da introdução do IVA, por via de um artigo, publicado no Club-K no dia 26 de Junho de 2019, fundamentando a minha discordância assente nas seguintes perspectivas: i) nenhum imposto é justo por constituir uma limitação de consumo do agente passivo, de forma unilateral, sem ser punição, é antes um contrato tácito entre o sujeito passivo (contribuinte) e o Estado, que tem o poder de império, por ser o provedor do bem-estar colectivo; ii) o IVA é um imposto indirecto, tributa o rico e o pobre na mesma proporção, é, por consequência, um imposto proporcional, não pode ser justo, simplesmente, é dos mais efectivos desde o ponto de vista de coleta da receita pública, pela sua fácil tracebilidade, porquanto, a receita de um, é despesa de outro agente económico; iii) a assumpção de que a introdução do IVA não iria aumentar os preços, foi, também, irrealista, pois o IVA veio substituir o imposto de consumo (cuja taxa era de 5% e 10%), que repercutia no preço, induzia o efeito cascata na estrutura de preço dos bens e serviços, por consequência, ao ser fixado em 14% (o consumidor final não tem a quem repassar), facilmente iria aumentar o nível de preços na economia (em 14%-5% e 14%-10%), reduzindo ainda mais o poder aquisitivo das famílias, em si já enfraquecido, pelo facto de a economia já ter estado em recessão há dois anos; e iv) indignou-me o facto de uma reforma da natureza tributária, com impactos directos na economia em geral, não tivesse sustentabilidade em estudos técnicos e académicos independentes, que modelassem o seu impacto nas principais variáveis macroeconómicas, escrevi na altura, que era de tamanha irresponsabilidade, e leviano tomar decisões daquela natureza na base de intuições.

Não sei, se em resposta, ao meu artigo ou não, pois não surgiram outros artigos, o então Ministro das Finanças, publicou duas reflexões, creio eu, no Jornal de Angola, republicados também no Club-K, reafirmando o facto de o IVA ser o imposto justo e que não iria aumentar o nível de preços na economia. Por conseguinte, tentando contrariar a minha perspectiva ou opinião. Na altura preferi não rebater, por as evidências numéricas serem incontestáveis numa análise desapaixonada, para além, de que o tempo iria se encarregar de responder, ou dar razão a quem a tinha. A proposta constante do OGE de 2024, visando a redução do IVA para os produtos de amplo consumo nacional, veio responder com clareza os meus quatro pontos de vista, indicando que, não houve estudos minuciosos sobre a temática, trazendo à minha memória, uma cena caricata que tivemos com um engenheiro japonês (assessor técnico) da Sanyo, nos idos anos 1980 na difunda Empresa de Montagem de Rádios e Televisores (ERT-UEE). Estávamos a descarregar um contentor de cinescópios (écrans) do famoso televisor Sanyo preto/branco, que era montado nesta empresa. Por má organização do pessoal que estava a descarregar o contentor, em pouco menos de 12 minutos de trabalho partiram-se 3 cinescópios, o que nos levou imediatamente a reorganizar o grupo, não se tendo perdido mais nenhum cinescópio, até ao final da descarga de 2997, num lote de 3000 unidades. O japonês ficou zangado, disse-nos, que nós angolanos éramos um povo maravilhoso, trabalhador, e muito inteligente. Mas que tínhamos um pequeno problema que nos diferenciava do povo japonês. Ficamos curiosos em saber qual seria essa pequena diferença, não queria nos dizer, com o receio de que nos iria magoar! Mas nós todos insistimos que dissesse, que não nos iria afectar individualmente. Então disse-nos que a diferença era que nós angolanos, primeiro fazíamos e depois pensávamos, enquanto os japoneses primeiro pensam, depois fazem. O que se passou com o IVA é exactamente o problema de intuição, de colar as experiências de outras jurisdições e tentar aplicá-las à realidade do país, sem estabelecer cenários, cálculos, modelar (creio que os decisores macroeconómicos usam um modelo econométrico), ou seja, medir o impacto das decisões que se pretendem implementar, o que implica pensar com profundidade todos os cenários, antes de os implementar. Não teria sido mais prudente iniciar o IVA com a taxa de 5% (para os produtos da cesta básica), em vez dos 14% da fase introdutória, ir progressivamente aumentando à medida que se consolidasse a reforma? Saber-se-á medir o grau dos estragos causados à economia por estes desajustes? Porquanto, os haverá, não dever-se-ia computar quanto é que se perdeu de impostos, com os empregos perdidos directos e indirectos, por se ter reduzido o poder de compra dos consumidores? Referi nesse artigo, que as vendas das empresas de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, entre 2015 a 2018, teriam caído em cerca de 50%. Portanto, se perderam vendas, empregos e rendimentos, que não foram quantificados.

Vem se falando da reforma tributária que persegue o aumento da base tributária numa pirâmide invertida, cujo foco centra-se na incidência objectiva no aumento do imposto, em vez da sua incidência subjectiva, que seria a inclusão de um número cada vez maior de sujeitos passivos, ou contribuintes. Se vermos mesmo o caso do IVA, a incidência é a taxa do imposto, ou seja, é a redução da incidência objectiva, que vem de 14% para 5%, e não a inclusão de um número maior de sujeitos passivos ou o que seria, converter os comerciantes informais em formais. Talvez a incidência objectiva seja mais visível no caso da reforma do Imposto do Rendimento (IRT), em vez da eliminação da injustiça fiscal que existe da exclusão dos militares e polícias do imposto, que seria o alargamento da base tributária, a reforma passou a tributar o subsídio de férias e do Natal daqueles mesmos trabalhadores que já são descontados o IRT, continuando a incidir no imposto e não no sujeito passivo. No final, nós temos a incidência fiscal direccionada às mesmas empresas e pessoas singulares, às poucas oficialmente formalizadas, os mesmos contribuintes, o que aumenta ou diminui é a taxa, que é a incidência objectiva.

Tenho afirmado que o direito fiscal e a fiscalidade são duas disciplinas que se correlacionam, mas não são uma e a mesma coisa. Ao longo dos anos na minha relação com os juristas, verifico com frequência que têm bom domínio dos conceitos jurídico-fiscais, os aspectos de ordem filosófica e epistemológica do ordenamento jurídico económico. Mas não se dão com o cálculo, ora a fiscalidade é parte que computa a matéria colectável. As leis definem a incidência subjectiva e objectiva, ou seja, quem deve ser tributado e o que deve ser tributado, como é que esse cálculo deve ser feito, isto compete a fiscalidade. O nosso sistema fiscal é dominado por juristas. Conheci alguns fiscalistas, particularmente portugueses, que tiveram de fazer a certificação como revisores oficiais de contas, para completarem a sua formação jurídica fiscal, incluindo a parte da fiscalidade. Conheço um jurista angolano que esteve a estudar matemática na Faculdade de Ciências, não sei, se completou o curso, também não aprofundei as motivações da decisão deste jurista angolano de complementar a sua formação com a licenciatura em matemática, presumo, o reconhecimento da fraca relação com os números. Mas é muito importante que se comece a fazer contas e a computar a variação que há ao tomar-se uma decisão de ordem económica, os economistas estudam as derivadas ( ) mesmo para poder compreender o incremento ou diminuição, que resulta da variação induzida.

A redução do IVA proposta pelo Governo no OGE de 2024 é, claramente, um recuo na linha do pensamento inicial dos decisores da política fiscal. Porquanto, o fosso entre as necessidades e a disponibilidade de receitas fiscais se afunda, de modo que esta reforma é o claro reconhecimento de não se ter pensado com lucidez, sendo, por conseguinte, a demonstração do mal traduzido na analogia que referi neste texto, de primeiro fazer-se, vamos por tentativas, se não der, recuamos, ou depois pensamos. Essas tentativas sacrificaram angolanos e causaram retrocessos nos ganhos que já se tinham alcançado. O que mais entristece é que a culpa morre solteira, ninguém é culpado, não há consequências políticas, dessas desastrosas decisões. Em face ao caos então se pensa e surgem reformas, para corrigir aquilo que começou mal. A data presente, antes mesmo da entrega da proposta de OGE de 2024 à AN, não deveria haver um relatório sustentando as razões que levam a redução da taxa do IVA, para os produtos de amplo consumo nacional? Não seria tempo de os angolanos saberem a quantificação dos impactos perversos da redução do poder aquisitivo das famílias, com o aumento de preços, resultante da introdução do IVA com a taxa de 14% em vez de se ter tido começado por baixo e progressivamente evoluir para níveis mais altos? Enquanto os servidores públicos forem tomando as decisões desastrosas e não haver responsabilização, continuaremos neste vai e vem, de tentativas, de andar às apalpadelas, enquanto o País vai se esfumando. As discussões sobre o IVA têm incidido sobre a incidência objectiva (as taxas), quando deveriam preocupar-se com o alargamento da incidência subjectiva, incluindo um maior número de actividades hoje na informalidade, e também ver como agravar a taxa para os mais ricos, aqueles que compram viaturas de luxo (embora se saiba que é o Estado que mais compra viaturas de luxo), televisores de última geração. Ficaria, de certa forma, satisfeito, se desagravasse a taxa do IVA dos produtos de amplo consumo nacional, agravando-se a taxa dos produtos de luxo, tais como viaturas de luxo, bebidas alcoólicas, artigos electrónico de luxo de última geração (TVs, telefones, joias, etc.).

O imposto não tem apenas a função fiscal de prover receitas para o financiamento do aparelho do Estado, tem, também, a função de redistribuição da riqueza nacional, dos mais ricos para os estratos da sociedade de parcos recursos, tem ainda a função de estabilizador da economia. Uma economia com níveis elevados de utilização de recursos, taxas de inflação rastejantes (baixas), terá, por consequência, baixas taxas de juros, permitindo aos homens e mulheres de negócios acederem ao crédito e a criação de oportunidades de negócio. Ora, como é que, numa economia que já estava em recessão, implementa-se uma medida que iria limitar o consumo? Qual é o resultado que se esperava? O aprofundamento da recessão, consequentemente, elevados níveis de desemprego e empobrecimento total da população. Concordo profundamente com a linha dos pensadores que dizem que a formação de economistas, deve incluir aspectos de ordem de empatia, devem ter o senso de colocar-se na pele dos que são afectados com as decisões que tomam. Mas, essencialmente, jovens decisores de políticas económicas tendes um grande desafio, mas pensem antes de tomarem as decisões, e vereis que os resultados serão também diferentes.¦