Vamos ver que este prudente (ao referir "complementaridade"...) e bem intencionado desígnio não pode, por definição, ser cumprido, mas antes me proponho rever certos conceitos, com a ajuda de Roy Porter, um professor inglês da História da Medicina, autor de várias obras e de duas Histórias da Medicina.

"Tradicional", segundo Porter, refere-se à fase pré-científica da prática médica, antes de os médicos se tornarem "homens de ciência". E como em todas as sociedades e em todos os tempos, a Medicina Tradicional (MT) estava (está) embebida nos respectivos ambientes culturais, e a sua resposta às queixas e às doenças era (é) extremamente variável, porque não havia a base comum, que, a partir do século XIX, a Medicina Ocidental veio a ganhar - o método científico.

Na nota do Executivo, parece limitar-se as práticas tradicionais ao uso terapêutico de plantas, fitoterapia, vulgo ervanária, excluindo outras práticas que recorrem à magia, à feitiçaria e ao sobrenatural., que, sabemos, ainda têm algum relevo. A ervanária, como se sabe, está activa nas sociedades actuais mais avançadas, constituindo um volume de negócios de muitos milhões de dólares. Entra no grupo das medicinas alternativas (homeopatia, quiroterapia, acupunctura,etc,etc.). Perde, portanto, um pouco de sentido considerar-se entre nós esta prática universal (no espaço e no tempo) como "medicina tradicional" . A designação correcta (veremos adiante) será de "medicina popular".

A ervanária é um procedimento empírico que apenas dá os primeiros passos na cadeia do método científico - a observação ("...Depois de beber este chá, passou-me a dor do estômago..."), passando (sem procurar distinguir "associação" e "causação" - afinal, a dor passaria sem o chá...) à segunda fase, a indução (..."Este chá faz bem às dores de estômago..."). Este achado, transmitido aos amigos, com mais umas coincidências e factores placebo, acaba por consagrar mais um item da medicina popular, que os ervanários se encarregarão de comercializar...

É para contrariar esta fonte de erro dado por ocorrências avulsas a que os anglo-saxónicos chamam "evidência anedótica" e que, entre as pessoas ávidas de controlar o seu futuro, é um motivo de superstições ("...Quando usei esta camisa, o dia correu-me bem, portanto... etc., etc. ...".) que, em meados do século passado, se criaram regras científicas para experimentar os novos medicamentos:

Na sua concepção, o novo agente terapêutico passa pelas várias fases para averiguar a sua segurança (não faz mal) e a sua eficácia (faz bem) em animais de laboratório, em voluntários humanos, e depois em grupos populacionais.

Na última fase, compara-se o uso do medicamento com um placebo ou um medicamento já usado. É um estudo com grupo testemunha, aleatorizado e duplamente cego, quer dizer: os dois grupos devem ser suficientemente grandes. O grupo em que se experimenta o novo medicamento deve ter sido escolhido ao acaso relativamente ao outro grupo, de forma a que não haja diferenças entre os dois grupos relativamente à gravidade da doença que se está a tratar, nem de idade, sexo dos doentes, estes não sabem em que caso se está a consumir um ou outro medicamento (estudo duplamente cego). E, finalmente, usa-se análise estatística para se concluir se o novo medicamento é, significativamente, melhor do que a comparação.

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