A jornada de formação da World Learning, que terminara dias antes, deixara-me com pouco ânimo e entusiasmo. Ver a pauta do dia, colocar a máquina no ombro e ouvir as histórias do Sr. Mário, o motorista, faziam-me uma certa falta.
Ao falar-me do convite da RFI- Radio France Internationale para a formação de Jornalismo Radiofónico, que começaria a 14 de Maio, o José Rodrigues, Director de Informação da LAC, mostrou preocupação por estar nestes ciclos com certa frequência.
Tinha apenas 17 anos, percebi a posição do meu empregador e acordei com ele que aquela seria a última.
Quando cheguei ao Auditório, lá estavam a Paula Bianchi, o Arlindo Carvalho, o António Muachilela, o Januário Tancredo e mais alguns. Não conhecia absolutamente ninguém, inclusive o formador Ruy Bacelar, mas nada disso me desencorajaria.
Coisas bonitas, além da formação técnica, foram-se fazendo logo ali e é por isso que eu sou uma grande fã da vida. Quase sempre no gozo, o Tancredo e o Muachilela metiam-se comigo nos intervalos e por vezes durante as aulas.
Uma vez chateada, disse-lhes: Deixem de ser pedantes, o mundo lá fora está cheio de gente pedante e eu odeio pessoas pedantes.
A turma toda começou a rir, e com isso, aticei-os ainda mais e passei a ser tratada por pedante. "Olá, minha pedante! Como estás?"; "Olá, pedante! Está tudo bem?"; "Olha quem está aqui, a menina pedante..."
Da raiva, comecei a achar engraçado e o curso nem ia a meio quando de repente me vi às gargalhadas com esta doce dupla.
Passou a ser assim que o Muachilela, o meu kota 5 estrelas, me cumprimentaria ao longo dos anos seguintes.
A rádio sempre foi parte da minha vida. Muito antes da televisão sempre esteve a rádio, com todo o seu simbolismo.
Era a companhia certa para todos os momentos, tristes, alegres, melancólicos, ela estava ali.
De manhã cedo sintonizávamos a Rádio Luanda, à hora do almoço ouvíamos o Jornal das 13 e depois disso íamos trocando as sintonias entre o Canal A e a 99.9, que na altura tinha um programa onde se ditavam letras de músicas e nós ficávamos de caneta e caderno em punho, à espera.
Os programas Quintal do Ritmo, Manhã de Domingo, Reencontrar África, Discolândia e as rádio novelas, eram cá uma coisa soberba. A última rádio novela de que me lembro foi O Segredo da Morta da obra homónima de António de Assis Júnior.
João Chagas, João Mendonça, Ruy de Carvalho, Paula Simons, Luisa Fançony, e Celeste Bicho são algumas das vozes fixadas na parede da minha memória.
Não sei se este fascínio vem também do facto de partilhar com a RNA a mesma data de aniversário, 05 de Outubro, contudo o certo é que temos caminhos cruzados.
Naquele Maio, reconheci o Tancredo e a sua belíssima voz e prestei atenção ao Muachilela, um ser simples e bastante afável, travei amizade com o Arlindo e trocava notas poéticas com o Ruy Bacelar. Com excepção do Arlindo, meu contemporâneo da TV Zimbo, os outros, que cito, encontram-se sob uma nova dimensão, sob uma nova forma de vida.
Sinto-me lisonjeada, por ser parte de uma geração que teve o privilégio de conhecer os grandes nomes do jornalismo angolano.
Era um tempo em que entrávamos para as redacções e sentíamos a magia dos gigantes da nossa praça, o que nos dava a certeza de que havíamos escolhido a melhor profissão do mundo.
Era uma época de respeito, de meritocracia, de conhecimento, de superação e da tradição da excelência.
O que observo hoje é um atentado à consciência que é base do compromisso de qualquer jornalista. Além do pedantismo e empáfia dos que forçam aplausos, dos que lutam para ofuscar quem já nasceu livre, dos que se valem dos cartões de militante, dos que se vangloriam da bajulação e seus lucros.
O dever e a disciplina deveriam estar reflectidos em quem exerce a profissão que vai perdendo o seu encanto, delícia e magnetismo.
O fascínio pode ter entrado em declínio na praça, mas a atracção de figuras como o António Muachilela há-de perdurar em honra à indulgência e verdade das coisas.