Como chegámos até aqui? O que falhou no Sahel? Como a França perdeu poder e influência para a Rússia em países como o Mali, Burkina-Faso e Níger? Macron sente que há necessidade de mudar a narrativa da presença francesa em África. A Rússia interferiu fortemente na relação da França com estes países, surgem nestes países movimentos hostis à antiga colónia. Paris teve de conformar-se com a perda e focar-se em consolidar posições importantes e estratégicas como a Costa do Marfim, Gabão, Senegal e Tchad.

A França tem um passado histórico com os países do Sahel e há muito investimento feito nesses países só que um investimento que não se reflectiu na melhoria das condições económicas e sociais destes ou mesmo em garantia de estabilidade e segurança das suas lideranças. Macron pretende reduzir a visibilidade em África, mas não vai largar um espaço em que sempre entendeu ser estratégico e de grande influência. Não vai: "Ne pas jeter le bébé avec l"eau du bain", ou seja, não vai "deitar o bebé com a água do banho". Vai apostar numa estratégia de médio e longo prazo, vai reinventar-se.

A França de Macron está a readaptar a sua relação com África. Ele percebeu que as coisas mudaram e que em muitos países africanos existe uma visão muito crítica (principalmente dos mais jovens) em relação à França, sendo preciso trazer uma nova abordagem, há uma necessidade de se reinventar, de renovar a cooperação. Uma renovação que passa por ouvir a nova geração e trabalhar com ela num futuro comum. O mundo está a mudar e a França tem de acompanhar esta mudança. A diáspora africana em França é a maior na Europa e há mais de 7 milhões de franceses com origem na diáspora africana e que o Governo de Macron quer aproveitar nesta sua nova estratégia para África. Uma nova estratégia de França para África que já está em marcha e que tem vários eixos. Do ponto de vista diplomático passará por:

1. Reforçar e aprofundar o trabalho com a sociedade civil, sobretudo, na abordagem com a nova geração. Estabelecer uma pedagogia dos afectos e eliminar a imagem de uma França ainda colonialista. A imagem de uma França que respeita a soberania dos Estados africanos e que não faz ingerência nos seus assuntos internos.

2. A promoção da mobilidade no seio dos jovens e mais concretamente na comunidade estudantil. A França tem de mostrar que a questão da mobilidade não é uma utopia e que não é um mero exercício de cosmética. Milhares de jovens destes países africanos entendem que Paris pouco faz para que tal se efective, um visto é para muitos deles uma porta aberta para o futuro, para a mudança de vida.

3. Mobilização, valorização e capitalização da diáspora francesa, sendo os 7 milhões de franceses provenientes da diáspora africana um importante activo para esta estratégia, quer por via de programas de desenvolvimento, quer por acções que promovam a estabilidade social, política, cultural e económica.

4. A questão da reparação histórica, uma estratégia que o Presidente Macron tem liderado em relação a África com os exemplos dos casos do Benim e Senegal que agora será reforçada em outros países africanos. Um trabalho com a memória e que passará uma ideia de respeito pela história e preservação da identidade cultural dos países e povos.

Do ponto de vista militar e de segurança, vamos ter como eixos fundamentais: a luta contra o terrorismo; a luta contra a imigração clandestina; haverá também uma maior atenção aos seus principais competidores estratégicos em África, falo da China e da Rússia e, por fim, um trabalho de protecção do ambiente e impacto das alterações climáticas. Temos uma estratégia diplomática perfeitamente em sintonia com a estratégia militar e sob orientação do Palácio do Eliseu.

Com este recuo para uma condição de baixa visibilidade no Sahel, obviamente, a França vai reforçar laços com outros países do continente, aí é que penso que, ao nível da CPLP, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau podiam tirar vantagens. Angola tem uma boa oportunidade de captação de investimento e de abertura, os franceses já mostraram isso por altura da última visita de João Lourenço em Janeiro último, pois Angola tem de saber tirar partido. É no aproveitar que está o ganho. Afinal, está "en marche" uma nova estratégia de França para África.