Tenho acompanhado com muita atenção as discussões acerca dos vários caminhos propostos para se alcançar a auto-suficiência alimentar, o Planagrão é exemplo dessa pretensão. Já exprimi o meu ponto de vista neste espaço, quando abordei o desígnio da auto-suficiência alimentar, cuja meta foi fixada para 2027. Reafirmo ser um desígnio legitimo, incontornável, que tem de ser perseguido, pois tratando-se de comida, condenámo-nos ao suicídio colectivo, se não for alcançado, já aventado por alguém. Proponho-me exprimir o meu ponto de vista, do que entendo que deve ser o caminho a seguir.

Presentemente, o maior obstáculo do aumento da produção nacional, agrícola ou industrial, é o escoamento dos produtos da produção nacional, quer sejam agrícolas, quer sejam os transformados, a que se associa a fraca competitividade dos preços a que são vendidos. Parece um absurdo, aliás, um destacado empresário, afirmou publicamente, que destruiu carne, por falta de escoamento, já ouvi produtores do perímetro irrigado da Matala a queixarem-se de não terem colocação da sua produção de batata. Aliás, pode-se confirmar através da flutuação de preços, em que na época da colheita, o preço dos produtos nacionais baixa substancialmente, não permitindo, sequer, a recuperação dos custos de produção. Unidades industriais laboram muito abaixo da sua capacidade instalada. Embora, diga-se em abono da verdade, que há outros factores de coordenação económica, que não têm sido tidos em conta, para a protecção do sector produtivo emergente. Por exemplo, a apreciação do Kwanza em 2022, tornou as importações mais baratas, inviabilizando a produção nacional.

Voltemos à questão de início! O que deve ser a prioridade nesta fase de desenvolvimento da economia de Angola? Nota prévia, na economia nada é menos importante, como afirmara numa reflexão anterior, isso de empresas estratégicas ou prioritárias foi um erro. Tudo é importante para a engrenagem económica funcionar. Porém, partindo do pressuposto de que os recursos são sempre escassos, o decisor de políticas públicas deve estabelecer prioridades, particularmente, no que o uso dos recursos públicos diz respeito. O foco deve ser o impulso ao sector agrícola, fazendo com que, por contágio automático, force o surgimento da indústria transformadora, ou, deve ser a indústria transformadora, através de fileiras específicas, que deve forçar a produção agrícola de determinadas comodities? Qual o papel que a integração a montante ou a integração vertical de cadeias de produção tem a ver com esta abordagem? A resposta à esta questão leva-me a lembrar os leitores como funcionou a economia colonial, cujo sentido foi revertido, quer pelo modo de produção dominante da opção política de início (Marxismo-Leninismo), propriedade pública dos meios de produção, quer pelo factor guerra, que desarticulou o meio rural (a produção agrícola em Angola, é, e sempre foi predominantemente familiar).

No passado, o movimento dos produtos agrícolas para a sua transformação, fazia-se do interior para o litoral. O milho, o feijão, a crueira (mandioca seca), vinham do interior (Bié, Huambo, Malanje, Huíla, Kwanza-Sul, Uíge, etc.). Situação que se reverteu com o eclodir da guerra civil, em que, com a inviabilização da produção agrícola, bem explorada pela guerrilha, a alternativa encontrada pelas autoridades, foi a importação dos produtos alimentares já transformados, em vez da sua produção local, a ponto de o País ter ficado viciado em consumir o que não produz, e produzir o que não consome nem agregar valor (exporta crude de petróleo, em vez de refinado de petróleo), tendo se invertido o movimento, em que os produtos importados eram transportados do litoral (portos), para o interior. Estavam assim criadas as condições do ciclo da dependência, tornando-se numa economia extrovertida, multi importadora de produtos básicos de consumo e mono exportadora de matéria-prima.

Tendo a estrutura de produção agrícola sido desarticulada, com a disrupção do meio rural, a indústria transformadora que consumia matérias-primas locais, passou a ser alimentada com as matérias-primas importadas, o que se configurou insustentável. Vem-me a memória as marcas de farinha de milho e de trigo, de óleo vegetal, produzidos em Angola, tais como: Fuba Palapala, Fuba Canine, farinha de trigo Venâncio Guimarães, Farinha de trigo EFA, óleo Indúve, óleo Maná, óleo AAA, para citar apenas algumas. Já nesta altura existiam empresas verticalmente integradas. Recordo-me da Faive, em Catabola-Bié, uma empresa que tinha campos de fruteiras e uma fábrica de bebidas, entre refrigerantes e bebidas alcoólicas, eram produzidas com as frutas originadas dos seus próprios campos (laranja, morangos, maças, peras, ananás). No Huambo existia a Etapi, que também estava verticalmente integrada. Tivemos uma infinidade de exemplos de integração vertical, ou de fomento de produção agrícola para fins específicos.

Creio que no actual contexto, a ligação da produção a uma actividade específica, é o que garante o escoamento da produção, que se requer que seja em grandes volumes, proporcionando economias de escala, que permitam a viabilização dos avultados investimentos industriais. Por conseguinte, a minha resposta à pergunta de base, é a de favorecer iniciativas industriais, que estejam integradas com a produção de fileiras específicas, fazendo o offtaking da produção e a sua consequente transformação. Também não sou a favor da agricultura mecanizada de grande escala, não há ainda experiência e capacidade de gestão desse tipo de explorações, para além de que, mais de 60% da população angolana vive da agricultura de subsistência. Os projectos industriais não estarão viabilizados se não se transformar esses concidadãos em consumidores, através da sua inclusão na economia, com programas de fomento da agricultura familiar.

O exemplo mais paradigmático é o que se passa com a transformação do ananás na província de Benguela, que é o que conheço (uma bacia de 7 ananases custa mil kwanzas no Monte-Belo). Existia no outro tempo, a Dusol que absorvia grande parte da produção de frutas (ananás, laranja, morango, etc.), as frutas produzidas no corredor do Balombo e Ganda, eram transformadas nesta fábrica. Na Babaieira havia a fábrica Prazeres, que fabricava vinhos, compotas e refrigerantes de frutas naturais da região. Portanto, a produção agrícola estava directamente integrada à transformação industrial, fazia sentido o agricultor aumentar anualmente a sua produção. Sem o mercado de consumo, dificilmente, o produtor pode ter estímulo de aumentar a sua produção, pois a produção deve satisfazer uma necessidade. Ouvi há dias, num dos debates televisivos, sobre a viabilização da produção nacional, um dos analistas afirmar, que faz sentido colocar unidades de transformação industrial próximo das zonas de produção. Seria fantástico, se essas zonas tivessem condições de implantação de uma unidade de transformação industrial (electricidade, água, estradas (logística inbound e outbound), e mão-de-obra qualificada), e, essencialmente, poder de compra para absorver as produções processadas nestas localidades. As produções terão de ser maioritariamente transportadas para as zonas urbanas de maior consumo onde os produtos encontram poder de compra.

As iniciativas de fomento que garantam o escoamento do que se produz no campo, permitem a massificação do crédito agrícola de campanha, de adiantar os insumos aos produtores (o fomento é no fundo, o crédito agrícola de campanha), transferência de conhecimento, recorrendo às melhores práticas, maximizando a rentabilidade das áreas cultivadas, transformando o agricultor de subsistência, num produtor com autonomia e virado para o mercado. Destarte, as matérias-primas originadas localmente, reduzem o risco de variação e da incerteza da sua disponibilidade tempestiva, dado os constrangimentos logísticos, bem conhecidos.

No actual contexto de refazer-se o meio rural, criando condições de assentamento das pessoas, me parece que a indústria terá de forçar a agricultura em determinadas fileiras. Há experiências em África de implementação com sucesso da estratégia de integração invertida (backword integration), que é actuar em primeiro lugar, no início do processo, no final da cadeia de valor de uma determinada comodity, ou seja, começa com o embalamento de produtos importados, evoluindo progressivamente agregando factores de produção locais, até que se chegue no fim da cadeia. Por exemplo, no caso do milho, começa a importar fuba a granel, em big bags, faz o embalamento usando as sacarias locais, estabelecendo sua própria marca, numa segunda fase passa a importar o milho e transforma (moe) localmente o milho e embala, na terceira fase fomenta a produção de milho, completando assim a cadeia. Garantindo a originação do cereal produzido localmente, tornando a produção mais sustentável. Tem a vantagem de permitir a aprendizagem, pois a actividade industrial tem as suas peculiaridades e desafios operacionais, enquanto se ganha dinheiro, para além de confortar os financiadores, que vão acompanhando a maturidade da actividade.

Quer se opte em priorizar a agricultura, ou a indústria, há a necessidade de se repensar as infra-estruturas, as estradas primárias, (as interprovinciais), as estradas secundárias e as estradas terciárias; não menos importante são as infra-estruturas logísticas, armazéns, silos e secadores; a formação vocacional de técnicos diversos (agrícolas, pecuários, electricistas, mecânicos, carpinteiros, etc.), sem esquecer a regularidade no fornecimento de electricidade e água. Não se pode falar de industrialização com electricidade térmica. Igualmente, nada se pode fazer sem o activo fundamental, o homem, que precisa de ser educado a absorver a atitude de trabalho, e capacitar-se a obter os conhecimentos científicos e técnicos, dominantes nas actividades agrícolas e industriais do nosso tempo. O ensino tem de ser ajustado às necessidades da economia, seguindo as grandes linhas estratégicas do desenvolvimento económico e social do País. Agricultura ou indústria, o ambiente tem de ser favorável à emergência de iniciativas de negócios geradores de riqueza.

Economista e professor universitário*