O que é uma garantia soberana? A garantia soberana é a assunção de um compromisso por parte do Estado, de que se um mutuário não honrar a sua obrigação, que pode ser um ente público, ou uma entidade privada, assume o compromisso do pagamento da dívida. A garantia soberana é o instrumento para dar conforto ao mutuante da linha de crédito, cedida para um fim específico, neste caso aquisição de equipamento industrial, agrícola, ou de outra índole elegível, com proveniência em determinados países europeus.

O Estado surge como avalista e, em caso de incumprimento ou violação de qualquer uma das cláusulas contratuais por parte do mutuário, a dívida é assumida pelo Estado. Por esta razão, quando o Estado emite uma garantia soberana, o valor entra nos compromissos e limites de endividamento do Estado naquele ano. É exactamente o que acontece quando um indivíduo avaliza um empréstimo, fica registado no seu cadastro e entra nos limites de endividamento deste individuo, no caso, o avalista. A diferença é que num empréstimo normal, há uma efectiva cedência de liquidez.

No caso da linha de crédito do Deutsche Bank, o financiamento concedido é exclusivamente para apoiar o exportador do equipamento industrial, eis a razão, porque estão envolvidas as agências de seguro de exportação, vulgarmente conhecidas por Export Capital Credit Agency (ECCA), a SACE para Itália e a EULER HERMES para a Alemanha, no caso da linha do DB. Em Portugal existe a COSEC, nos Estados Unidos da América (EUA) o EXIM Bank, a Export Development Canada (EDC) para o Canadá, etc. Este crédito não pode ser usado para financiar outro propósito, que não seja o fim para o qual foi concedido. No quadro das acções visando o fomento da produção nacional, o Estado obriga-se a apoiar o sector privado a aumentar a produção e a criar empregos, usando este instrumento. Portanto, é absolutamente racional e legítima a actuação do Governo ao conceder a garantia soberana que, aliás, é uma prática que data de há muitos anos, escusando-me de arrolar as empresas a quem foram emitidas garantias soberanas.

Há um outro aspecto que vale ressaltar quanto às garantias soberanas emitidas no quadro da linha de crédito do Deutsche Bank, operacionalizada pelo BDA. Nos termos do n.º 5 do Despacho Presidencial n.º 23/21 de 4 de Março, que concedeu a garantia soberana para importação de equipamentos para a fábrica de extração de óleo, a empresa beneficiária do financiamento deve prestar uma contra-garantia sob a forma de penhor das contas bancárias a favor do Estado. Portanto, a maquinaria industrial e todo o património imobiliário do projecto estão penhorados. Qualquer uma das garantias obriga o mutuário a apresentar garantias reais ao mutuante, de tal sorte que, se houver algum incumprimento, o Estado, através da entidade que operacionaliza a linha, é ressarcido.

O Estado emite garantia soberana, por falta de uma agência de seguros à importação e/ou à exportação, as famosas ECCAS, que são agências do Estado, mas que se obrigam a gerar receitas para suster as suas operações. A SACE, a ECCA italiana, é gerida como se de uma empresa com fins lucrativos se tratasse. No entanto, a meu ver, no actual contexto de desenvolvimento de Angola, não creio que faça sentido criar uma agência dessa natureza, pois limitar-se-ia a assegurar créditos à importação, em vez da promoção das exportações do feito em Angola, por razões de que ainda lutamos para satisfazer o mercado interno. Embora, a Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX) tenha o papel de promover as exportações, não tem a componente de assegurar o risco associado com a operação de exportação. A EULER HERMES, a ECCA alemã, apoia os exportadores de maquinaria diversa do seu país a exportar os seus produtos para os diversos pontos do globo, colocando-se entre os produtores, os mutuantes, reduzindo o risco de concessão de crédito aos não residentes.

Mas, tal acontece porque o país tem excedentes para exportar. Segundo uma nota constante do Site da Embaixada dos EUA em Angola, o EXIM Bank assinou um memorando de entendimento (MoU), de que resultou a obtenção do financiamento para a aquisição dos Boengs 777 da companhia área de bandeira nacional, a TAAG, e duas viaturas de bombeiros para a Sociedade de Gestão de Aeroportos (SGA), fornecidos por uma empresa americana.

A dependência a importação de produtos alimentares básicos é insustentável, não apenas pela escassez de divisas, mas, essencialmente, porque o país tem condições naturais para os produzir em grandes quantidades que satisfaçam o mercado interno e a exportação, transfigurando-se, desta forma, como uma fonte de divisas. Entretanto, é preciso que se façam os investimentos necessários para viabilizar a produção nacional. Para o efeito, precisa-se de explorar todas as alternativas possíveis, para financiar os investimentos para a implantação de projectos estruturantes. A linha de crédito do Deutsche Bank é uma dessas alternativas encontradas para financiar projectos agrícolas, pesqueiros, industriais, e mineiros, disponível para todas as empresas. Embora, no meu entender, não seja a mais adequada para as médias e pequenas empresas, dadas as exigências impostas.

Qualquer empresa de direito angolano, que passe pelo escrutínio padrão para se obter um crédito bancário, pode candidatar-se à linha do Deutsche Bank. Por conseguinte, não é verdade que existam empresas preferenciais para o acesso à essa linha de crédito, que, por sua vez, exige a emissão de uma garantia soberana. O problema não está na emissão da garantia soberana, desde que as exigências do banco cedente da linha de crédito (DB) e do banco operador (BDA) estejam cumpridas, tudo o resto corre normalmente. Algumas das exigências como, por exemplo, a apresentação das demonstrações contabilísticas auditadas, a Certidão de Não Devedor de impostos (CND), agora denominada por Certidão de Conformidade Tributária (CCT), emitida pela Administração Geral Tributária (AGT), e apresentação de garantias reais são exigências normais numa operação de mútuo, pressupondo que uma empresa razoável os tenha em mão. O problema é, por exemplo, a exigência do pagamento de 15% do pagamento inicial (down payment) e uma extensa lista de taxas, mesmo antes das actividades do projecto. Logo que se começa com as utilizações do financiamento, os juros são cobrados ao banco operador numa base semestral. Se formos realistas, no contexto angolano, quantas médias ou pequenas empresas teriam capacidade para suportar esse tipo de exigências na fase de projecto, ou seja, antes do projecto entrar em exploração? Creio que seriam muito poucas!

O debate hostil, em torno da emissão das garantias soberanas para o financiamento de projectos privados, parece-me eivado de irracionalidade, porquanto é da responsabilidade do Estado o fomento da actividade empresarial, com vista a aumentar a capacidade de produção de bens, consequentemente, a criação de empregos e de riqueza. O que se esperava? Inviabilizar projectos estruturantes, geradores de emprego e riqueza, propulsores de oportunidades de promoção de exportações e substituição de importações? Teriam as vozes que se levantam contra o agido, se dá mesma forma se tratasse de empresas dominadas por estrangeiros? Ou a hostilidade é simplesmente porque se trata de empresas detidas por angolanos? Os projectos para os quais foram emitidas garantias soberanas foram avaliados pelas entidades mutuantes, qualificam por serem viáveis e garantem o reembolso do capital emprestado, e, fundamentalmente, são a alavanca para a dinamização da produção nacional. Por conseguinte, não fazem sentido os argumentos, segundo os quais, a garantia em si é um benefício!

Não é, porquanto, como foi demonstrado neste texto, a garantia soberana não é cedência de liquidez, mas sobretudo, a assunção, por parte do Estado, da responsabilidade perante o banco mutuante, de que em caso de o mutuário incumprir (default) a sua obrigação, o Estado assume a responsabilidade da dívida. Se tivéssemos instituído as agências de seguro à importação ou exportação, o Estado não seria envolvido directamente, que é o que acontece nos países desenvolvidos. Por conseguinte, quando o Estado emite uma garantia soberana, está unicamente a avalizar a dívida, não está a ceder liquidez ou a dar dinheiro, como se faz crer aqui na nossa realidade.

*Economista e professor universitário