É o «Julho das Pretas», expressão brasileira que encerra uma série de comemorações de movimentos feministas negros e anti-racistas, tendo o dia 25 de Julho como o Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Este mês é de luta, revolução e fortalecimento da sororidade que já em 1962 marcava a celebração do Dia da Mulher Africana a 31 de Julho, no âmbito da Conferência das Mulheres Africanas, em Dar-Es-Salaam (Tanzânia), de onde saiu também a organização Pan-africana das Mulheres.

Celebrar o 31 de Julho no século XXI, atendendo aos desafios globais e locais, exige-nos, em primeiro lugar, saber de quem falamos quando falamos de mulheres africanas, depois saber quais as suas circunstâncias actuais, as suas demandas e lutas e quais os seus «lugares» dentro das suas sociedades. Importa também não esquecer as mulheres africanas imigrantes em muitos cantos do mundo e os seus (afro)descendentes.

As mulheres africanas, de um modo geral, são aquelas que mais sofrem as instabilidades políticas, sociais e militares do continente, estando em situação de maior vulnerabilidade socioeconómica e de acesso aos serviços essenciais, tais como: a saúde e a educação. As mais afectadas pela pobreza e pelo impacto da poluição e das alterações climáticas que se fazem sentir cada vez com mais força em África. São também a camada populacional mais vulnerável a doenças - se pensarmos na pandemia SARS-COV que origina a COVID-19, vemos que tendem a ser as mulheres as mais infectadas, exatamente porque são as mais afectadas pelas desigualdades estruturais das nossas sociedades.

Estas duras realidades têm sido combatidas com sucessos pontuais, mas é de notar a presença cada vez maior de mulheres africanas parlamentares e em cargos de visibilidade política e institucional ao longo do continente. A visibilidade pública das mulheres e a ruptura com a invisibilização e o silenciamento são basilares para se fazer face aos desafios africanos, pelo que a participação política - e partidária - das mulheres seja um dado importante para a «paz e o progresso» que norteou a construção dos novos Estados independentes. Basta pensarmos, por exemplo, do que seriam das Lutas de Libertação e pela Autodeterminação dos Povos Africanos sem a participação das mulheres que, embora secundarizadas pela história, foram pedra angular, para que os movimentos de libertação tivessem o carácter certo para fazer face ao colonialismo.

Os desafios das instituições de Desenvolvimento, que tiveram como foco a mulher africana e o seu "empowement", tendem a descurar a grande influência das mulheres africanas na gestão cultural das suas sociedades, sendo as guardiãs de tradições e conhecimentos e as gestoras das principais cerimónias da vida de um indivíduo, desde o nascimento, casamento à morte. As mulheres africanas são as locomotivas do futuro que conservam o essencial do passado e fazem a ponte entre os mundos e este não é um poder de somenos.

Com foco nos desafios das sociedades contemporâneas, tenho de realçar as mulheres negras, maioritárias no continente africano, como a medida da saúde democrática das suas sociedades. Se quisermos saber em que pé se encontra o "desenvolvimento" e o progresso de uma sociedade, devemos procurar pelas mulheres dessa sociedade e saber por elas quais as suas circunstâncias e expectativas. Isso significa que as esferas de influência e de decisão, de conhecimento e de poder não podem ser vedadas às mesmas. Na luta contra os fantasmas do passado colonial e o presente conturbado, as sociedades precisam e dependem da participação política e institucional das mulheres negras para um reposicionamento dos valores democráticos da igualdade, da liberdade e da solidariedade como caminho para a salvaguarda de todos.

*Deputada à Assembleia da República Portuguesa