Estes choques externos e domésticos impõem os decisores de políticas trade-offs complexos em face de metas potencialmente conflitantes, tais como inflação, taxas de crescimento, reservas internacionais e sustentabilidade fiscal.

Os principais indicadores macroeconómicos dão respaldo à avaliação do FMI (ver tabela abaixo) e mostram que as escolhas da política económica de Angola implicaram numa trajectória de paulatino empobrecimento durante o período de governação do Presidente João Lourenço.

Ora vejamos,

Entre 2017 e 2023, o crescimento económico, medido pela variação real do produto interno bruto (PIB), teve um desempenho medíocre, materializando de forma cabal o aludido empobrecimento da economia angolana. O PIB petrolífero, no período, decresceu 5,4 por cento, enquanto o PIB não-petrolífero avançou 1,46 por cento, o que perfaz um decréscimo de 0,54 por cento do PIB global. O PIB nominal caiu para 95 mil milhões de dólares americanos, o que representa uma queda de 22,7 por cento face a 2017. O PIB per capita caiu 44,37 por cento, fixando-se nos 3 mil dólares americanos em 2023 frente aos 4,3 mil dólares americanos registados em 2017.

Neste mesmo período, a inflação registou uma trajectória galopante, o que provocou uma acentuada perda de poder de compra dos agregados familiares. A variação dos preços fixou-se nos 20 por cento em Dezembro de 2023, correspondendo a uma inflação acumulada de 147,79 por cento entre 2017 - 2023. Ainda pior foi o desempenho da moeda nacional que registou uma depreciação na ordem dos 399,58 por cento entre 2017 e 2023. Mesmo depois de descontado o efeito da pandemia do COVID-19, a conclusão não podia ser pior: a economia e as famílias angolanas estão manifestamente e inequivocamente mais pobres.

Quais foram as opções económicas de bandeira do Executivo?

Entre 2018 e 2022, o foco do Executivo centrou-se no ajustamento macroeconómico proposto pelo FMI. Depois de alcançar a estabilidade macroeconómica, marcada por um contexto sanitário e económico difícil em 2020, a recuperação começou em 2021 e continuou até 2022, suportada fundamentalmente pelos preços altos do petróleo bruto no mercado internacional (IMF, 2023). Entretanto, esta estabilidade foi revertida com a adopção de uma política fiscal fortemente expansionista e uma política cambial irresponsável durante os meses que antecederam as eleições de 2022.

O saldo orçamental voltou a registar défices e o saldo primário não-petrolífero reverteu a tendência de ligeira melhoria entre 2022 e 2023. A moeda nacional registou uma forte depreciação, fixando-se em Dezembro de 2023 nos 828,8 kwanzas para o dólar americano face aos 420,9 kwanzas em Dezembro de 2022.

Para enfrentar o cenário de agravamento económico, a Equipa Económica (EE) do Executivo apostou na redução dos subsídios aos combustíveis para aliviar a pressão sobre as finanças públicas e buscou também melhorar o controlo da gestão da Reserva Estratégica Alimentar (REA) para garantir maior oferta dos bens da cesta básica. A verdade é que o Ano de 2024 começou com indicadores ainda piores do que aqueles verificados em 2023, sem que a EE tenha sido capaz de gizar e implementar um conjunto de medidas que pudesse reverter ou atenuar o cenário de recessão. No nosso entendimento, o equívoco da EE consiste em aplicar medidas de cunho conjuntural para resolver problemas que são eminentemente estruturais. Não vão funcionar!

Para vincar ainda melhor o desnorte que assombra o pensamento económico da EE, foi apresentada ao país, de forma avulsa e sem grande enquadramento da consistência entre si, um pacote de novas medidas para resolver os problemas dos angolanos. Primeiro, foi anunciado com pompa e circunstância a renegociação do montante do colateral junto do Banco de Desenvolvimento da China (CDB), que libertaria mensalmente entre 150 a 200 milhões de dólares americanos, aptos a aliviar a pressão sobre a tesouraria do Estado e sobre o mercado cambial. Os nossos exíguos conhecimentos da mecânica destes acordos de financiamento levam-nos a questionar se estes fluxos alcançarão efectivamente aqueles montantes e, sobretudo, com qual frequência irão de facto ocorrer. Veremos!

A segunda medida do pacote da EE consiste no agravamento das taxas aduaneiras de um conjunto de bens importados. Normalmente, a formulação e condução da política comercial através de instrumentos tarifários visa essencialmente promover as exportações e/ou defender a produção nacional (Rogoff at al. 2022). Aqui, a EE parece estar na fronteira do conhecimento fazendo uso dos mais avançados instrumentos e ferramentas de previsão: a economia quântica. É que a EE consegue em simultâneo ver duas realidades totalmente diferentes embora esteja a olhar para o mesmo contexto. Por exemplo, há consenso entre a EE, os produtores e os consumidores nacionais de que a produção interna de frango e de leite são praticamente irrelevantes na composição da oferta destes produtos face à sua procura doméstica. Ainda assim, enquanto vê a escassez de oferta reflectida na subida do preço daqueles produtos alimentares, a EE consegue prever que é necessário proteger a produção nacional de algo que não existe. A EE encontrou uma utilidade até então desconhecida para o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Esta análise quântica, operada por mentes tão criativas, aplica-se à quase todos os produtos alimentares que sofreram um agravamento das suas taxas aduaneiras. A seguirmos nesta toada poderemos em breve almejar um prêmio Nobel da economia e/ou da física.

Expiado o efeito quântico, é possível deduzir que o verdadeiro motivo do ajustamento da pauta aduaneira nada tem a ver com a formulação e condução de uma política comercial, mas sim com a necessidade de potenciar a receita não-petrolífera através de uma maior arrecadação de imposto aduaneiro. Se este é, de facto, o objectivo da política económica do EE, então é preciso ser transparente, assumindo este desiderato sem subterfúgios. Por outro lado, o agravamento da pauta aduaneira vai irremediavelmente acelerar a inflação e acentuar a perda de poder de compra das famílias. Esta medida é draconiana - economicamente injustificável e socialmente insuportável.

O terceiro pilar do conjunto de medidas da EE passa pela continuidade da redução dos subsídios aos combustíveis. Do lado da ciência económica são raras as objeções a uma redução gradual destes subsídios que consomem uma importante fatia do gasto público. A recomendação é que se proceda de forma selectiva, buscando preservar os segmentos carentes que realmente precisam desta prestação social. Para tanto, a EE precisa de ter um plano definido e contar com instrumentos de apoio aos menos favorecidos previamente desenhados e testados. Não podemos voltar a viver a triste realidade do 1.º semestre de 2023.

Do lado dos rendimentos, a EE fez aprovar a sua quarta medida de políticas económicas através do aumento salarial fora da concertação social. O aumento salarial é sempre positivo mesmo quando o ajuste fica aquém das expectativas dos parceiros sociais. No entanto, o criticável, e até mesmo repudiável, é a sua execução sem uma comunicação adequada, justificando minimamente o algarismo do reajuste e apresentando o enquadramento do impacto fiscal da subida da massa salarial. Este exercício de autoritarismo e pura arrogância pode ser contraproducente uma vez que os trabalhadores poderão sempre interpretar que é possível ir mais longe e decidirem exercer toda a sua pressão para alcançar os seus objectivos.

Por outro lado, a EE deixa à sua própria sorte os trabalhadores do sector privado, uma vez que não foi ainda tratada a questão do salário minino nacional, que deverá ser discutido também com as associações empresariais. Num contexto caracterizado por uma forte retração da actividade económica, agravamento das taxas aduaneiras, aumento das taxas de juros e de depreciação cambial não conseguimos vislumbrar qualquer margem para que as pequenas e medias empresas nacionais consigam absorver um aumento do salário mínimo nacional.

De facto, depois de analisado o último pacote de medidas de políticas económicas, concluímos que a EE está a fazer uso equivocado de instrumentos de previsão muito avançados para a nossa realidade. A EE deve abandonar rapidamente as ferramentas de economia quântica e voltar a olhar para o contexto económico com os mesmos olhos do cidadão comum. A propósito do entusiasmo quântico, Einstein retrucou com a lapidar sentença: "Deus não joga aos dados". Os mercados tampouco, diríamos nós.

Num ano que se celebrou os 50 anos do 25 de Abril de 1974, vale recordar o politico português, Sá Carneiro (1934 - 1980), quando afirmava "Primeiro, o país; depois, o partido; por fim, a circunstância pessoal de cada um de nós".

Prof. Doutor Carlos A. da Fonseca Panzo

Professor Auxiliar de Economia e Investigador

Business and Economic School - ISG

Bibliografia

- Kenneth Rogoff, Gopinath Gita, and Elhanan Helpman, (2022). Handbook of International Economics (International Macroeconomics) (6). 6th ed. Elsevier: North Holland.

- International Monetary Fund (2023), First Post Financing Assessment Discussions, The African Department - International Monetary Fund.

- International Monetary Fund (2024), Angola Selected Issues, The African Department - International Monetary Fund.