O facto, entretanto, é que a economia angolana vem se contraindo desde o ano de 2015, não como consequência de um problema conjuntural, mas do seu problema estrutural ligado à forte dependência da produção e exportação de petróleo bruto, tendo a pandemia da Covid-19 apenas acentuado tal quadro. A produção angolana de petróleo bruto vem contraindo desde o ano de 2008 e em 2014 o seu preço sofreu um choque negativo. É como consequência desses dois factores que o PIB a preços internacionais de 2017 caiu cerca de 11% entre 2014 e 2020 (uma média anual de cerca de 2%), enquanto a produção de petróleo bruto caiu cerca de 28% (uma média anual de cerca de 5%).

De 2018 a 2021 as estimativas apontam para uma queda média anual do PIB de cerca de 2%, com uma queda média anual de 9% do sector petrolífero e um crescimento médio anual de cerca de 1% do sector não petrolífero. Portanto, o problema da economia angolana parece ser estrutural, decorrente da reduzida capacidade de produção interna do sector não petrolífero e, por isso, as eventuais capacidades que se tornaram ociosas em decorrência das medidas de combate à pandemia da Covid-19 são, também, reduzidas.

Ou seja, o hiato entre o produto não petrolífero efectivo e o produto não petrolífero potencial, face aos níveis de acumulação de capital que o sector apresenta, não será elevado. Assim, pretensas medidas de estímulo à semelhança das dos EUA e da UE - onde, sim, existe ou existiu grande hiato entre o produto efectivo e o potencial -, ou de expansão do crédito apresentam-se com elevado risco de gerar pressões inflacionistas.

De resto, elas seriam inócuas ao sector petrolífero, que é o sector que se vem mostrando ainda determinante para a recessão que a economia angolana vem experimentando nos últimos anos. E aqui importa referir que esse sector se apresenta também com os seus problemas estruturais, nomeadamente níveis baixos de investimento desde há alguns anos como consequência, fundamentalmente, da falta de licitações de concessões petrolíferas, de processos de licitação então demasiado burocratizados e da participação de empresas de conteúdo local que têm agregado mais em custos para a indústria do que em eficiência em razão da sua reduzida capacidade, pelo que a política de conteúdo local, nos termos aplicados, se constituiu mais num mecanismo de extracção de renda no âmbito da política da "acumulação primitiva de capital".

Deste modo, a aposta do Governo deve ser na acumulação de capital (não confundir com a referida política de "acumulação primitiva de capital" que se traduziu na apropriação privada de recursos públicos para benefício próprio) que tenderá a aumentar a médio e longo prazos as capacidades produtivas internas, sem prejuízo para a atenção aos aspectos conjunturais trazidos pela pandemia da Covid-19. Para o efeito, reclamam-se medidas que assegurem a liberdade económica, removendo-se a elevada carga burocrática para o desenvolvimento da actividade económica, assim como a melhoria das infra-estruturas e da qualificação da mão-de-obra, o que requer a racionalização, a eficácia e a eficiência da despesa pública.

Entretanto, a contracção sistemática da produção de petróleo bruto vem impactando negativamente no fluxo das receitas cambiais do País de modo permanente, o que requer que se assegure o reequilíbrio do mercado cambial num nível consentâneo com o novo quadro. Para o efeito, é esperado que se tenha em conta factores como (i) o novo fluxo de divisas que se avalie como permanente e dado pelo nível seguro de projecção da produção petrolífera e do preço do petróleo bruto no mercado internacional a longo prazo, assim como (ii) o montante das Reservas Cambiais que se admita perder para suavizar a eventual depreciação da taxa de câmbio decorrente do processo. Assim, como medidas de curto prazo, no que à política monetária diz respeito, seria de se considerar o levantamento da incidência da taxa de reservas obrigatórias sobre os depósitos em moeda estrangeira, assim como evitar-se a adopção de medidas monetárias restritivas para fazer face às pressões inflacionistas geradas pelas pressões do mercado cambial.

É suposto que o problema da pressão sobre o mercado cambial por choque de divisas seja resolvido com a depreciação da taxa de câmbio. A adopção de medidas restritivas de política monetária (como o aumento da taxa de reservas obrigatórias) para lidar com esse problema, quando este tenha sido gerado pela redução da oferta de divisas e não pela expansão da oferta monetária, tenderá a ser contraproducente aos objectivos do Governo de mitigar a conjuntura desfavorável decorrente da pandemia da Covid-19, pelas seguintes razões: (i) do choque do preço e da produção de petróleo resulta uma redução da liquidez na economia, o que afecta o sistema bancário que até agora viveu, fundamentalmente, de operações do comércio exterior, operações com títulos públicos, crédito ao sector imobiliário, crédito ao comércio e serviços e crédito a particulares; e (ii) o Governo objectiva o estímulo da actividade económica produtiva interna, o que requer investimentos produtivos que devem ser financiados pelo sistema financeiro. Estando o sector financeiro constrangido na liquidez pelas razões anteriores, o aumento das reservas obrigatórias limitaria ainda mais a liquidez do sistema bancário, afectando sobremaneira a sua capacidade de conceder crédito à economia.