E anunciou que "mais de 13.700.000 alunos (estão) matriculados no presente ano lectivo. Nos três níveis de ensino existem agora 167.032 salas de aula, tendo havido um aumento de mais de 69.348 novas salas de aula em relação ao ano de 2017."

No referido discurso, o PR angolano ignora propositadamente um milhão e trezentas mil crianças (segundo dados oficiais) sem acesso à Escola, em Angola.

Quando os angolanos esperavam que João Lourenço dissesse o que fará para que essas crianças pobres deixem de ser empurradas para a exclusão, a marginalidade, o Chefe de Estado optou pelo silêncio, escamoteando assim o real Estado do País.

Ao contrário do que aconteceu em 2019, quando se referiu ao progresso alcançado nesta matéria com a redução, em mais de 30%, do número de crianças fora do ensino, este ano João Lourenço decidiu ocultar essa dramática situação.

Na mensagem do ano passado pode-se ler: "foi reduzido na ordem de 37,6% o número de crianças fora do sistema de ensino, passando de 2.044.628 crianças em 2018 para 1.275.645 em 2019".

Será que João Lourenço quis evitar a chacota de mais um dado falso ou quer dizer que os mais de 40 por cento de crianças sem escola nas zonas rurais não tiram o sono e alegram os dias do chefe do Executivo?

Em 2019, quando a contestação política à governação era ainda pouco generalizada, a comparação tinha como base o ano anterior da sua própria governação, 2018.

Nesse ano dizia: "quanto a salas de aulas, passou-se de 85.143 em 2018 para 97.684 salas, desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário. Esse aumento de 12.546 salas de aulas possibilitou a matrícula de 10.608.415 alunos, o que representa um aumento de 11,3% de alunos".

Mas, actualmente, confrontado com uma contestação que atinge todos os sectores do País, incluindo dentro do seu próprio Partido, sentiu necessidade de ir buscar números do tempo de José Eduardo dos Santos, para dar a ideia de um aumento vertiginoso, contrário ao poucochinho que apresenta.

Tal como os milhões sem escola, também as mais de mil crianças que mensalmente morrem de fome (46/dia) não têm lugar no discurso e nas preocupações de Lourenço.

A expectativa, incluindo na Diáspora, era a de que o Presidente mobilizasse toda a sociedade para um combate sem tréguas a esse flagelo e reconhecesse a incapacidade do seu Governo em resolver sozinho o problema da fome que atinge todo o País e deve ser preocupação central de toda a sociedade.

No País onde 88% das crianças entre os seis e os 23 meses não têm acesso a dietas diversificadas, segundo a UNICEF, o combate à fome e à subnutrição devia figurar como a prioridade da governação, a par da inclusão de todas as crianças no ensino.

Em vez disso, o titular do Poder vangloriou-se com o programa "Valor Criança", financiado pela União Europeia com apoio técnico da UNICEF e que se destina a "crianças vulneráveis com menos de cinco anos e deverá atingir 20 mil crianças até ao fim do corrente ano".

Enquanto UE e UNICEF dão Valor às crianças nacionais, o Estado angolano faz tábua rasa da essência do valor do "futuro da Nação", nomeadamente o direito à vida, à infância e à educação, deixando-as morrer à fome e ou sem escola.

Essa fome tem sido denunciada por alguns media, como o Novo Jornal, a sociedade civil e igrejas, como fez, a título de exemplo, Dom Tirso Blanco, Bispo da Diocese da Igreja Católica do Luena, Moxico, num texto poético-dramático, ao escrever: "crianças e adultos morreram de fome porque não há estradas e as ajudas para os famintos não chegaram ao destino porque não há estradas".

É nítido que a Nação retirou a essas crianças o direito à existência digna, por isso, qualquer iniciativa em prol de outros mais novos afigura-se como falaciosa e mera propaganda política.

O Presidente "falou algumas coisas, não fez um discurso", disse uma internauta, ao analisar a citada intervenção onde faltou uma palavra de esperança e o compromisso de não deixar ninguém para trás.

O texto, um "relatório de um burocrata desinspirado" na expressão do embaixador Hélder Lucas, assemelha-se a uma manta de retalhos, onde alguns sectores usam como bitola de comparação o ano 2017 e outros o de 2019.

Há mesmo casos em que o mesmo sector usa indiscriminadamente como referencial de comparação 2017 e 2019.

Se o PR e os seus ministros-auxiliares percebessem que o Estado da Nação é referente ao período que medeia a última ida ao Parlamento e a actual, talvez ajudassem a dar credibilidade a um acto formal, sem impacto e que não permite o debate sobre o verdadeiro Estado da Nação.

Seria de bom tom que as tão propagandeadas reuniões do Conselho de Ministros servissem também para definir normas para a elaboração de relatórios sectoriais realistas, rigorosos e objectivos.

E porque o Poder é por excelência o reino dos formalismos e da simbologia, com tal uniformização evitavam-se as discrepâncias sectoriais, permitindo a mais alta entidade do país ler um texto pelo menos coerente.

Infelizmente, o Presidente vai mostrando que gosta mais de "prestar contas" aos estrangeiros do que aos angolanos. João Lourenço foi ao Parlamento "por força de um preceito constitucional" e mostrou-se cansado com um discurso crispado e a responder, sobretudo, aos adversários e detractores que estão nas redes sociais.

Centrou a sua fala na pandemia e na crise covid, ignorando a malária, principal causa de morte em Angola que só nos primeiros três meses de 2020 causou "2548 óbitos num total de dois milhões de casos, mais 467 vítimas mortais face ao mesmo período de 2019", segundo o coordenador nacional da luta contra a malária em Angola, José Martins.

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