Como é feito o rastreio para se detectar algum problema nos olhos?
Sempre que notarmos alguma anomalia nos nossos olhos ou no da criança, deve-se levá-la a um especialista. Também se deve recorrer, com alguma regularidade, a consultas preventivas, quer de oftalmologia, quer de otorrinolaringologia. As crianças, antes de entrarem para a escola, têm de fazer esses tipos de consulta, porque aí se conseguem apanhar muitos casos, por exemplo, a necessidade de usar óculos, a existência de catarata e glaucoma congénito.
Aos 40 anos, é muito importante que as pessoas saibam que o glaucoma é mais frequente por volta desta idade e na nossa raça. E a sua frequência vai aumentando à medida que a idade aumenta. Então, é importante conhecermos a doença porque ela é assintomática.
A diabete, por exemplo, é também uma das principais causas de cegueira a nível mundial, e temos muitos pacientes cegos por diabetes, porque as alterações que acontecem no corpo ocorrem todas dentro dos olhos. O olho é o único local do corpo, através de um exame que se chama o fundo-de-olho ou fundoscopia, é que nós conseguimos perceber alguns problemas.
Muitas doenças sistémicas têm repercussão ocular e, através da fundoscopia, nós conseguimos dizer como é que estão as alterações nos rins, no cérebro e no coração. E, se vemos que tem uma retinopatia (alteração grande ou descolamento na retina), podemos predizer o tempo de vida deste paciente.
Quantos pacientes foram atendidos no período de Janeiro à Junho de 2023?
Neste primeiro semestre, de Janeiro até Junho, atendemos 41.180 pacientes. Eu estava a fazer um quadro comparativo com o ano passado [2022], e verifiquei que tivemos um acrescemos de 42%. O ano passado, em igual período, vimos 28.980 pacientes. Esse aumento foi em todas as vertentes. Só a nível de cirurgias, no seu todo, tivemos um aumento de 49%, e esse aumento foi ainda maior quando se fala na cirurgia da catarata. Em relação à cirurgia da catarata, o aumento foi na ordem de 96%.
Do número [41.180] de pacientes atendidos no IONA, quantos foram operados e quais as patologias mais frequentes?
Destes 41.180 pacientes observados nos diferentes tipos de consultas, tanto na externa e como na de urgência, foram operados 3.698 pacientes. Em relação às patologias mais frequentes, está a catarata, ametropia ou erros reflectivos. Os pacientes com erros de refracção (defeitos de óculos) deviam ser observados a nível primário, nas ópticas. São pessoas que não têm patologias, mas que precisam de óculos, pois a necessidade de óculos não é considerada doença ocular. O erro de refracção é um olho mais cumprido ou mais curto. Isso faz que a imagem não chegue à retina, que é a parte visual. Então, o paciente vai precisar de óculos para que esta imagem seja levada ao seu ponto de máxima visão, que é a mácula.
Quantos médicos funcionam no IONA?
Somos 27 médicos, dos quais 19 nacionais e oito estrangeiros, bem como 44 enfermeiros.
No País, temos observado um número crescente de ópticas. Que avaliação faz às consultas e exames feitos por essas instituições ou unidades?
As ópticas estão integradas nos cuidados oculares primários. E as avaliações que eles fazem são: chega um paciente que diz que está a ver mal, eles vão tirar a visão e graduar o paciente. Têm médicos, mas, nos países desenvolvidos, não permitem que as ópticas tenham médicos. Cá e em alguns países há, mas a maior parte dos países não permite os em ópticas e só optometrista, e o trabalho do optometrista é graduar - achar a graduação de que o olho precisa e prescrever a receita que, depois, vai para o óptico que vai montar com base naquela receita os óculos.
Quando o optometrista vê o paciente e nota que ele não melhora com os óculos, que não alcança uma visão de 100%, então ele deve encaminhar para um oftalmologista ou um serviço em que haja especialista em doenças dos olhos. É importante que falemos da constituição da equipa de Oftalmologia, e essa constituição é dada até pela OMS [Organização Mundial Saúde]: médico oftalmologista, optometrista e um enfermeiro especializado - aquele, geralmente técnico médio de Enfermagem, que tem um ano de formação básica em Oftalmologia e refracção.
Há muita pressão em formarmos médicos, somos poucos, apenas 95 oftalmologistas e a maior parte está em Luanda.
Dos pacientes que procuram pelos serviços do IONA, qual é faixa etária mais atendida?
A faixa que procura pelos nossos serviços são os pacientes dos 45 aos 64 anos. Em segundo lugar, acima dos 65 e, em terceiro, dos 25 aos 44 anos. Só depois existe outro grupo abaixo destes.
Quantas crianças o IONA atendeu nesse primeiro semestre de 2023?
Dos zero aos 14 anos, atendemos a 8.545 crianças. As patologias mais diagnosticadas são: estrabismo, catarata e glaucoma congénito.
Enquanto oftalmologista, quais são as razões do aumento de doenças oculares e a escassez de especialistas no País?
Eu não sei se vamos falar em aumento de doenças oculares, mas é assim: será que as pessoas têm acesso? Também podemos pensar nisso. Talvez não tivessem o acesso que têm agora. A população está mais esclarecida, portanto pode ser essa a causa do aumento.
Em relação ao número de especialistas, se tem estado a formar, não tanto, há mais necessidade, visto que há doenças mais prevalentes, como, por exemplo, a malária. Por conseguinte, há mais médicos a formarem-se em Clínica-Geral e Medicina Interna. Quando eu fiz, não havia tanta procura por Oftalmologia, mas agora há e há uma necessidade. Por isso, nós temos aqui 42 médicos a formarem-se, ou seja, a especializarem-se no IONA, uma vez que, para além de ser unidade para atender a pacientes, é um espaço de formação. Tecnologicamente, o Instituto Oftalmológico Nacional de Angola (IONA) está bem servido para responder às situações oculares.
As pessoas com albinismo dizem que há escassez de optometristas e dificuldades no acesso às consultas de Oftalmologia. Como é que olha para esta questão?
A maior parte das pessoas com albinismos tem albinismo-oculocutânio com afectação nos olhos, tem pouca pigmentação, e isso já faz que apresentem alguma alteração a nível ocular. São pessoas que têm defeito de visão muito grande, miopia e hipermiopia muita alta, e precisam de óculos.
Está formada uma Comissão Multidisciplinar, da qual o instituto faz parte. Os pacientes têm uma consulta só de albinismo a nível do Hospital Américo Boavida e depois é que passam por outros sítios. Tivemos um encontro com os Ministérios da Saúde, Acção Social, Família e Promoção da Mulher e outros envolvidos, e posso avançar que as associações de apoio às pessoas com albinismo beneficiam de ajuda do Centro Óptico a nível de consultas e doação de óculos. Mas temos recebido aqui alguns e, sempre que precisam, são enviados por essa comissão, seja por si mesmo ou encaminhamento para outro local. Eles são atendidos.
Um grave problema é que não temos técnicos de baixa visão, dado que o albino naturalmente já tem problema de baixa visão. Foi-nos solicitado um que irá fazer uma formação local. É que, quando somos tão poucos e com tantos problemas, às vezes, há coisas que vão ficando para atrás.
No País, não se formam técnicos de baixa-visão?
Ainda não.
São técnicos médios ou superiores?
Podem ser técnicos superiores, não têm de ser médicos nem oftalmologistas. Pode ser um optometrista com licenciatura em Optometria e que faça também essa valência. Por acaso, há dois anos que temos apoio de uma ONG europeia em termos de formação intensiva em catarata e consumíveis. E eles aqui [no IONA] já aprendem com os médicos. Neste momento, temos quatro médicos fora, que já foram com experiência, podem não ser cirurgiões experientes, mas que já sabem mexer no olho e têm três meses intensivos só em cirurgia de catarata, ao passo que dois enfermeiros estão a fazer instrumentação num hospital de referência em África, cujo nome prefiro não citar. O IONA tem garantias de que irá receber um optometrista superior com essa valência, por isso entende que ganhamos muito mais em tê-los aqui, pois ele vai formar todos os optometristas com nível médio que eu tenho aqui.
Quanto à aplicação de pestanas, qual é a sua opinião?
Esteticamente, a mulher fica muito bonita, mas tenho muito receio de colocar ou pôr alguma coisa nos meus olhos, já que os olhos são muito sensíveis. Agora, os excessos da moda que temos observado podem afectar e levar à perda dos olhos, porque usam materiais como cola e outros equipamentos que podem ser tóxicos para os olhos. Esse procedimento é feito tão próximo do globo ocular. A pálpebra e os locais onde é feita a aplicação podem levar a complicações ou graves problemas nos olhos, como a catarata.
Vamos falar de lentes de contactos, por exemplo, que os jovens põem. Não se pode dormir com elas e podem causar infecção grave. Aliás, já vimos aqui pacientes que perderam os olhos por causa de uma lente de contacto. Quando a aplicamos, ela priva os nossos olhos do oxigénio do ambiente, ar atmosférico. As lentes de contacto são orientadas pelos médicos porque a pessoa tem um defeito grande de visão. Os óculos são muito grossos, podem-se usar lentes de contacto, mas há que se ter muito cuidado com a manipulação, visto que as lentes não podem infectá-los.
Que dificuldades o IONA vive?
Neste momento, e não é segredo para ninguém, toda a gente que passa por aqui consegue aperceber-se de qual é a nossa maior dificuldade, infra-estrutura pequena. A senhora ministra já esteve aqui, e o Presidente da República disse que já há um projecto aprovado e financiamento para a construção de uma nova infra-estrutura para o instituto, com espaço para albergar médicos internos de outras províncias. E como foi aprovado este ano, isso poderá levar, na melhor das hipóteses, dois anos para a sua construção.
Por outro lado, está previsto um espaço para o funcionamento provisório, e já vimos o local, mas que ainda não nos foi cedido para nos transferirmos.