É enfermeira há mais de 45 anos. Quando se decidiu entrar para a Saúde?

Eu posso dizer que sou uma das poucas pessoas que fazem o que gostam. Escolhi a minha profissão porque sou "enfermeira" desde criança. Era sempre a enfermeira nas brincadeiras. Quando as bonecas ficassem sem pernas, eu ia cuidá-las. Quando algum amigo se ferisse, eu pegava e levava-o para casa. Sempre tive aquele cuidado de enfermagem. Então, quando me decidi a ter uma profissão, foi fácil de escolher, fazer Enfermagem. E depois, quando foi para fazer licenciatura, não pensei duas vezes, fui fazer Enfermagem. Então, sou enfermeira desde que me conheço e não sei fazer outra coisa.

Como compara a Enfermagem do seu tempo à Enfermagem actual no País?

Não está muito fora dos padrões, mas precisamos de olhar para Enfermagem como uma ciência que evolui. Agora é uma enfermagem moderna. Nós, quando herdámos a enfermagem da era colonial, tínhamos duas categorias: auxiliar de Enfermagem e o enfermeiro geral. Depois, nos anos 80, o País começou a formar técnicos médios de Enfermagem e, nos anos 90, já viu a necessidade de formar enfermeiros de nível universitário, à semelhança dos outros países. Já passam 30 anos e, no percurso desses 30 anos, muitas outras faculdades de Enfermagem se abriram, muitos outros enfermeiros fizeram mestrado e doutoramento. Agora, o que precisamos é que as pessoas percebam que a Enfermagem de há 30 anos não é a Enfermagem actual. Precisamos de fazer muito trabalho, mas já estamos num bom caminho.

Como avalia o ensino da Enfermagem?

O ensino da Enfermagem no País precisa de uma uniformização da grelha curricular e, segundo a Ordem dos Enfermeiros de Angola (ORDENFA), nascem muitos colégios e faculdades de Enfermagem. Então, há necessidade de que esses colégios e essas faculdades tenham um único currículo para que, depois, na hora de inserção no local de trabalho, se fale a mesma língua.

O que é que os enfermeiros fazem para que outras classes da saúde deixem de olhar para esse segmento como uma especialidade subalterna?

Foi o que eu disse. A Enfermagem evoluiu. A Enfermagem de hoje já não é aquela em que o profissional faz a sua actividade de forma mecanizada. Ele conhece os princípios científicos, ele sabe por que razão a faz. Então, a Enfermagem, actualmente, é uma enfermagem, que está integrada na equipa multiprofissional, em que os conhecimentos de um complementam os conhecimentos de outrem. Então, trabalham de forma independente, interdependente e autónoma. E é importante que se saiba isso e se respeite o espaço de cada um e para todos trabalharem em benefício do doente.

Neste caso, não é necessário uma classe de Enfermagem mais actuante?

Temos a Ordem dos Enfermeiros que muito tem trabalho para isso. Também temos a Associação Nacional dos Enfermeiros de Angola (ANEA) que muito, também, tem trabalhado para isso. A Enfermagem moderna é nova, e tudo quanto é novo leva tempo para se encaixar, mas vamos chegar lá. Estamos perto.

Quais são as principais debilidades que a classe enfrenta no País?

Uma das maiores dificuldades é, como já disse, a falta de uniformização dos currículos. Isso faz que o profissional, quando chega ao local de trabalho, não tenha uma forma de ver as coisas do mesmo jeito. Tem de se fazer a integração, treinando essas pessoas para entrarem na filosofia da instituição. Se tivéssemos currículos uniformizados, seria muito mais fácil. Mas também não está tão mal assim.

Já não seria a hora de se tratar da uniformização. Como se ultrapassar isso, uma vez que esse problema dura há anos?

Através da investigação científica. Uma coisa é falar, e a outra é pesquisar para saber, de facto, o que é que está a acontecer. Neste momento, a ORDENFA tem visitado várias instituições de ensino pelo País e já tem um relatório que vão entregar aos ministérios competentes para se discutir esses assuntos, porque não se pode falar sem ter factos. Uma coisa é a pessoa constatar, outra é trazer dados concretos do que está a acontecer. Tem ouvido pela rádio as informações que o presidente da ANEA faz e que o bastonário da ORDENFA faz. A luta é vasta, mas vai-se conseguir.

Como vê o cenário das sobrelotações dos serviços de saúde?

Primeiro, temos de partir do princípio de que Luanda tem uma densidade populacional muito grande e que as instituições não estavam muito preparadas para receber essa enchente, mas posso garantir-lhe que o MINSA tem trabalhado muito para que se invista mais nos cuidados primários de saúde. Como os cuidados primários de saúde estão sufocados, as pessoas vão todas para as instituições de terceiro nível, muita das vezes com doenças não atendidas ali. Também é um problema que já está a ser equacionado.

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