Com este cenário pela frente, a Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) juntou-se a um grupo de não-membros liderados pela Rússia para definir um plano de cortes na produção de forma a obrigar os preços a subir enxugando os mercados do excesso de produção, iniciado em Janeiro de 2017 e em 1,8 milhões de barris por dia (mbpd).

O sucesso foi evidente, porque isso permitiu uma recuperação do valor do crude continuada e até hoje, onde está a bater na barreira dos 80 USD e com os principais analistas e publicações especializadas a admitir que o barril chegará aos 100 USD ainda este ano, por causa da estratégia da OPEP mas com o "bónus" das crises no Médio Oriente e na Venezuela, que atravessa uma igual crise de investimento no sector devido à instabilidade política.

No entanto, os quase quatro anos de preços baixos produziram um problema sério no sector petrolífero angolano, com as multinacionais, e a própria Sonangol, a desinvestirem nas áreas de pesquisa e produção por não ser expectável que, com o barril abaixo de 30/40 USD , esses pesados investimentos fossem ressarcidos, bem como nas infra-estruturas, onde algumas plataformas foram colocadas em stand by ou mesmo desmanteladas.

Alias, essa é a razão subjacente à análise da AIE que prevê um progressivo declínio da produção angolana nos próximos cinco anos, chegando ao mínimo histórico, em décadas, de 1,26 mbpd em 2023, contra os actuais 1,6 mbpd, mas ainda mais significativo face aos quase 1,9 mbpd em 2008/9.

Esta situação poderá mesmo impedir a produção nacional de contribuir para um possível aumento da produção no seio da OPEP para reequilibrar o fornecimento em perda em países como a Venezuela - com problema semelhante mas ainda mais agravado que Angola -, que passou, em menos de 10 anos de mais de 6 mbpd para os escassos 1,5 mbpd actuais, ou no Irão, que tem sob a cabeça a ameaça de novas e mais pesadas sanções dos EUA após Donald Trump ter rasgado o acordo nuclear com Teerão e assim deixar de fornecer aos mercados milhões de barris por dia, produzindo actualmente cerca de 3 mbpd mas com um potencial bem superior, que pode chegar aos 5 mbpd.

Com uma economia ainda dependente do petróleo, Angola tem no crude o garante de mais de 90 por cento das suas exportações, era necessário dar uma resposta a este cenário de perda continuada, embora com alguns sinais de investimento retomado, como foi o caso dos mais de 3 mil milhões de dólares, liderado pela francesa Total, investidos no projecto Kaombo, no Bloco 32, onde, nos próximos meses, começarão a ser extraídos 230 mil barris por dia e onde estão reservas estimadas em mais de 600 milhões de barris distribuídos por seis campos.

Mas o Governo angolano, através de vários decretos presidenciais, procura ainda rejuvenescer e impulsionar a sua capacidade produtiva e os investimentos no petróleo e no gás natural baixando as taxas aplicadas aos denominados campos marginais - com menos de 300 milhões de barris em reserva -, cortando de 20 para 10 por cento na produção petrolífera e de 50 para 25 por cento no rendimento desses mesmos campos.

Neste decretos, o Presidente da República tem ainda em consideração a questão dos campos onde a produção tem potencial para se prolongar para lá das datas previamente acordadas pela concessionária, desde que não existam colisões com novas áreas sob contrato de concessão..

Estas iniciativas são uma resposta clara ao que são, por exemplo, as preocupações mostradas pelo relatório da Agência Internacional de Energia, publicado no início de Março último, denominado "Oil 2018", onde a perspectiva de uma contínua e prolongada baixa na produção pode levar Angola a perder o seu actual estatuto de grande produtor, sendo mesmo actualmente o segundo maior produtor africano, logo a seguir à Nigéria.

Recorde-se que uma das razões que levou a agência de "rating" Fitch a retirar Angola de um Outlook negativo para estável a questão do aumento do preço do crude nos mercados internacionais, considerando a sua actual produção em volume, o que pode deixar de ter a mesma importância caso a quebra perspectivada pela AIE se confirma já nos próximos tempos.

Reservas estimadas em baixa

Informações recentes divulgadas pelo Executivo, apontam paras que Angola tenha actualmente confirmadas reservas de 6 mil milhões de barris, o que permite manter a produção actual de cerca de 1,6 milhões de barris por dia apenas para os próximos 10 anos.

O Governo admite que 65% destas reservas estão localizadas em águas profundas, com custos de exploração mais caros.

Isso, no actual momento de volatilidade nos preços, que variam drasticamente em função dos equilíbrios geoestratégicos e económicos globais, pode afastar os investidores tradicionais, apostando em geografias com crude mais acessível e menos custoso a extrair, como o Médio Oriente, onde o custo de produção do barril se situa à volta dos 7 USD, contra a média de 18 em Angola, claramente uma das razões pelas quais o investimento no sector do petróleo desceu de 20,19 mil milhões de dólares em 2014, para 5,9 mil milhões de dólares em 2017.

Vantagens e desvantagens para Angola

A exploração e extracção de petróleo no Médio Oriente, onde a Arábia Saudita lidera, embora com uma ligeira oscilação nos dias que correm, o topo da lista não só local mas mundial dos países que mais crude extraem em todo o mundo, é substancialmente mais barata que em países como Angola ou a Venezuela, o que permite aos produtores árabes aguentar melhor as crises globais mas também atrair os investimentos das grandes multinacionais em épocas baixas, em detrimento das regiões onde a produção é mais cara.

Excepto se as crises forem dentro das fronteiras do próprio Médio Oriente, onde aquilo que são vantagens, como o Novo Jornal Online explicava a 17 de Março, se podem transformar em desvantagens e as desvantagens para países como Angola passam num piscar de olhos a vantagens competitivas.

Para já, Angola e a Venezuela são as duas grandes vítimas, mesmo que o objectivo não fosse esse, das políticas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), à qual Angola aderiu em 2007, especialmente devido à sua política, determinada pela Arábia Saudita, de "extrair à vontade e em força" nos meses anteriores à crise de 2014.

Se Riade optou por esta política de "pump at will" para lidar com o agigantar da produção do petróleo de xisto, ou "fracking" norte-americano, para cuja indústria só faz sentido se o barril estiver acima dos 65/70 USD, devido ao seu elevado "breakeven", a verdade é que, no médio e longo termo, como agora se está a verificar, entre as vítimas desta estratégia está Angola... e em lugar de destaque.

No médio e longo prazo, o país vai sofrer severas consequências dos vários anos a fio de preços baixos ou moderados porque isso induziu claramente a um desinvestimento no sector e à deterioração natural dos equipamentos, exigindo agora não só tempo, que podem ser anos, mas também um forte investimento que as multinacionais podem não estar disponíveis a fazer porque têm como alternativa mais barata o Médio Oriente, onde é mais rápido e fácil recuperar o dinheiro.

Mas a opinião e as contas das petrolíferas podem mudar e as suas atenções voltarem a focar-se em Angola se as coisas aquecerem mesmo no Médio Oriente e a produção dos gigantes locais, como o Irão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou o Iraque, forem severamente atingidas pelas crises que se adivinham.

Especialmente a agressiva política norte-americana e israelita para com o Irão, onde as ameaças de ataque militar não deixaram ainda de estar fora da linguagem diária do Presidente dos EUA nem do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, podendo incendiar todo o Médio Oriente.

O efeito enxofre

A emergir como uma nova janela de oportunidade para o petróleo angolano está a actual revolução em curso no universo dos transportes marítimos, porque, a partir de 2020, a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) não vai permitir a utilização de combustíveis nos navios com um comportamento que produza emissões de enxofre elevadas.

O transporte marítimo é um dos grandes consumidores de fuel (petróleo) e isso vai afectar em particular as produções de crude do Médio Oriente porque, normalmente, têm elevadas concentrações de enxofre, o que poderá igualmente ser uma vantagem para as produções "light" africanas e norte-americanas, com menos concentrações deste químico altamente nocivo para o meio ambiente e responsável por uma boa parte dos danos da queima de petróleo na atmosfera.

Alguns analistas entendem que esta decisão da IMO será, a partir de 2020, mais importante para a alta do preço do petróleo que as crises na Venezuela e no Irão porque as refinarias globais vão ter de se realinhar com a nova realidade e investir na utilização de crudes mais "macios" de forma a responder à procura do sector dos transportes marítimos, afunilando o leque de regiões fornecedoras e restringindo a oferta por causa desta revolução no "shipping".

Só esta alteração imposta pela IMO vai ser responsável, segundo analistas do Morgan Stanley, para que o barril de Brent, que serve de referência às exportações angolanas, se estabeleça nos 90 dólares em 2020, segundo avança hoje o site da CNBC.

No entanto, hoje, o barril Brent está a sofrer uma das maiores quedas das últimas semanas, para os 78,80 USD, ou seja 1,30 % face a ontem, quarta-feira.

Esta queda resulta da percepção dos mercados de que a OPEP vai aumentar a produção em breve, o que pode ser decidido na reunião de Junho próximo, para repor a quebra prevista para a Venezuela e Irão, mas também em países como Angola ou a Nigéria, devido à falta de investimentos dos últimos anos.