Para tentar reduzir os danos de uma evidente má decisão, quando tinha acabado de se encontrar com Donald trump nos EUA, o Presidente ucraniano veio dizer publicamente que aceita reunir-se pessoalmente com Vladimir Putin "sem condições e em qualquer formato", mas pode ser tarde para Volodymyr Zelensky.
Quando Vladimir Putin informou, por telefone, o Presidente norte-americano sobre o ataque com drones à sua residência oficial, o que, neste patamar é o mesmo que um ataque ao próprio, sabia que não podia estar a inventar.
E a razão é simples: a Donald Trump bastava mandar a sua intelligentsia verificar, através das centenas de satélites que os EUA têm em permanência sobre a Rússia e a Ucrânia, a veracidade da informação.
Esse o motivo pelo qual as tentativas de Kiev em desmentir a informação, que foi primeiro veiculada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, sobre os 91 drones kamikaze lançados sobre a casa de Putin não obtiveram especial tracção nos media ocidentais.
A irritação que a má decisão ucraniana gerou em Donald Trump ficou clara quando este aproveitou um encontro, realizado poucas horas depois de ter recebido Zelensky na sua casa, em Miami, na Florida, com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, para dizer que não gostou nada de saber considerando um enorme erro de Zelensky "porque uma coisa é ser agressivo, outra coisa é atacar a casa do Presidente" russo.
Porém, a situação pode ser ainda mais grave porque, como notaram já alguns analistas, o ataque pode não ter sido do conhecimento do Presidente Zelensky, que estava a sair da casa de Trump, em Mar-a-lago, na Florida, onde se tinha encontrado há poucas horas com o Presidente americano, e ter sido orquestrado dentro do seu regime para lhe destruir o palco internacional e lhe dificultar a vida internamente, onde se prepara para em breve ter eleições.
Se tal cenário, como admite, entre outros, Larry Johnson, antigo analista da CIA e ex-membro da equipa anti-terrorista do Departamento de Estado dos EUA, se vier a verificar como correcto, Volodymyr Zelensky está em maus lençóis porque isso provaria que existem forças poderosas dentro de portas contra si.
Seja como for, o ataque à casa de Putin em Novgorod, uma região a noroeste de Moscovo, perto de Valdai, a localidade à beira do lago com o mesmo nome, onde se realiza anualmente o maior fórum internacional de discussão estratégica da Federação Russa, foi o ponto de partida para Sergei Lavrov, que, estranhamente, tem estado distante do palco das negociações sobre o conflito ucraniano, dizer que a "postura negocial de Moscovo vai mudar radicalmente".
E nem era preciso o Kremlin tomar a iniciativa, Volodymyr Zelensky fê-lo a partir de Kiev, com muita pressa, aproveitando um site até agora pouco conhecido, o Hromadske News, mas credível, porque foi citado de imediato pela Reuters, anunciando a sua disponibilidade para se reunir com Vladimir Putin quando este quiser, "sem condições em qualquer formato".
O que pode querer dizer que Zelensky está disponível para ir a Moscovo encontrar-se com Putin, como este já sugeriu no passado, embora nessa altura o ucraniano tenha anunciado um conjunto de exigências para se encontrar na Europa com o russo que tornariam esse encontro impossível. Não é o caso desta vez.
E é assim porque, como notam alguns analistas, Zelensky ouviu muito bem Sergei Lavrov e a sua porta-voz, Maria Zakharova, dizerem com todas as letras que o ataque à residência oficial do Presidente da Federação Russa iria ter uma "resposta adequada" que "não ser diplomática", podendo claramente esta frase ser traduzida por uma ameaça clara à Presidência ucraniana, em Kiev.
Esta escalada acontece num momento em que os EUA se afastam de forma gradual mas consolidadamente de Kiev, com menos apoio militar e financeiro, o que levou já Volodymyr Zelensky a vir admitir publicamente que se essa redução continuar "a Ucrânia está condenada a perder a guerra de forma desastrosa".
Esta frase de Zelensky ressoou com estrondo pelos corredores dos países europeus, que, sem capacidade de substituir os EUA no apoio a Kiev, estão perante o excruciante dilema de escolher começar a falar com os russos para recuperar tempo e protagonismo, como propôs o francês Emmanuel Macron, e a italiana Giorgia Meloni parece aceitar, ou arriscar deixar em escombros a economia europeia dando tudo aos ucranianos, como parece ser a opção do alemão Friedrich Merz e da presidente da Comissão Europeia, a também alemã Ursula Leyen.
Entretanto, igualmente a pairar sobre os governos ucraniano e dos seus aliados europeus está a garantia de Vladimir Putin de que a Rússia vai "conseguir todos os seus objectivos anunciados com a Operação Militar Especial, seja pela via negocial ou através de meios militares".
Para já, a Rússia parece estar a conseguir avançar em ambas as frentes, porque, se no campo diplomático, a basculação norte-americana para o lado russo dá ao Kremlin uma posição vantajosa, no terreno, os avanços das suas forças mostram claramente que os ucranianos estão em perda acelerada de capacidade de resistência.
Isto, ao mesmo tempo que se somam as notícias, estranhamente maioritariamente nos media ucranianos, com um silenciamento estratégico desta realidade nos media ocidentais, de dificuldades extremas no recrutamento de novos militares e com os milhares de deserções diárias que Kiev não consegue, há largos meses, repor...
Ainda relevante, nesta altura em que 2025 termina e dentro de cerca de dois meses esta fase da guerra, iniciada com a invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, faz quatro anos, e mais de 11 desde o golpe de Estado de 2014, quando as forças de Kiev começaram a atacar as províncias independentistas do Donbass após o derrube do Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, aparece a demonstração de poder militar russo como não se via há décadas.
Nestes últimos meses, Moscovo anunciou a entrada em acção do Oreshnik, um míssil hipersónico de múltiplas ogivas convencionais ou nucleares, sendo já conhecido o poder dos seus igualmente hipersónicos KInzhal e Zircon, ou os ainda por confirmar com solidez Burevestnik, com propulsão nuclear e autonomia ilimitada, ou a arma do Armagedão, o torpedo nuclear Poseidon, e já este fim de semana, o Kremlin anunciou que a Bielorrússia, país à beira da Europa central, já tem ali instalados dezenas de Oreshnik.
Não há uma correlação directa entre esta demonstração de poder russo e o "fade out" da fanfarronice europeia de ameaçar Moscovo com uma guerra aberta, como Macron, Merz e Ursula Leyen fizeram amiúde nestes quatro anos, mas isso e o facto de os Estados Unidos da América estarem em claro processo de saída de cena da Europa, especialmente do contexto do conflito ucraniano, podem ter contribuído para o baixar do tom ameaçador europeu.
E é também neste contexto que o Presidente Volodymyr Zelensky vem agora dizer que está disponível para um tête-à-tête com Vladimir Putin sem condições e em qualquer formato. Isto, sabendo o ucraniano que o russo só tem uma condição... a vitória russa, que se traduz unicamente pela soberania reconhecida das cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia), e 2022 (Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson).
E não é menos relevante a garantia sólida de que a Ucrânia jamais entrará na NATO, que permanece um país desmilitarizado (forças armadas limitadas por tratado) e que não haverá quaisquer presenças de forças ocidentais no país após esta guerra terminar, além do respeito pela língua, cultura e religião russas.
Tudo condições que Kiev, pelo menos até agora, apesar de alguns avanços e recuos no que toca aos territórios ocupados, nunca aceitou, mantendo, oficialmente, a exigência de entrar na NATO, expulsar as tropas russas de todos os seus territórios, exigindo ainda que Moscovo pague a reconstrução do país e os seus líderes, com Putin à cabeça, sejam julgados num tribunal internacional especial, tudo sob um chapéu militar dos EUA, que deslocariam milhares de soldados para a Ucrânia.
Resta saber se o erro estratégico cometido ao atacar a casa oficial de Putin não terá obrigado a mudar totalmente a bussola estratégica em Kiev do "Norte" de todas as exigências para o "Sul" da sobrevivência possível?










