Agora, horas depois da divulgação desse plano com 28 pontos (ver em baixo) por The New York Times, não é apenas uma certeza, a proposta conjunta de Moscovo e Washington está no centro de uma nova "guerra", desta feita entre os EUA, os seus aliados europeus e os ucranianos.

A notícia do plano caiu na quinta-feira, 20, como uma granada no palco mediático global, mas os estilhaços ainda não pararam, nesta sexta-feira, 21, de fazer vítimas, e uma das mais relevantes pode ser a histórica aliança atlântica entre EUA e a Europa Ocidental.

Ainda não havia confirmação oficial da Casa Branca e do Kremlin e em Bruxelas, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, já criticava o enlace russo-americano para definir as regras do "fim do jogo" na Ucrânia.

Kallas disse que "não pode haver negociações de paz sem a presença dos países europeus e da Ucrânia", lembrando que a União Europeia tem em curso um conjunto de medidas para continuar a apoiar Kiev na sua resistência ao "agressor".

Pela leitura dos media que nas últimas 24 horas dedicaram muito do seu fio noticioso a este momento que pode ser o princípio do fim do conflito no leste europeu, percebe-se que a reacção em Kiev mudou se comparada com tentativas anteriores de entendimento entre EUA e a Federação Russa.

É que se a Europa Ocidental, com ênfase para franceses, alemães e as chefias da União Europeia, seja a Comissão, seja o Conselho Europeu, estão a reagir com fúria e forte oposição ao que está no plano de 28 pontos, em Kiev e em Londres, já não é bem assim.

O principal aliado dos americanos na Europa Ocidental, o Reino Unido, está em profundo silêncio, numa clara postura de alinhamento com Washington, e a própria Ucrânia tirou a faca dos dentes e anunciou disponibilidade negocial para acabar com a guerra.

A reacção ucraniana mudou de tal maneira que o Presidente Volodymyr Zelensky, ao invés da costumeira recusa, alinhando com Paris, Berlim e Bruxelas, optou por dizer que está disponível para estudar o documento.

Segundo analistas ouvidos em canais dedicados a este conflito nas redes sociais, o documento foi entregue em mãos a Zelensky por militares americanos com uma mensagem clara de Donald Trump: É uma proposta irrecusável porque não haverá outra.

Ao fim de algumas horas a analisar a proposta de paz elaborada pelos homens de confiança de Trump, Steve Witkoff, e de Vladimir Putin, Kirill Dmitriev, o Presidente ucraniano reagiu positivamente embora pedindo um encontro com o Presidente dos EUA.

O que pretende Zelensky com um encontro com Trump não é difícil de adivinhar, porque entre os 28 pontos da proposta russo-americana, a que os europeus e ucranianos se referem apenas como "proposta amerciana", estão concessões dramáticas para Kiev.

Desde logo, a perda de territórios, incluindo as duas regiões do Donbass, Lugansk e Donetsk, na íntegra, a Crimeia na totalidade e os territórios que os russos ocupam neste momento em Kherson e Zaporizhia, em ambos os casos acima dos 75%.

Além disso, sendo que tanto Trump como Putin parecem, desta feita, estar alinhados na ideia inamovível de que nenhum dos pontos é negociável, pelo menos os centrais para Moscovo, a Ucrânia perderá capacidade militar, manter-se-á neutral e fora da NATO, e, entre outros pontos conhecidos há muito como linhas vermelhas russas, no que restar do país no pós-conflito, a religião, língua e cultura russas serão respeitadas.

Volodymyr Zelensky, no seu vídeo diário, disse que a Ucrânia nada fará para fazer descarrilar esta "oportunidade para a paz", embora com um forte sublinhado para a reunião que considera fundamental com Trump "nos próximos dias".

"A Ucrânia precisa de paz e tudo fará para que ninguém em lado nenhum do mundo possa dizer que os ucranianos estão a impedir os caminhos da diplomacia para acabar com o conflito", disse, acrescentando que dele ninguém ouvira depoimentos agressivos.

Ora, perante esta evolução dos acontecimentos, que foram acelerados no meio de um périplo de Zelensky por vários países europeus onde assinou contractos para a compra de material de guerra, incluindo o gigantesco negócio de aquisição de 100 aviões Rafale F4 à França, a questão é: como se chegou aqui sem que ninguém tenha percebido o que russos e americanos estavam a fazer em segredo?

E a resposta é simples: muito do foguetório ouvido e visto entre Washington e Moscovo era apenas para distrair porque ambas as partes estavam a elaborar um documento sólido e impermeável a alterações que reflecte o que Donald Trump e Vladimir Putin acertaram na reunião histórica de 15 de Agosto em Anchorage, no Alasca.

Este plano surpreendeu não apenas Kiev, deixou de boca aberta os europeus que, rapidamente, procuraram por todos os meios desmantelar os propósitos de Putin e Trump através da agressiva declaração da chefe da diplomacia europeia onde esta garante que tal plano de paz não é exequível sem o punho europeu na sua definição final.

É que, como está a ser sublinhado por todos os quadrantes, pró-russos e pró-ucranianos, o plano Trump-Putin responde de forma quase total às exigências russas conhecidas já desde Julho de 2024, e pouco diferem das que Moscovo inseriu no draft aceite por Kiev nas negociações de Istambul, meses após a invasão russa de Fevereiro de 2022.

Em suma, a Rússia apenas "cede" em parte da soberania de Kherson e Zaporizhia, que corresponde às zonas destas regiões ainda sob domínio ucraniano, embora nas últimas semanas essa geografia esteja a encolher rapidamente devido aos avanços das forças russas.

Além desta "cedência" territorial russa, porque Kherson e Zaporizhia são, do ponto de vista russo, já totalmente parte da Federação e terão agora de resolver esse imbróglio juridicamente, Moscovo pagará ainda cerca de 100 mil milhões USD para a reconstrução da Ucrânia a retirar do dinheiro congelado pelos europeus no âmbito das sanções aplicadas.

Apesar de Moscovo sair por cima deste conflito, com mais ganhos que perdas, Kiev não deixará de ter alguns argumentos para que, usando a gigantesca máquina de propaganda que integra a generalidade dos media ocidentais, poder "vender" a ideia de que conseguiu ganhos substantivos negociais com Trump se este aceitar receber de novo Zelensky na Casa Branca.

E uma das pontas desse novelo propagandístico seria sempre o facto de a Rússia não ter conseguido controlar a integridade do território ucraniano e a Ucrânia manter-se como Estado independente, viável e soberano com entrada "garantida" na União Europeia.

A favor da aceitação em Kiev desta proposta desequilibrada, na perspectiva europeia, é que Zelensky está mergulhado numa teia que o pode sufocar politicamente se não a sacudir com a paz.

É o escândalo da corrupção que envolve alguns dos seus principais aliados dentro do seu círculo próximo, e o facto de estar há mais de ano e meio fora do calendário eleitoral para renovar o seu mandato, sendo que as sondagens existentes estão longe de lhe serem favoráveis.

Segundo a russa RT, o plano e os seus 28 pontos foram já divulgados pelos deputados ucranianos.

Eis os 28 pontos divulgados pela RT, traduzidos pelo Google Tradutor:

1.º A soberania da Ucrânia será confirmada.

2.º Será concluído um acordo de não agressão completo e abrangente entre a Rússia, a Ucrânia e a Europa. Todas as ambiguidades dos últimos 30 anos serão consideradas resolvidas.

3.º Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos e que a NATO não se expanda ainda mais.

4.º Será conduzido um diálogo entre a Rússia e a NATO, mediado pelos Estados Unidos, para resolver todas as questões de segurança e criar condições para a desescalada, garantindo assim a segurança global e aumentando as oportunidades de cooperação e desenvolvimento económico futuro.

5.º A Ucrânia receberá garantias de segurança fiáveis.

6.º O tamanho das Forças Armadas da Ucrânia será limitado a 600.000 militares.

7.º A Ucrânia concorda em consagrar na sua Constituição que não aderirá à NATO, e a NATO concorda em incluir nos seus estatutos uma disposição de que não aceitará a Ucrânia no futuro.

8.º A NATO concorda em não enviar tropas para a Ucrânia.

9.As aeronaves de combate europeias serão estacionadas na Polónia.

10.º Garantias dos EUA: Os Estados Unidos receberão uma compensação pela garantia. Se a Ucrânia invadir a Rússia, perderá a garantia. Se a Rússia invadir a Ucrânia, para além de uma resposta militar decisiva e coordenada, todas as sanções globais serão restabelecidas, o reconhecimento de novos territórios e todos os outros benefícios deste acordo serão revogados. Se a Ucrânia, sem motivo, lançar um míssil contra Moscovo ou São Petersburgo, a garantia de segurança será considerada inválida.

11.º A Ucrânia mantém o direito à adesão à UE e receberá acesso preferencial de curto prazo ao mercado europeu enquanto a questão estiver em análise.

12.Um pacote global robusto de medidas para a reconstrução da Ucrânia, incluindo, entre outras:

a. Criação de um Fundo de Desenvolvimento da Ucrânia para investir em setores de elevado crescimento, incluindo tecnologia, centros de processamento de dados e inteligência artificial.

b. Os Estados Unidos irão cooperar com a Ucrânia na reconstrução, desenvolvimento, modernização e operação conjuntas da infra-estrutura de gás da Ucrânia, incluindo gasodutos e instalações de armazenamento.

c. Esforços conjuntos para restaurar os territórios afectados pela guerra, incluindo a reconstrução e modernização de cidades e áreas residenciais.

d. Desenvolvimento de infraestruturas.

e. Extração de minerais e recursos naturais.

f. O Banco Mundial irá desenvolver um pacote de financiamento especial para acelerar estes esforços.

13.º A Rússia será reintegrada na economia global:

a. O levantamento das sanções será discutido e acordado de forma gradual e individual.

b. Os Estados Unidos concluirão um acordo de cooperação económica de longo prazo com o objectivo de desenvolvimento mútuo nas áreas da energia, recursos naturais, infra-estruturas, inteligência artificial, centros de processamento de dados, projectos de mineração de terras raras no Árctico e outras oportunidades empresariais mutuamente benéficas.

c. A Rússia será convidada a regressar ao G8.

14.º Os activos congelados serão utilizados da seguinte forma: 100 mil milhões de dólares em activos russos congelados serão investidos em esforços de reconstrução e investimento liderados pelos EUA na Ucrânia. Os Estados Unidos receberão 50% dos lucros desta iniciativa. A Europa contribuirá com mais 100 mil milhões de dólares para aumentar o investimento total disponível para a reconstrução da Ucrânia. Os activos europeus congelados serão descongelados. Os restantes activos russos congelados serão investidos num veículo de investimento russo-americano separado, que implementará projectos conjuntos russo-americanos em áreas a determinar. Este fundo terá como objectivo fortalecer as relações bilaterais e aumentar os interesses comuns, de forma a criar uma forte motivação para não regressar ao conflito.

15.º Será estabelecido um grupo de trabalho conjunto russo-americano sobre questões de segurança para facilitar e garantir o cumprimento de todas as disposições do presente acordo.

16.º A Rússia consagrará na lei uma política de não agressão em relação à Europa e à Ucrânia.

17.º Os Estados Unidos e a Rússia acordarão em alargar a validade dos tratados sobre a não proliferação de armas nucleares e o controlo de armas, incluindo o START-1.

18.º A Ucrânia concorda em permanecer um Estado não nuclear, em conformidade com o Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares.

19.º A Central Nuclear de Zaporozhye será reiniciada sob a supervisão da AIEA, e a electricidade gerada será igualmente dividida entre a Rússia e a Ucrânia (50:50).

20. Ambos os países se comprometem a introduzir programas educativos nas escolas e na sociedade que promovam a compreensão e a tolerância para com as diferentes culturas e a eliminação do racismo e do preconceito:

a. A Ucrânia adoptará as normas da UE sobre a tolerância religiosa e a protecção das minorias linguísticas.

b. Ambos os países concordam em revogar todas as medidas discriminatórias e em garantir os direitos dos meios de comunicação social e da educação ucranianas e russas.

c. Toda a ideologia e atividade nazi devem ser rejeitadas e proibidas.

21. Territórios:

a. A Crimeia, Lugansk e Donetsk serão reconhecidas de facto como russas, inclusive pelos Estados Unidos.

b. Kherson e Zaporozhye serão congeladas ao longo da linha de contacto, o que significará um reconhecimento de facto ao longo da linha de contacto.

c. A Rússia renuncia a outros territórios (provavelmente referindo-se a partes das regiões de Kharkov, Sumy e Dnipropetrovsk - Ed.) que controla fora das cinco regiões.

d. As forças ucranianas retirarão da parte da região de Donetsk que actualmente controlam; esta zona de retirada será considerada uma zona tampão neutra e desmilitarizada, internacionalmente reconhecida como território pertencente à Federação Russa. As forças russas não entrarão nesta zona desmilitarizada.

22.º Após a definição de futuros acordos territoriais, tanto a Federação Russa como a Ucrânia comprometem-se a não alterar estes acordos pela força. Quaisquer garantias de segurança não se aplicarão em caso de violação deste compromisso.

23.º A Rússia não obstruirá a utilização comercial do rio Dniepre pela Ucrânia, e serão assinados acordos sobre o livre transporte de cereais através do Mar Negro.

24.º Será criado um comité humanitário para resolver as questões pendentes:

a. Todos os prisioneiros e corpos restantes serão trocados segundo o princípio de "todos por todos".

b. Todos os civis detidos e reféns serão devolvidos, incluindo crianças.

c. Será implementado um programa de reunificação familiar.

d. Serão tomadas medidas para aliviar o sofrimento das vítimas do conflito.

25.º A Ucrânia realizará eleições 100 dias após a assinatura do acordo.

26. Todas as partes envolvidas no conflito receberão amnistia total pelas ações cometidas durante a guerra e comprometem-se a não apresentar queixas ou reclamações no futuro.

27.º Este acordo será juridicamente vinculativo. A sua implementação será monitorizada e garantida por um Conselho de Paz chefiado pelo Presidente Trump. As sanções predeterminadas serão aplicadas em caso de violações.

28.º Assim que todas as partes concordarem e assinarem este memorando, o cessar-fogo entrará em vigor imediatamente após ambas as partes se retirarem para as posições acordadas, para que a implementação do acordo possa começar.