Em declarações à Lusa via email, uma vez que se encontra em trabalho de investigação no Brasil, Paulo Mendes Pinto, coordenador da Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, argumentou que, aos já existentes antagonismos entre tribos, "a religião passa a ser um elemento ainda mais explosivo na equação".

"Não se pode falar numa guerra entre as duas religiões. Há pontos de crescente tensão, devido, quer a uma islamização por vezes forçada e feita contra comunidades cristãs, quer a um replicar das tensões étnicas no espaço religioso, devido à divisão desses grupos entre religiões", sustentou.

Para Mendes Pinto, a islamização tem, por vezes, "uma dimensão de força" na medida em que mobiliza meios financeiros vindos de regiões estrangeiras, obrigando a uma apresentação de resultados, de conversões, para se manter enquanto "torneira" que "alimenta caciques locais e regionais".

"Além de criar confronto com as vizinhanças religiosas, esta voragem de converter leva a uma demonização do outro, uma das técnicas mais antigas de conversão pelo medo", sublinhou o académico português.

Por essa razão, explicou, o cada vez maior extremismo religioso em África tem na base um "vastíssimo quadro de razões".

"É o oportunismo de forças externas na islamização rápida e com fraca cultura, a desagregação, quer dos poderes estatais, quer dos tribais tradicionais, a extrema pobreza e a fragilidade cultural e social das populações", justiçou Mendes Pinto.

Questionado sobre como se poderá combater o extremismo religioso em África em países onde a acção do grupo Estado Islâmico, a Al-Qaida, o Boko Haram ou ainda o Al-Shebab (como, por exemplo no Mali, Nigéria, República Centro-Africana, Sudão, Etiópia ou Somália, entre outros), Mendes Pinto responde que muito passa pela formação sólida dos líderes religiosos.

"A formação sólida dos líderes religiosos é o único garante junto das comunidades como peça de proximidade", assegurou.

"Cabe aos líderes muçulmanos erradicar as interpretações descontextualizadas do Alcorão, de forma a poderem melhor divulgar entre os crentes o Islão como religião de Paz, não o radicalismo, qualquer que seja", argumentou.

Criou-se uma interpretação do Alcorão descontextualizada, errada e violenta

Para Mendes Pinto, no início do século XXI ocorreram "acontecimentos dramáticos" que "mudaram a história da Humanidade", sendo que muitos deles foram associados ao "terrorismo Islâmico', desenvolvido por grupos que combateram a extinta União Soviética no Afeganistão.

"Depois, criou-se uma interpretação do Alcorão descontextualizada, errada e violenta, que é utilizada contra os muçulmanos e restante sociedade civil", explica Mendes Pinto, que criou, na Universidade Lusófona, o curso de Pós-Graduação em Liderança Islâmica.

"A formulação deste curso segue a linha de prioridades já definidas por vários Estados para obrigar os líderes Islâmicos a frequentar cursos de especialização e de, apenas com esses cursos, poderem liderar as comunidades", justifica Mendes Pinto para lembrar a necessária "solidez" da formação desses responsáveis.

Considerando o curso "um passo inovador", Mendes Pinto adverte que a formação é feita de forma a que não seja vista pelos líderes muçulmanos como "uma imposição externa".