Nunca, na história moderna dos Estados Unidos da América, se viu algo parecido ao que sucedeu na quarta-feira, durante a sessão do Congresso onde Representantes e Senadores, os membros das câmaras baixa e alta do "Parlamento norte-americano estavam a votar para ratificar a decisão do Colégio Eleitoral que a 14 de Dezembro tinha confirmado por larga vantagem - 306 contra 232 - a vitória de Joe Biden e Kamala Harris nas eleições presidenciais de 03 de Novembro.

Tudo começou quando, momentos antes da votação no Congresso, numa sessão presidida pelo vice-Presidente Mike Pence, o ainda Presidente Donald Trump - que deixa o cargo a 20 de Janeiro próximo -, num comício ao lado da Casa Branca, em Washington, mesma cidade onde está o Capitólio, incentivou os milhares de apoiantes que o ouviam a avançar em força para o Congresso e imporem a sua presença para dar corpo ao que chama de "vitória eleitoral roubada".

Dito e feito, e momentos depois o mundo, com a transmissão deste episódio caótico a ser transmitido em directo para todos os continentes, assistia ao impensável e os congressistas foram obrigados a esconder-se e a colocar máscaras de gás lacrimogéneo porque a polícia usou gás para controlar a turba que invadia o edifício, tendo mesmo de recorrer a armas de fogo, daí resultando a morte de uma mulher que fazia parte da "invasão", como lhe chamou Joe Biden.

O Presidente eleito apelidou ainda estes acontecimentos de "sedição", o sinónimo de "sublevação ou revolta" que em termos políticos históricos conduz para a ideia de tomada do poder por meios violentos e à margem da Constituição.

Confrontada com uma massa humana incapaz de controlar, como as imagens nas televisões o deixam em evidência, as várias dezenas de elementos da polícia e dos serviços secretos deslocaram-se para o interior do Capitólio, seguidos da turba, levando a que os senadores e representantes tivessem de fugir em debandada, muitos deles procurando refúgio debaixo das mesas, com máscaras de gás colocadas...

Pouco depois, a Guarda Nacional, o corpo de reserva do Exercito dos Estados Unidos, chegava ao local e posicionou-se em redor do edifício, fazendo uma barreira para manter os tumultos afastados dos Congressistas que depois reocuparam os trabalhos e acabaram por ratificar os resultados das eleições de 03 de Novembro, confirmando assim a derrota histórica e humilhante de Trump, um dos raros Presidentes que não conseguiu fazer-se reelger para um segundo mandato, sendo o último antes dele George H. Bush, em 1992.

Durante o trabalho policial que se seguiu ao período de maior incandescência, os agentes da polícia encontraram várias bombas artesanais escondidas nas imediações das sedes dos partidos Democrata e Republicano, e ainda viaturas com armas e engenhos explosivos dentro nas imediações do Congresso, o que deixa, segundo analistas citados pela imprensa norte-americana, adivinhar que os revoltosos estariam a pensar em neutralizar igualmente os partidos político, naquilo que pode configurar uma tentativa de golpe de estado.

Só cerca de cinco horas após o início do caos é que as forças de segurança declararam o Capitólio livre de perigo embora tenha sido decretado o recolher obrigatório em Washington.

A reacção de Joe Biden, aquela que mais importava, apesar de terem sido feitas declarações de repúdio internamento, como de ex-Presidentes, de Barack Obama a Bill Clinton, e em todo o mundo, disse que a "invasão" do Capitólio foi "um ataque sem precedentes à democracia" perpetrado pelo Presidente ainda em exercício, Donald Trump, que incentivou de forma directa e deliberada os seus milhares de apoiantes radicais a isso.

Em directo, nas primeiras declarações à imprensa, Joe Biden exigiu que Donald Trump fosse à televisão ordenar aos seus apoiantes que fossem para casa porque, numa expressão que deverá ficar para a história, afirmou repetida e sonoramente, "Já basta!, já basta!, já basta!".

A ordem foi ouvida por Trump, parcialmente, porque este foi efectivamente dizer publicamente para os seus rapazes voltarem a casa mas repetiu a ideia desfasada, da realidade material, de que ganhou as eleições e que Joe Biden não é o Presidente eleito mas sim o Presidente imposto por uma fraude massiva.

No Congresso, entretanto, vários membros tornaram pública a denúncia de que se tratou de uma tentativa de golpe de estado por parte de apoiantes de Donald Trump.

"É tentativa de golpe de Estado incentivada pelo criminoso da Casa Branca mas está condenada a fracassar", defendeu, um entre vários que o fizeram também, o democrata William Pascrell nas redes sociais.

Entretanto, já depois de o Congresso ter ratificado por uma larga maoria a eleição da dupla Biden/Harris, o ainda Presidente Trump veio, em comunicado, garantir uma transição de poder pacífica, ainda estavam quentes as ruas de Washington à volta do Capitólio depois de ter sido tomado de assalto por milhares de apoiantes de... Donald Trump.

Senado nas mãos dos democratas

Entretanto, na Geórgia, onde se votou para eleger os derradeiros dois lugares em falta para concluir a eleição dos 100 senadores, ambos os candidatos dos democratas foram eleitos, o que deu uma reforçada vitória e em toda a linha a Joe Biden e Kamala Harris, esta última de forma especial porque, na qualidade de vice-Presidente vai ter agora, porque os 100 lugares ficaram 50 em cada lado, de gerir e desempatar em todas as votações neste órgão do Congresso dos EUA.

Jon Ossoff, com 33 anos, o mais jovem senador de sempre, e Raphael Warnock, o primeiro negro a ser eleito pela Geórgia, fizeram história ao garantir a derrota dos dois candidatos apoiados por Donald Trump.