Apesar de a Constituição o impedir de concorrer a um terceiro mandato, este anúncio de Lambert Mende pode ser a confirmação de que Kabila está consciente de que não tem condições para procurar, através de expedientes, como uma alteração forçada à Constituição, manter-se no poder através de eleições.

No entanto, se as eleições forem efectivamente realizadas em Dezembro deste ano, Kabila completará dois anos no poder sem mandato das urnas para tal, porque o seu segundo e último mandato sucessivo permitido pela lei fundamental do país terminou em Novembro de 2016 e as eleições para o substituir deveriam ter sido realizadas no mês seguinte.

Estes dois anos de "bónus" no poder conseguidos por Joseph Kabila saíram da instabilidade no país que muitos analistas dizem ter sido alimentada pelo próprio como expediente para justificar o adiamento das eleições gerais, mas também pelas guerrilhas estrangeiras que disputam as fortunas do subsolo congolês, ou por milícias locais que podem ter sido manipuladas para o efeito.

Recorde-se que os sinais de que Kabila pretendia voltar a candidatar-se são evidentes, como sucedeu em Janeiro de 2015, quando a sua Maioria Presidencial (MP) anunciou que iria avançar com uma proposta de alteração à Constituição para permitir que o seu líder pudesse voltar a concorrer.

Voltou atrás com a intenção depois de dezenas de tumultos nas ruas que provocaram mais de 100 mortos entre os manifestantes que não aceitavam que essa alteração constitucional fosse adiante.

Mas foi em 2016, último ano do seu segundo mandato que a RDC viveu um dos piores períodos de violência política desde que Joseph chegou ao poder, em 2011, substituindo o seu pai, Laurent Kabila, assassinado por um dos seus guarda-costas.

Entre Setembro e Dezembro desse ano, em duas manifestações a exigir a saída de Kabila do poder no terminus do mandato, morreram cerca de 250 pessoas e só um acordo de última hora, intermediado pelos bispos católicos, permitiu à MP de Kabila e à oposição acertarem agulhas para que as eleições tivessem lugar em Dezembro de 2017, pondo fim à violência nas ruas de Kinshasa.

Já em finais de 2017, quando se percebeu que não iriam ser realizadas as eleições na data acordada com a oposição, as manifestações voltaram, desta feita organizadas por associações católicas, claramente contra Kabila, a ponto de o Cardeal Monsengwo, líder da igreja católica congolesa, ter acusado o Chefe de estado de ser um criminoso pela forma como atirou as forças de segurança contra religiosos pacíficos. Mais de duas dezenas morreram.

Face a este anúncio de Lambert Mendes, ministro das Comunicações no Governo de Kabila, citado pelo The Guardian, que afirmou que o "chefe" estava decidido a sair agora, "porque a RDC não é uma monarquia e não há herdeiros do poder", os analistas mais chegados à oposição estão a assumir que está em curso uma mudança no jogo de forças que pode envolver a comunidade internacional.

A ONU e a União Africana, passando pelos países europeus mais próximos de Kinshasa em termos históricos, como a Bélgica e a França, tem sublinhado não existir mais espaço para novos adiamentos das eleições.

Agora, com esta reviravolta, fica por saber se Kabila vai escolher, publicamente ou nos bastidores, um candidato-fantoche, cuja campanha, como estão a alertar alguns membros ligados à oposição, poderá financiar, como forma de manter, por vias travessas, as rédeas do poder e a defesa dos seus enormes interesses familiares nos negócios e na economia nacional, onde é dono de largas participações nas maiores empresas do país, nomeadamente nas telecomunicações e no sector mineiro.