O anúncio do dia 23 de Dezembro de 2018 para a realização das eleições gerais na RDC significa que o actual Chefe de Estado ocuparia o cargo mais dois anos que aquilo que a Constituição do país permite, tendo em conta que o seu segundo e último mandato consecutivo possível terminou em Dezembro de 2016.

A não realização das eleições gerais - presidenciais, legislativas e provinciais - na data legalmente estipulada, 22 de Dezembro de 2016, foi o mote para algumas das mais violentas e mortíferas manifestações a que a RDC assistiu desde o fim da guerra civil, no início do século, tendo, só em Kinshasa, feito mais de uma centena de vítimas mortais e centenas de feridos entre manifestantes e elementos das forças de segurança.

A vaga de violência contestatária ao protelamento da ida às urnas só foi estancada quando, a 31 de Dezembro do ano passado, a oposição, então liderada pelo histórico Etienne Tshisekedi, da UDPS, assinou um acordo com a Maioria Presidencial (MP) de Joseph Kabila, remarcando as eleições para Dezembro deste ano.

Nesse acordo, negociado pelos bispos católicos congoleses , a oposição aceitava que Kabila se mantivesse no poder por mais um ano e este comprometeu-se a realizar as eleições dentro de um prazo máximo de um ano a partir da data da assinatura do documento.

Face a este novo calendário eleitoral, e apesar de a União Africana, e países como os EUA, já terem vindo a público dizer que o aceitam, sob condições, como ser a última vez que a data é mexida, a oposição volta agora a ameaçar com o retomar das manifestações e a expulsão pela força de Kabila do poder.

Isso mesmo, de forma mais ou menos velada, prometem os três movimentos da oposição, que agregam mais de 90 por cento do partidos congoleses, a mais importante e representativa, que é a plataforma "Rassemblement", a União da Nação Congolesa e o Movimento para a Libertação do Congo.

Estas três forças políticas divulgaram comunicados nas últimas horas onde acusam Kabila de manobrar de forma "fraudulenta" a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) para, através de expedientes, "se perpetuar no poder", vincando a convicção de que o ainda Presidente não tem "qualquer intenção de deixar o poder", apenas pretende fazer de conta que isso irá acontecer com este novo calendário eleitoral.

A violência sempre à espreita

Recorde-se que nas seis décadas de independência, o gigante africano nunca conseguiu uma transição pacífica de poder, tendo, em todas as vezes que isso aconteceu, gerado alguns dos mais mortíferos conflitos internos e com abrangência regional do continente.

E, mais uma vez, essa possibilidade começa a ganhar forma, como já o afirmou Félix Tshisekedi (na foto), líder do "Rassemblement" e filho do histórico Etienne Tshisekedi, que morreu em Fevereiro deste ano, tendo sido substituído pelo seu filho, quando, logo que se conheceu o novo calendário, como o NJovo Jornal Online noticiou, prometeu iniciar uma "caça a Kabila" para o correr do poder.

E, lendo a imprensa congolesa fora da malha de controlo do poder, a organização de novas e gigantescas manifestações já é um dado quase adquirido se as eleições e a saída de Kabila do poder não acontecer até 31 de Dezembro próximo.

Entretanto, claramente temendo um recrudescer da instabilidade na RDC, a União Africana e os Estados Unidos - faltando o importante pronunciamento da ONU - já disseram aceitar esta data, sublinhando que é a última vez que a data pôde ser alterada.

Por detrás desta aceitação por parte da União Africana, que tem nos seus importantes documentos estruturantes, como a carta africana, uma clara firewall para os contornos ilegais às exigências das democracias nos Estado-membros, está o risco por todos conhecido de alastramento da instabilidade congolesa ao continente.

Isso resulta da geografia e porosidade fronteiriça do mais conturbado e um dos maiores países africanos, com nove fronteiras, algumas das quais com alguns dos países mais instáveis no continente, como o Sudão do Sul, ou a RCA, ou ainda o Burundi, o Uganda e o Ruanda.

De registar que a Maioria Presidencial de Kabila também já veio a público dizer que aceita este novo calendário e que se trata de um importante momento para garantir a estabilidade no país.

Falta Joseph Kabila garantir que não está a preparar nenhum expediente para tentar candidatar-se nessas eleições, se a data vier a ser aceite pela oposição, a um terceiro mandato, até porque, uma das mais violentas manifestações contra ele ocorreu em Janeiro de 2015 quando o seu partido to9rnou pública a ideia de alterar a Constituição para permite que fosse candidato pela terceira vez consecutiva.

Kabila está no poder desde 2001, quando assumiu o lugar do seu pais, Laurent-Désiré Kabila, assassinado por um dos seus guardas ao serviço de grupos de guerrilha, que, por sua vez, já tinha assumido o poder depondo de forma violenta o ditador Mobutu Sese Seko, em 1997.