Durante dois dias, quarta-feira e quinta-feira desta semana, 17 e 18 de Dezembro de 2025, os 27 países da UE fizeram a História que não queriam mas aconteceu, ao não conseguirem chegar a acordo para usarem o dinheiro russo congelado no Euroclear, uma espécie de banco com sede em Bruxelas, na Bélgica, onde o mundo deposita dinheiro com o objectivo, entre outras valias, de facilitar transacções internacionais com segurança.
E os mais de 240 mil milhões de euros que a Federação Russa ali tinha depositados antes do início da invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022, foram a primeira medida retaliatória dos europeus contra Moscovo, começando desde logo por usar os juros deste montante, mais de 10 mil milhões, segundo algumas fontes, para enviar aos ucranianos como financiamento para a guerra com Moscovo.
Porém, a ideia foi sempre encontrar forma de usar o total desta verba (ver links em baixo) para entregar ao regime ucraniano para poder continuar a resistir aos avanços russos sobre o leste da Ucrânia, sem prejudicar o prestígio e a segurança do Euroclear a ponto de o resto do mundo passar a desconfiar de que os seus depósitos poderem estar em risco no caso de um qualquer diferendo com a União Europeia.
Com a oposição da Bélgica e de pelo menos mais cinco países, Hungria, Eslováquia e Chéquia, Itália e Malta, as lideranças europeias, com forte apoio da Alemanha. França e Países Baixos, entre outros, não conseguiram o objectivo inicial de usar as verbas russas para financiar Kiev, o que deixou um sério problema nas mãos dos aliados europeus da Ucrânia, porque, como o Presidente Zelensky tinha avisado antes, sem esse dinheiro, o país ficaria numa situação de iminente colapso financeiro e militar.
A solução acabou por aparecer já noite dentro entre quinta-feira e sexta-feira, 19, com os estados-membros da União Europeia a concordar, por maioria, com a oposição de três países, no recurso a meios próprios para garantir o envio de 90 mil milhões de euros para Volodymyr Zelensky, que vai custar entre os dois a três mil milhões aos pequenos países como Portugal e os 10 a 12 mil milhões dos maiores, como a Alemanha.
Este dinheiro, que será conseguido através de um empréstimo com base no Orçamento da UE, sustentado por todos os países do bloco, é superior em perto de 20 mil milhões USD que o PIB de Angola, vai servir para sustentar o esforço de guerra da Ucrânia para os próximos dois anos.
Nas reacções a esta solução de compromisso, longe das expectativas iniciais, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o mais férreo defensor do uso do dinheiro russo, até porque a Alemanha atravessa a mais grave crise económica em décadas devido à perdas de acesso á energia barata russa no âmbito das sanções ocidentais a Moscovo, disse que "no fim foi possível enviar um sinal muito forte a Moscovo" da vontade dos aliados de Kiev em não ceder.
A presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, coincidiram no raciocínio de Merz, enquanto o francês Emmanuel Macron, outro forte apoiante do uso do dinheiro russo, e um dos derrotados nessa senda, admitiu ser a "solução mais realista" embora não a melhor para financiar Kiev.
E o próprio Zelensky, claramente optimista no discurso mas um dos derrotados da noite, ao não conseguir aceder aos dinheiros do Kremlin, porque sabe, como notam vários analistas, que esta solução pode gerar uma diluição do apoio a Kiev no seio da União Europeia devido aos custos desse mesmo apoio, e eventuais refluxos no suporte popular à Ucrânia, enalteceu a solução encontrada porque vai permitir continuar a combater os invasores.
E numa primeira reacção, que chegou pela boca de Kirill Dmitriev, o conselheiro económico especial do Kremlin, citado pela TASS, a agência de notícias oficial da Rússia, a decisão europeia em não usar o dinheiro russo depositado no Euroclear "é o triunfo da lei e do senso comum".
Dmitriev avançou ainda, na rede social X, que é "um enorme fracasso europeu nas suas expectativas" porque ao ter falhado o "esquema ilegal de apropriação dos fundos russos" pretendido pelos apoiantes da guerra e aliados de Kiev é "uma enorme vitória da lei internacional".
O desfecho agora conhecido vai, sem dúvida, influir no processo de negociações de paz que está a decorrer entre Moscovo e Washington, por um lado, e Washington e Kiev, com a perturbação permanente dos aliados europeus da Ucrânia, que querem estar presentes nas negociações contra a vontade de russos e norte-americanos, e que, provavelmente, terão agora "comprado" o acesso à sala principal com estes 90 mil milhões de euros.
Isso e uma garantia de que Kiev passa a contar com dinheiro fresco que lhe permite assegurar os custos de manutenção do conflito por, pelo menos, mais um ano, porque esta verba dificilmente chegará para os dois anos de conflito pretendidos pelos europeus, quando se sabe que no terreno a Rússia está claramente em vantagem e a ganhar posições sobre as trincheiras ucranianas ao longo dos mais de 1.200 kms de linha da frente.
E a meio da manhã desta sexta-feira, 19, hora de Luanda, o Presidente russo Vladimir Putin, na sempre muito aguardada conferência de imprensa alargada anual, como nos anos anteriores estará durante horas a abordar todos os assuntos, em Moscovo, afirmou que os europeus não conseguiram concretizar aquilo que seria "um descarado roubo" e o insucesso nesse "roubo" deveu-se ao facto de que "a vida nunca é fácil para os ladrões" depois de o concretizarem.












