Com este anúncio, o TC não só oficializa os resultados que a Comissão Eleitoral Independente (CENI) já tinha avançado mas, e essa é a questão mais melindrosa no rescaldo da votação de 30 de Dezembro, ignora os veementes apelos das principais organizações africanas, com a União Africana (UA) no topo da lista, no sentido de protelar o anúncio dos resultados definitivos até que uma clarificação esteja garantida.

Como pano de fundo para aquilo que pode ser o abrir da porta a mais um período de fortes convulsões e violência no Congo, estão as fortes dúvidas geradas em torno dos resultados oficiais que fazem de Félix Tshisekedi o novo Chefe de Estado da RDC, substituindo Joseph Kabila, que ocupou o cargo durante os últimos 18 anos.

Se a CENI declarou Félix Tshisekedi vencedor com 38,57% dos votos e atribuiu a Martin Fayulu 34,85%, uma análise aos dados recolhidos das máquinas de voto electrónico, e a partir das contas recolhidas pelos 40 mil observadores eleitorais da igreja católica congolesa, Conferência Episcopal (CENCO), publicada por media internacionais, vai literalmente em sentido contrário, dando a vitória a Fayulu com mais de 60 por cento dos votos, relegando Tshisekedi para um distante 2º lugar, com cerca de 20 por cento.

Face a este cenário de sólidas dúvidas, depois de terem sido noticiados fortes indícios de que Joseph Kabila, para garantir que continuará a influenciar os destinos do país, onde ele e a sua família possuem enormes interesses financeiros, tinha feito um acordo com Tshisekedi para lhe garantir, através da manipulação da CENI e dos seus dados, a vitória, as três grandes organizações pan-africanas e regionais, a União Africana, a SADC e a Conferência Internacional das Região dos Grandes Lagos (CIRGL), reuniram de urgência para procurar bloquear o caminho para o precipício em que a RDC se encontra.

A União Africana foi a mais clara ao exigir a paragem do processo eleitoral, suspendendo o anúncio dos resultados oficiais, anunciado o envio de uma missão de alto nível, encabeçada pelo Presidente Paul Kagame, a Kinshasa, sendo apoiada, com menos ímpeto pela SADC, e com igual peso, pela CIRGL neste esforço.

A resposta do regime de Joseph Kabila, dada através do seu porta-voz, Lambert Mendes, foi de recusa frontal das pretensões da UA, sublinhando a independência do Tribunal Constitucional, que, por sua vez, foi rápido a confirmar Félix Tshisekedi na Presidência, o que é lido como uma resposta à UA no sentido do curso da história na RDC e um recado para ficar de fora das questões políticas internas congolesas.

Fayulu não aceita derrota e apela ao protesto

O candidato Martin Fayulu, que surgiu nestas eleições com o apoio de duas das mais influentes figuras da oposição congolesa, o "senador" e antigo Vice-Presidente, Jean-Pierre Bemba, e o antigo governador do Katanga e milionário homem de negócios, Moise Katumbi, ambos impedidos pelo regime de Kabila de ir a votos através de expedientes, saiu de imediato à rua para dizer que não aceita a derrota.

Mais: não aceita a derrota e considera ser o legítimo Presidente da RDC, pedindo, por isso, à comunidade internacional que não reconheça a vitória fraudulenta de Tshisekedi e de Kabila porque é "um poder sem legitimidade nem representa a vontade do povo".

Vendo o seu recurso ao TC chumbado pelos juízes da última instância de recurso, Fayulu deixou de lado o tom ameno dos seus protestos e passou ao ataque de forma incisiva, pedindo mesmo ao povo para sair à rua, sabendo-se que sempre que existem manifestações nas cidades congolesas, somam-se as mortes e os feridos e espalham-se os confrontos violentos co as forças de segurança.

O derrotado mas não convencido Martin Fayulu disse, logo após se saber da decisão do TC, que ficou "provado que a justiça está ao serviço de uma ditadura medonha".

Tshisekedi, o 5º Presidente

Até hoje, desde 1960, ano da independência, o Congo-Kinshasa (ex-Zaire), já teve cinco Presidentes.

O primeiro, de 30 de Junho de 1960 a Novembro de 1965, foi Joseph Kasa-Vubu, seguindo-se-lhe Mobutu Sese Seko, que liderou o país até 16 de Maio de 1997, quando foi deposto por um violento golpe de estado.

Foi Laurent-Désiré Kabila, pai do ainda Presidente Joseph Kabila, quem liderou a rebelião que levou à trágica queda de Mobutu, assumindo o poder desde esse momento até que foi assassinado por um seu guarda-costas, em 2001.

Com a morte de Laurent, o seu filho, Joseph Kabila, assume o poder no meio do caos, e após um longo período de guerras civis, confirmado em eleições de duvidosa probidade, até agora, com a eleição igualmente contestada de Félix Tshisekedi, o 5º Presidente do grande Congo, cargo de deverá assumir oficialmente no dia 22 deste mês.

Até lá, nas 48 horas que faltam para esse momento, a RDC vai viver momentos intensos e tensos, sendo generalizado o receio de que, mais uma vez, como sempre aconteceu desde 1960, o gigante africano, o mais perigoso país do continente enquanto potencial desestabilizador regional, não assista a uma transição de poder pacífica,