Pelo meio, nesta visita que o Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, inicia hoje à África do Sul, em cima da mesa, como o seu homólogo Cyril Ramaphosa do ouro lado, vai estar mais que os problemas de natureza xenófoba que afectaram milhares de africanos alvo da fúria dos sul-africanos desempregados, com especial foco nos nigerianos, quando mais uma vaga de violência eclodiu nas ruas das cidades sul-africanas.

Mas os três dias não serão demais para debater um dos mais sérios problemas que afectam a sociedade sul-africana, que resulta do acelerado empobrecimento do país, do galopante desemprego e da contestação popular que é dirigida, em grande medida, para os imigrantes africanos, a quem muitos dos dirigentes do país procuram culpabilizar dos problemas para diluírem as responsabilidades do Congresso Nacional Africano (ANC), que governa o país desde o fim do regime racista do apartheid, em 1994.

Buhari e Ramaphosa presidem às duas superpotências africanas, e é essa a razão pela qual os ataques xenófobos sobre africanos imigrantes na África do Sul ganharam, desta vez, uma dimensão maior que noutras das muitas ocasiões em que este tipo de ataques sucederam mas com os alvos a serem moçambicanos, zimbabueanos ou zambianos.

A resposta nigeriana foi rápida e vigorosa, com o Governo de Abuja a organizar uma ponte aérea logo após os incidentes, a 01 e 02 de Setembro, para levar de volta a casa todos aqueles que assim entendessem, foi anunciado um boicote a um importante fórum económico continental que iria decorrer nos dias subsequentes na Cidade do Cabo e a competições desportivas, nas quais a Nigéria faltou, sendo esse comportamento replicado pela Zâmbia e por Madagáscar, deixando a África do Sul um sarilho diplomático de dimensão rara, desde que o país deixou de estar sujeito ao regime racista do apartheid.

Se Cyril Ramaphosa, segundo a imprensa sul-africana, destaca a questão económica, cuja crise afecta ambos os países - apesar de a Nigéria ter recentemente ultrapassado a África do Sul em matéria de Produto Interno Bruto (PIB) - e quem definir estratégias conjuntas para promover novos negócios entre ambos, Buhari, através dos seus serviços da Presidência, já fez saber que quer também discutir a questão da violência exercida sobre os seus concidadãos no pais que o acolhe nesta visita de três dias.

Com Muhammadu Buhari, seguem cerca de uma dezena de ministros, o que demonstra a importância que Abuja está a da a esta visita, que acontece seis anos desde a última, em 2013, e na qual, o Presidente nigeriano, mesmo que quisesse não poderia ignorar o assunto da xenofobia como tema de topo de agenda porque a reacção dos nigerianos, nas ruas, foi acalmada, apesar de terem ocorrido ataques a empresas sul-africanas como retaliação - MTN e Shoprite, entre outras, obrigadas a encerrar para evitar a destruição - com a promessa de que o assunto seria tratado ao mais alto nível, em Outubro.

Para além do encontro com Ramaphosa, BUhari vai estar com os representantes da comunidade nigeriana na África do Sul para ouvir as suas inquietações, e vai apostar na obtenção de garantias do seu homólogo para que os cidadãos nigerianos sejam tratados de acordo com a lei e protegidos de acordo com as normas existentes, porque só assim poderá ser "construída uma relação saudável" entre ambos os países.

Chissano e Kikwete, a resposta de Ramaphosa

Para já, o Presidente sul-africano colocou o acento tónico na questão económica, privilegiando esse assunto como tema das conversas durante esta visita, mas convocou recentemente os ex-Presidentes de Moçambique e da Tanzânia para liderarem uma equipa de peritos para investigar a natureza da violência dos últimos anos na África do Sul dirigida a estrangeiros.

Com este convite a Joaquim Chissano e a Jakaya Kikwete, Ramaphosa mostra estar empenhado em lidar de frente com o grave problema de xenofobia que atravessa a sociedade sul-africana há mais de uma década.

Os ataques são comummente ligados aos galopantes índices de pobreza e desemprego que advêm do definhamento da economia sul-africana, que já foi a mais pujante do continente africano e que a cada ano que passa perde vigor, tendo mesmo sido ultrapassada pela nigeriana.

Curiosamente, foram os nigerianos que mais estiveram sob a atenção dos mais recentes episódios de violência xenófoba, a ponto de, ao contrário do que sucedera nas situações anteriores, onde os Governos de Moçambique, Zâmbia ou Zimbabué se mostraram sempre apáticos e incapazes de mostrarem a sua indignação, a Nigéria gerou um forte movimento de contestação logo após terem sido conhecidos os primeiros ataques dirigidos a cidadãos deste país com comércios abertos na África do Sul.

Os músicos nigerianos levantaram um coro de críticas às autoridades sul-africanas e o Governo de Abuja organizou uma ponte aérea para retirar os seus cidadãos do país, ao mesmo tempo que cancelava a participação em eventos económicos e desportivos na e com a África do Sul.

Esta resposta nigeriana levou outros países e procederem de igual modo, nomeadamente a Zâmbia e Madagáscar, em encontros desportivos, e com fortes críticas oriundas de diversos países africanos.

Desta feita, o Governo de Pretória viu-se obrigado a reagir, primeiro negando a natureza xenófoba dos ataques e, posteriormente, com acções destinadas a diluir a violência dirigida a estrangeiros africanos na África do Sul, culminando agora com esta iniciativa inédita, onde Cyril Ramaphosa coloca nas mãos de dois ex-Presidentes a responsabilidade de confirmar ou infirmar a natureza xenófoba dos ataques.

Cyril Ramaphosa explicou que Joaquim Chissano e Jakaya Kikewete têm como missão fazer recomendações para o tipo de medidas que a África do Sul deve colocar no terreno para lidar com o problema e evitar que os problemas se repitam.

Ao mesmo tempo, Pretória quer ver um esforço internacional que permita melhor lidar com o combate a este problema, incluindo as até agora pouco queridas ONG"s a quem as autoridades nacionais pedem iniciativas que possibilitem diluir a tensão entre comunidades.

Ramaposa garantiu, em diversas ocasiões após os mais recentes ataques, que a África do Sul não tem espaço para a violência xenófoba nem para a criminalidade dirigida a estrangeiros, afirmando tratar-se de uma genuína vontade de acabar com este prolema que tem destruído a ideia de "Nação Arco-Íris" com que Nelson Mandela pretendia erguer a África do Sul do futuro, quando o país fez a transição do regime racista do apartheid para uma democracia plena.

Recorde-se nos ataques de Setembro foram mortas 12 pessoas em actos de violências deste género.