Há quarenta e cinco anos a terceira e boa impressão estavam lá, mas já lá estavam também os primeiros sinais de uma curva apertada. O plano de voo, meticulosamente preparado, parecia conter as coordenadas necessárias a uma descolagem segura do avião.
A folha do manifesto estava devidamente preenchida, mas, por lá, estava então também já entranhada uma estranha crença na utopia.
Quem chegara tratou logo de apresentar aos angolanos do interior "o homem novo" como um dos activos sagrados da saga de libertação nacional e como o sonho supremo da revolução.
Quem chegara, sem esperar para parar, ver e inteirar-se do ADN de quem ficara e por outros meios ajudara também a acelerar a eclosão do 25 de Abril, tratou logo de pretender começar tudo do zero, como se a sua chegada pudesse representar o início de Angola...
Quem chegara, sem esperar para aprender a aparar as lombas de uma longa maratona e assimilar os códigos de conduta por aqui em vigência, tratou logo de arrancar o tartan da pista, partir a bancada, demolir a tribuna e apagar a luz...
Quem chegara, sem esperar para meditar e agir com a cabeça fria, ao tentar construir a casa a partir do tecto, tratou logo de destruir os alicerces que encontrara bem solidificados e, quarenta e cinco anos depois, acabou por transformar o sonho do "homem novo" num dos nossos maiores pesadelos.
Quem chegara, no afã de descobrir "o caminho marítimo para a Índia", lançou-se ao mar de cabeça, pensando que as pessoas por aqui não sabiam nadar ou julgando que por aqui as pessoas não se lembrariam mais de como tudo era antes da sua chegada...
Quem chegara não se esquecera de que as pessoas queriam a mudança, mas esquecera-se de que as pessoas não queriam a mudança para virar tudo de patas para o ar.
Quem chegara sem querer ouvir os conselhos de quem aqui ficara enganou-se enganando a todos e, com isso, acabou por esmurrar a cara na parede.
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