O primeiro erro veio, segundo o entrevistado, "por parte de entidades políticas que contestaram e atentaram contra o regime", o qual provocou outro erro por parte das autoridades que, "reagindo a essa tentativa de perturbação do poder instituído, tomaram medidas que, do ponto de vista da História e daquilo que hoje conhecemos, constituiu uma má gestão da crise". Por conseguinte, todos foram vítimas. Ainda que tivesse havido " excessos" e vítimas dos dois lados, as amnistias tinham feito apagar os "ilícitos" cometidos, pelo que todos estavam perdoados, sendo tempo de reconciliação, de olhar para a frente e não para trás.

Para Francisco Queiroz, o autor destas linhas incorre numa concepção "estreita e revanchista", de "identificar o culpado". Esta concepção "estreita e revanchista de encarar as coisas talvez resulte do distanciamento da realidade angolana actual ".

Como é de bom-tom para quem tem o controlo dos meios de comunicação oficiais, o teor da entrevista ao jornal foi repisado numa segunda entrevista, desta vez na TPA, em horário nobre.

Por me sentir visado, vejo-me obrigado a esclarecer a minha posição, de forma que os angolanos possam livremente avaliar quem incorre em "concepção estreita" e quem comete erros flagrantes e intencionais.

A SUBIDA DE HITLER AO PODER

A receita foi simples. Apenas um mês depois de assumir o poder, após a sua nomeação como chanceler, em 1933, Hitler promoveu o incêndio do Reichstag (Parlamento). Declarando o acto criminoso como sinal de uma revolta comunista, visando um golpe de Estado, obteve um decreto que suspendia todos os direitos e liberdades individuais do país, o que lhe deu a possibilidade de consolidar o poder e eliminar toda a oposição.

Ordenou a prisão de milhares de marxistas e opositores políticos, enquanto o braço armado do seu partido espancava e assassinava inimigos políticos, com a conivência dos juízes da região.

Com dois meses de governo, toda a oposição estava liquidada, estando os sobreviventes no recém-inaugurado campo de extermínio de Dachau. Não só a oposição, como também muitos inocentes, designadamente a população de origem judia.

Terminada a guerra, um dos argumentos dos nazis, para se defenderem nos julgamentos de Nuremberg, foi o de que havia um contexto histórico, com erros de parte-a-parte, de que todos foram vítimas, que se limitaram a obedecer a ordens, justificando-se o perdão e a reconciliação entre vencedores e vencidos.

Será que a comunidade internacional aceitou tal "justificação" para apagar o holocausto e perdoar os responsáveis? Não. Seria um atentado à memória das vítimas fazê-lo!

A RECEITA

Longe de mim equiparar os governantes de Angola aos nazis. Tal seria demagógico e pouco sério. Porém, há uma similitude de métodos, utilizados, aliás, por todos os regimes totalitários e sanguinários, desde Pinochet (Chile) a Pol Pot (Cambodja), que se impõe denunciar.

O regime angolano copiou a receita de Hitler, com adaptações. Não mandou incendiar nenhum edifício para responsabilizar os militantes que, em torno de Nito Alves, representavam a ala mais combativa do MPLA, contestando a já visível corrupção e o desprezo pelos interesses nacionais. Não foi por acaso que os ideais de progresso e defesa dos interesses da população tenham dado lugar à cleptocracia e a um regime dos mais corruptos do mundo, com o «Luanda Leaks» a revelar apenas a face visível do iceberg. Corrupção que não desapareceu por magia, apenas por ter mudado o discurso, quando as moscas continuam a esvoaçar...

O regime aproveitou as movimentações populares, ocorridas no dia 27 de Maio, para inventar uma tentativa de golpe de Estado e, assim, iniciar a repressão mais sangrenta da África independente, que vitimou pelo menos 30 mil angolanos, enlutando quase todas as famílias.

Os credenciados historiadores Álvaro Mateus e Dalila Mateus, na sua obra Purga em Angola, demonstraram exaustivamente a natureza do 27 de Maio. Longe de ser uma tentativa de golpe de Estado, constituiu uma inventona, pretexto para a liquidação do sector mais avançado do MPLA.

Para o historiador José Milhazes, o então presidente Agostinho Neto instrumentalizou os acontecimentos em curso nesse dia: "O 27 de Maio foi uma "inventona" (revolução imaginária) criada por parte de Agostinho Neto e pela então parte da direcção do MPLA, que aproveitou a manifestação de Nito Alves - que não tinha por objectivo a tomada do poder nem a realização de um golpe de Estado - para neutralizar facções muito importantes dentro do MPLA, que tinham divergências com ele".

A luz verde para os assassinatos, traduzida na célebre frase de Neto "Não vamos perder tempo com julgamentos!", teve como pretexto a descoberta numa ambulância dos corpos mutilados de sete dirigentes do MPLA, no Sambizanga. Porém, tudo indica que foi a própria DISA e o grupo de dirigentes que a controlava, com destaque para Onambwe, que executou e depois encenou as mortes, sem que tivesse havido qualquer responsabilidade dos chamados "nitistas".

De facto, Hélder Neto suicidou-se na cadeia de S. Paulo, Saidy Mingas foi vítima de uma emboscada de elementos da DISA, que planeavam liquidar, igualmente, Lopo do Nascimento, como este último declarou recentemente numa entrevista. Garcia Neto não era considerado indefectível de Neto e N"Zagi era tido como próximo de Nito.

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*Advogado e autor