Origem do vírus: Estudos efectuados até ao momento demonstram que este vírus, o SARS-CoV-2, partilha 96% do genoma dum vírus de um morcego, o Bate Cov Ratg13, que se recombinou com o coronavírus dum pangolim, que lhe fez adquirir uma sequência de aminoácidos, entre os quais uma sequência de 12 aminoácidos do domínio do receptor de ligação (Não é coincidência que o surto tenha tido origem no mercado de animais vivos de Wuhan, na China).

Estes 12 aminoácidos tiveram tal impacto, que são conhecidos pelas 12 letras que mudaram o mundo, e esta recombinação do Bate Cov Ratg13, com o coronavírus do pangolim, originou o SARS-Cov-2, com características que o tornam único. Era totalmente desconhecido para o sistema imunitário dos humanos, ou seja, todos éramos susceptíveis. Tem, através desta recombinação com os 12 aminoácidos do domínio do receptor de ligação, uma grande facilidade de transmissão entre os humanos, e numa percentagem menor, mas real e com peso, a capacidade em provocar doença nos seres humanos.

Este vírus é o que provocou a primeira pandemia de um coronavírus. Isto significa que o nosso conhecimento de um coronavírus é muito inferior aos vírus que provocaram anteriormente pandemias, como é o caso do vírus Influenza. Houve, em 2003, o vírus SARS-CoV (nota-se que não tem o número dois). É conhecido por causar a Síndrome Respiratória Aguda Grave, a SARS. E houve a MERS-CoV, que foi identificada pela primeira vez na Arábia Saudita, em 2012. Nenhuma delas se constituiu numa verdadeira situação pandémica.

Isto significa que estávamos menos preparados para este vírus do que aconteceu em situações anteriores, não tínhamos fármacos específicos, não tínhamos ainda nenhuma vacina desenvolvida para este coronavírus e mais. Este vírus tem particularidades que representam uma vantagem adaptativa única, que é a capacidade de se transmitir a partir de indivíduos assintomáticos, isto é, pessoas que não sabem que estão infectadas e que transmitem a doença.

Sabemos também que 80-85% das doenças provocadas pelo SARS-CoV-2 são manifestações ligeiras, sobretudo em indivíduos jovens, muito activos e com grande mobilidade, e se nós associarmos os assintomáticos com as formas ligeiras da doença, temos muitas pessoas a servirem de agentes silenciosos de transmissão e de disseminação do vírus na comunidade.

Foi, portanto, sensato e avisado, em Março de 2020, o estabelecimento do encerramento das fronteiras a nível global e o confinamento geral em quase todos os países, e Angola não fugiu à regra, evitando-se, assim, a propagação do vírus e dar tempo de preparar a melhor resposta por aquilo que se antevia uma grande sobrecarga dos serviços de saúde.

Outro aspecto muito importante que emergiu no manuseamento destes meses da crise pandémica é:

Valorização do conhecimento: o conhecimento deve ser a força motriz de todas as políticas e acções que visem combater situações excepcionais e que no limite nos vão levar ao nosso desenvolvimento

São os políticos que tomam as decisões e assumem o ónus destas atitudes. Mas em quase todo o mundo, os políticos fazem-se rodear de toda a elite científica dos seus países nas mais diversas áreas, desde médicos, biólogos, virologistas, epidemiologistas, sociológicos, psicólogos, economistas, assistentes sociais, etc. Esta seria uma task-force ou comité de peritos, que os políticos deveriam sempre ouvir e só depois se tomariam as medidas apropriadas que reunissem o maior consenso relativo a cada uma das fases em análise, sendo certo que a decisão final ficaria sempre a cargo da liderança política.

Não foi por isso que vimos replicada esta atitude entre nós. No nosso quotidiano, vemos indivíduos talentosos da academia, com ideias excelentes e bem estruturadas, especialista em várias áreas, muitos deles com provas dadas ao longo do seu percurso profissional e com a sua capacidade posta à prova nas mais diversas situações, que têm exposto opiniões muito válidas, com outra visão da luta contra a pandemia e que no mínimo deviam ter oportunidade de ser ouvidos de forma oficial e para confrontar com as directrizes oficiais que têm sido seguidas pelas autoridades governamentais e em conjunto tomar a melhores decisões para aperfeiçoar a abordagem da estratégia do combate à Covid-19. No fundo, ganharíamos todos: o País sairia a ganhar e todos sairíamos muito mais enriquecidos.

Já não seria altura de o MINSA criar um grupo de trabalho para compreendermos o porquê que temos uma alta taxa de letalidade ao SARS-CoV-2 na nossa região e mesmo no continente, 13.ª em números absolutos de mortes, 348 no total? Somos o 21.º país africano em número total de testes, até ao momento não atingimos 200 mil testes desde o início da pandemia. Temos uma média de 5,145 testes por milhão de habitantes, no 41.º lugar, que é um dos principais indicadores para medir a capacidade que os países têm em avaliar a prevalência do vírus nas suas comunidades e tomar medidas adequadas para a protecção das populações mais vulneráveis. E neste tópico em África, o 41.º lugar representa um número muito baixo, se atendermos que países como Namíbia, Moçambique, Lesotho, Botswana, Zâmbia, Zimbabwe ou Cabo Verde, ou seja, quase todos os países da SADC estão nitidamente à nossa frente e fomos dos primeiros países a estabelecer contratos para o fornecimento dos referidos testes, o teste de biologia molecular RT-PCR. É necessário uma nova forma de comunicar, para elucidar os principais aspectos relacionados com a pandemia e para tranquilizar as populações.

A Importância do SNS: esta entidade deve ser o líder e o epicentro do combate de uma pandemia desta dimensão, pois é ela que tem a capacidade de enfrentar a parte mais visível e com mais impacto da doença, que é o impacto na saúde das pessoas.

Nós, em Angola, fizemos o contrário daquilo que foi feito noutros países, inclusive da nossa região e avisos não faltaram, pois, por diversas vezes, eminências como o Professor Luís Bernardino e muitos outros alertaram para a forma como estava a ser conduzida a luta contra esta pandemia. Negligenciámos o SNS e apostámos todas as fichas no sector privado (que na sua concepção serve para determinada elite) e decidimos construir de raiz estruturas mastodônticas, que não são acessíveis ao povo, em geral.

*Médico especialista em Pneumologia pelo Hospital Pulido Valente de Lisboa

**Este artigo continua na próxima edição