O resultado, até prova em contrário, tem sido tenebroso. Alguns mais destemidos deixaram escritos em livros alguns testemunhos que só podem ser questionados ou não quando as versões dos factos poderem ser confrontados com evidências que de facto façam jus ao lado certo da história que a todos nós interessa saber daqueles que a ajudaram a fazer.

É, contudo, cada vez mais perceptível a tendência de certo desconforto com a história do país. Pelo menos com pequenos retalhos do que se vai dizendo por aí, muito embora o que fica é sempre aquela sensação incómoda de que o país se mantém refém da sua própria história. Assim como se continua a dar azo a um falso moralismo que se vai fazendo já longo de mais, atendendo a idade dos protagonistas da história política do país e porque também é cada vez mais evidente o incómodo que representa para algumas pessoas a resiliência daqueles que decidiram dizer aquilo que viram, viveram ou que testemunharam.

Até prova em contrário, todos eles têm razão dentro do quadro de razões que têm para reivindicar a legitimidade que até hoje tiveram para dizer ao país aquilo que parecia a verdade absoluta e inquestionável. Mas também é verdade que não se pode continuar a pensar que o viés da história de um país é aquele que se alimentou de todos os estereótipos das palavras de ordem e das ordens que se formaram à volta destas convicções nem sempre tão convictas assim!

Durante anos, vimos a história de Angola como um roteiro do tipo cinematográfico em que tínhamos de ter à frente do ecrã um vencido e um vencedor. E a história foi assim tecida, como um enredo em que alguns tinham de ser os eternos perdedores e os outros os eternos vencedores. Mas esta lógica é hoje confrontada com literaturas que nos vão chegando e que nos ajudam a perceber o que andou por detrás das cortinas enquanto a cena não chegava ao palco. Ou pelo menos ao alcance dos espectadores.

Mas mais do que esta ideia de vencidos e vencedores, o que mantém em suspenso uma série de depoimento do país é o facto de algumas pessoas continuarem a acreditar que são impolutas. Querem passar à história como seres que nunca atiraram a primeira pedra e que ao longo de um processo difícil - como são difíceis todos os processos que envolvam revoluções, contra-revoluções e crispações intestinais e outras - foram sempre homens de honra e de valor.

É assim que o problema da história de Angola não é apenas um problema da responsabilidade política que cada um dos protagonistas teve na história do país, mas o impacto que terá quando esta história for contada, uma vez que ao longo dos anos nos foram passados testemunhos que fizeram de algumas figuras impolutas, de facto.

De tal modo que perante uma tendência desconstrutivista do que quer que seja, há uma pronta reacção que visa ocultar precisamente esta memória impoluta de que muitos protagonistas acreditam ter perante os factos em que foram responsáveis por razões históricas e estas pessoas não devem simplesmente perceber que o tempo, o grande mestre, tem precisamente o condão de nos apontar o espelho e fazer-nos a pergunta dos nossos actos e acções.

Este ano três livros vieram a público e tiveram reacções diferentes e intrigantes. Por que será? Na semana passada foi o livro de Bela Malaquias e as reacções são perturbadoras, porque, uma vez mais, está a memória impoluta dos protagonistas que se colocam no lugar do inchar dos egos e que querem contar ao país aquilo que apenas se ouvir ou se fez passar como verdade verdadeira.

É preciso que do tempo saibamos não apenas continuar a impor-lhe as nossas vontades e simpatias. É preciso que dele também possamos tirar lições, e a principal dela pode ser a de que nem sempre fomos aquilo que ele hoje nos ensinou a ser. É preciso entender que ontem fomos imaturos e imprudentes.