Desde 5 de Outubro de 2017 que a região Norte de Moçambique, concretamente a província de Cabo Delgado, tem sido vítima de ataques frequentes de grupos armados que, em princípio, o Governo moçambicano tinha inúmeras dificuldades de identificá-los, porque não sabia distinguir se eram ataques de grupos terroristas ou ataques desencadeados por alguns dissidentes da RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique). De la para cá, os ataques continuaram e está mais do que provado que são desencadeados por grupos terroristas radicais de inspiração islâmica.
A radicalização islâmica
e o extremismo violento
A radicalização na perspectiva de Harris-Hoga é o processo através do qual alguns indivíduos desenvolvem, adoptam e abraçam atitudes políticas e comportamentos que divergem substancialmente de uma parte ou da totalidade de valores estabelecidos e legitimados do ponto de vista social, político, económico e religioso.
No caso de Moçambique, o radicalismo islâmico começa com esse afastamento às tradições ou aos valores instituídos numa dimensão religiosa. E, de acordo com os estudos realizados em 2019 pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE-CADERNOS n.º 17), inicialmente o grupo surge como um grupo religioso e, em finais de 2015, passou a incorporar células militares.
Actualmente, o grupo é designado alshabaab, que em português quer dizer «juventude» árabe, mas, inicialmente, o grupo era conhecido pela designação Ahlu Sunnah Wal-Jamâa «adeptos da tradição profética e da congregação».
Na óptica destes grupos, as comunidades de Mocímboa da Praia praticavam um islão degradado e o que se passou a constatar frequentemente é o conflito entre tais grupos e as lideranças religiosas locais. Os radicas foram expulsos e passaram a rezar fora das mesquitas, em edifícios abandonados e inacabados. Para se diferenciarem dos muçulmanos infiéis ou praticantes do islão degradado, os elementos passaram a presentar-se de cabeça rapada, vestidos de batas brancas, bermudas e carregavam consigo armas brancas (facas).
Diante deste processo de radicalização islâmica e conflitos, o governo local manteve-se indiferente, ou seja, considerou um problema interno das mesquitas.
A liderança dos grupos era constituída por actores nacionais e estrangeiros com ligações fortes na Tanzânia, Arábia Saudita e eram adeptos do wabismo e do salafismo, cuja missão era de declarar uma jihade na região. Em relação ao financiamento, os grupos eram financiados por via de práticas económicas ilícitas (exploração de madeiras) de doações de pequenos comerciantes que actuavam no sector informal (pesca e transporte).
O recrutamento acontecia nos laços de casamentos, nas redes informais de amigos e fazia-se recurso a internet (facebook, WhatsApp) para veicular a mensagem. Maior parte dos integrantes eram jovens dos distritos costeiros das províncias de Cabo Delgado e Nampula, que integravam, com promessas de emprego, valores monetários e ate mesmo bolsas de estudo.
São várias as motivações da radicalização e da adesão a grupos terroristas, variando de contexto para contexto. No caso de Cabo Delgado, podemos aqui elencar alguns: condições Sociais, pobreza extrema e questões étnicas (os Mwanis sentem-se excluídos em relação aos Makondes em termos de distribuição de recursos e cargos públicos).
Considerações finais
Os desafios da segurança nacional devem ser vistos e avaliados em termos de riscos e ameaças, não só as ameaças no sentido clássico (guerra), mas também as novas ameaças (conflitos étnicos e o fundamentalismo religioso, tráfico de armas ligeiras). A pobreza extrema e fraqueza das instituições moçambicanas favoreceram a radicalização islâmica e o surgimento de grupos terroristas na zona norte do país.
O recurso por parte do Estado moçambicano a empresas de segurança privada norte-americanas, russas e sul-africanas, para proteger o epicentro da indústria extractiva, demostra a ineficácia e ineficiência dos seus órgãos de defesa e segurança.
O sucesso do combate ao terrorismo no Norte de Moçambique passa pelo reforço da capacidade militar, dos serviços de inteligência, de assistência social às populações locais e, fundamentalmente, da cooperação com o Governo da Tanzânia.
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