Abrimos o jornal e somos informados que há funcionários bancários suspeitos de conivência com crimes recentes. Estão na cadeia centenas de jovens funcionários bancários com e sem licenciatura por roubo na instituição. A gasosa continua a penalizar os mais pobres que são extorquidos todos os dias por agentes de entidades oficiais. Apesar das denúncias ainda há funcionários que continuam a manchar o nome de muitas instituições públicas. E depois se subirmos degrau a degrau assistimos a um desfile de marcas, relógios e carros nas mãos de jovens cujo salário não tem capacidade para pagar nenhum luxo por melhor gerido que seja. Aqui entra a prostituição, o peculato, o esquema e todas as outras engenharias possíveis de serem implementadas. Vimos miúdos atrevidos ficarem milionários com o dinheiro público e ainda tinham a falta de respeito de esfregarem as suas fortunas na cara de quem nem para comer tem, porque foi desta forma que o país afundou e com isso matou milhões de angolanos por causa da ausência do esgoto que é amigo da malária, da água que nunca foi para todos e que não tinha qualidade e de uma saúde pública sem capacidade para garantir a vida. E durante anos vimos os coniventes a baterem palmas ou a assobiar para o lado, para hoje surgirem como legítimos defensores do Estado de Direito.

Os últimos 20 anos aprimoraram o "Homem Mau", aquele que matou o "homem novo" do socialismo científico que nunca chegou a acontecer, como tão brilhantemente Jacques dos Santos afirmou. O "Homem Mau" tornou-se exemplo de poder, de glória, de riqueza de quem todos queriam ser amigos e cair nas boas graças. Foi esta figura que criou o desnorte social. Foi esta figura nefasta, que se multiplicou e desta forma degenerou gerações pela podridão do exemplo. Deixámos de saber quem éramos e para onde devíamos ir. O importante era a banga, o status e o poder, por mais insignificante que fosse.

Estamos a perder o melhor de nós, a integridade, a responsabilidade, a ética, a moral, a honra, o respeito pelo outro, o amor ao próximo, a dignidade e os afectos. Poucas sociedades sobreviveram a este caos. Os números do drama nem sequer são conhecidos. A violência dentro de casa, nas ruas, nas escolas, nos hospitais tem rosto, tem nome e tem causado milhares mortes que podiam ser evitadas e quando não matam mutilam o futuro das vítimas.

Estamos a perder a capacidade de sermos exemplo nacional pela positiva e podermos assim garantir uma conduta social assente na decência e no rigor. Os novos filhos estão a nascer de mães adolescentes, sem escolaridade e sem referências. Andei recentemente pelo interior da Quibala (que não é diferente de outros interiores) e com tristeza vi que a maioria das crianças tem Sarna e Tinha. Completamente abandonadas. Descalças e sem futuro. As mães são crianças que ainda não cresceram, que vivem sentadas a trançar o cabelo umas das outras, sem ninguém que as guie nesta tarefa exigente da maternidade.

Perdemos os velhos. Estamos órfãos de sabedoria e bom senso. Órfãos de orientação. Os avós que nos obrigavam a ter a atitude correcta e quando desobedecíamos conseguiam sincronizar-nos os chacras apenas com um olhar. Velhos sábios que defendiam a honra acima da vida. Estamos à deriva no que diz respeito aos limites, à ponderação, à consciência que não permita entrar no caminho do que está errado em qualquer código deste mundo. Desta forma não construiremos nem paz, nem progresso.

São as pessoas que fazem os países. Por isso, não podemos continuar a perder o melhor de nós enquanto pessoas. O caminho mais longo, mas que é também o mais seguro e mais bem-sucedido é a garantia de Direitos Iguais à Nascença e uma Educação Pública de Qualidade para todos, onde para além do técnico estar-se-ía a formar ao mesmo tempo o cidadão. Os políticos são o espelho de uma sociedade. Angola precisa de cidadãos com sentimento de pertença que garanta o seu patriotismo. Mas ao mesmo tempo precisa que a desigualdade seja resolvida com prioridade absoluta. Nada mais pode ser prioritário enquanto tivermos 2 milhões de crianças fora da escola. A Educação Pública de Qualidade é a única saída. É preciso acreditar que é possível construir um país para todos e garantir felicidade colectiva através do progresso social. O desafio é grande, mas não estamos, felizmente, a inventar a roda.