Para trás, parecia ficar também uma paisagem política pálida que, era então, novamente perfumada com a velha utopia dos outros tempos.

Três anos depois, criámos uma nova e mais alegre e mobilizadora coreografia política, mas, para trás, deixámos um país ainda prisioneiro de impulsos extremistas que continuam a alimentar o ego, tanto de alguns agentes da elite governamental como de alguns líderes da oposição.

Ao iniciarmos, dentro de duas semanas, um novo ano, encontraremos um MPLA que, atado à velha ortodoxia leninista e avesso à pluralidade de tendências, se arrisca a ser atropelado pelos novos movimentos sociais que, agora, estão a introduzir na nossa sociedade dinâmicas democráticas irreversíveis.

E deparar-nos-emos também com o amorfismo de uma oposição que, ao degradar-se, de forma triunfal, sempre que se trata de receber benesses ou de acolher excentricidades no Parlamento, nos dá bem a ideia do que é que nos espera uma vez dona e senhora da poltrona da Cidade Alta...

Ao fecharmos, dentro de duas semanas, o ano de 2020, deixámos para trás um país dividido entre aqueles que assumem a educação como a base do seu desenvolvimento e aqueles que se agarram ao esburacado guarda-chuva que acolhe um sistema de educação e de ensino tão miserável que, em vez de ter criado uma elite educada, culta, livre e independente dos poderes políticos, fabricou uma massa disforme de gente rica, mas tão subserviente e tão rude, que não é capaz sequer de produzir como riqueza uma ideia...

Ao fecharmos, dentro de duas semanas, o ano 2020, enfrentaremos, em 2021, um país dividido entre a opulência pornográfica e a desolação intelectual de uma Angola que não tem uma única livraria digna desse nome e que, sendo deficitário em ciência, mas abundante em ignorância e em arrogância, é liderada por políticos e governantes cuja apetência para a leitura, em contraste com a arte de fazer contas de subtrair ao Estado, se destapa sempre que tem um livro diante de si: em menos de cinco minutos desatam a ressonar...

Ao fecharmos, dentro de duas semanas, o ano de 2020, deixamos para trás um país que continua desprovido de massa e energia críticas e nos quais, as poucas que se perfilam à tona da água, quase sempre se sentem marginalizadas.

Deixámos para trás um país dividido entre a ilusão de pensar que o futuro de Angola depende do MPLA e a certeza de que esse futuro só terá sucesso se assentar na boa governação e a boa governação só se alcançará com o concurso de múltiplas competências e boas vontades que, agregando valor e incorporando liberdade de pensamento, não podem continuar a ser postas de parte, por não se alistarem nos centros de negócios em que se converteram as nossas capelas partidárias...

Um país dividido entre falsas promessas e a garantia de levarmos a cabo uma empreitada política, económica e moral para ajudar a pôr fim ao império de restrita casta mandante que, mergulhada em escandalosas operações de branqueamento de capitais, decidiu abraçar um capitalismo sem capitalistas e concorrer sem a existência de um mercado livre.

Um país dividido entre o desmantelamento de uma parte da nossa gendarmeria financeira e a prevalência de "relações incestuosas" entre a outra parte que, estendida num manto de corrupção, se protege agora numa mala de cânfora abarrotada com os mesmos horrores morais e éticos do antigo sistema...

Ao fecharmos, dentro de duas semanas, o ano 2020, enfrentaremos, em 2021, um país que, albergando ainda das "piores economias para se fazerem negócios", como escreve o Prof. Alves da Rocha no prefácio da primeira edição do "Fraud Survey Angola", lançado este ano pela Deloitte, continua a apresentar "a fraude como a sua principal forma de corrupção, fruto da não compreensão de que nos negócios a ética tem um papel importante enquanto lisura nos negócios, transparência nas contratações, atracção de parceiros e honestidade de processos".

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