Ao meu camarada José Caetano, que fez esta anotação, devo tranquilizá-lo porque, por aqui, nada é comparável com o rosário de mentiras que é atribuído àquela governante portuguesa.

Por aqui, o que nos garantem no Ministério da Saúde - com o juramento de Hipócrates na ponta da língua - é que, da mesma forma que as mentiras daqui não serão exportadas para Portugal, também as "mentiras" da Ministra da Saúde de Portugal jamais serão importadas por Angola para contaminar as suas verdades.

Não abundando por lá tanta mentira, o que, por aqui, no meio de tantas inverdades pandémicas vai-se esbanjando, é muito dinheiro, associado a muito pouco controlo e são muitas garantias associadas a muito poucas imunidades contra essa outra terrível pandemia que se chama corrupção...

Se calhar muito provavelmente por causa dessa falta de controlo é que, lá fora, o Fundo Global, ao disponibilizar agora 80 milhões de dólares para o combate da Malária em Angola, em vez de colocar esse dinheiro nas mãos do Governo, decidiu colocá-lo sob gestão do PNUD...

Mas, em vez de andarmos preocupados com as mentiras de Portugal ou com os problemas de gestão do Fundo Global, talvez seja recomendável antes concentrarmo-nos no que, de pandémico, se vai passando, neste momento, no nosso país.

E atentarmos no anúncio feito no fim da última semana pelo Presidente: "Angola ainda não se enquadra nos critérios definidos pela OMS" para assumir a transmissão comunitária.

Uma boa notícia sem dúvida. Que significa que, por aqui, como os angolanos especiais muito se orgulham de dizer, "está tudo sob controlo". Pelo menos na aparência...

Aquela declaração constituiu o relaxante de que a nossa Ministra da Saúde precisava para passar o resto da semana rodeada de grinaldas.

Com aquelas palavras, estava dada a resposta à corrente de especialistas "pandémico-pessimistas" que defende o reconhecimento público imediato da existência de transmissão comunitária, particularmente em Luanda.

Num ambiente de grande pressão para a Ministra da Saúde, compreende-se que o Presidente tivesse, deste modo, sentido necessidade de se ancorar na OMS para rejeitar essa tese e tranquilizar a população.

Para Sílvia Lutucuta não poderia haver, por isso, melhor declaração do que aquela para provar aos seus críticos que a razão, afinal, está do seu lado.

Tendo aquelas palavras insuflado ânimo à gestão política deste surto por parte da Ministra da Saúde e da sua equipa, a declaração do Presidente pode, porém, não ter sido suficientemente convincente para restituir plena confiança aos cidadãos. Porquê?

Porque a cada momento que o porta voz da Ministra da Saúde, Franco Mufinda, anuncia, sem explicação, a existência de "casos sem vínculo epidemiológico", instala-se a insegurança e até o pânico entre a população.

Porque, sendo para alguns especialistas muito vagos os conceitos definidos pela OMS, esse vazio explicativo como sustentou na TVZimbo o mestre em saúde pública Jeremias Agostinho, acaba por gerar mais dúvidas do que certezas.

Logo, não é garantido que, nestas circunstâncias, a razão esteja inteira e exclusivamente do lado da Ministra. Logo, é preciso que haja coragem para dizer o que é que, do ponto de vista estritamente técnico, pode não estar a correr bem.

É preciso que se reconheça, desde logo, que a partir da altura em que se começou a perder o rasto dos "casos sem vínculo epidemiológico", pode-se estar a navegar à vista.

É preciso, como escreveu Adebayo Vunge num excelente artigo publicado no Jornal de Angola, que se reconheça que "o desconfinamento" surge com "a curva dos casos em sentido ascendente" a revelar que "não estávamos plenamente preparados para o momento que se instala".

É preciso, por isso, ter contenção e não cair na tentação de querer transformar Angola "numa trincheira firme da revolução anti-Covid-17 em África" com um arsenal de balas com pólvora seca.

É preciso não mascarar soluções para que não se percam mais vidas humanas, não se defraudem as expectativas, não se desperdicem nem energias, nem a congregação de competências e de boas vontades, que valem mais do que os milhões disponibilizados para a importação de material de bio-segurança.

É preciso não ignorar as avaliações técnicas que têm sido feitas por especialistas angolanos e que aconselham mais prudência e menos euforia para que ninguém deite foguetes antes da festa...

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