Por isso, longe de ser asseada, a República arrisca-se a continuar a ser conspurcada pela autofagia de novos corsários, que nos fizeram embalar numa embarcação que, afinal, mais não era do que uma jangada mal amanhada.

Desprovida de apetrechos e com os canos completamente rotos, a embarcação, desengonçada, passou a vida inteira a deitar água por todos os lados, mas nós nunca quisemos acreditar que, navegando à vista, nos aproximávamos perigosamente do naufrágio.

Quem em terra conhecia as artimanhas do mar, era afastado sem passar o testemunho. Quem no alto mar fizera uma viagem atribulada a bordo de uma Jangada de Pedra, agora, sem bússola, era arrastado para o patíbulo da humilhação social e da indigência intelectual.

Pulamos, esbaforidos, para uma desaparafusada Jangada de petrodólares com um astrolábio cheio de salitre, manuseado por marinheiros deslumbrados, que não tinham nem mapas, nem possuíam a mais ligeira arte da navegação.

Agarramo-nos depois à Jangada dos chineses, macia e platinada, mas a bonança cedo se evaporou. Agora penduramo-nos na piroga do FMI para tirar a água do fundo da canoa, mas a embarcação, apoiada por silos que perfumam a inércia burocrática e conspirativa de reuniões de alta ociosidade política, continua a não nos deixar ver a Ilha...

Foram anos e anos em que o vento ora soprava demais a vela bujarrona para estibordo, ora víamos o tempo ser sacudido por uma onda de ré e bombordo, que fazia ranger o mastro perdido numa embarcação à deriva...

Os anos passaram, o talento não chegou a desabrochar e, se nós paramos no tempo, a concorrência entre os detentores dos silos nunca foi pacífica. Cada um, sorridentemente engravatado, vive no seu silo de costas viradas para os silos dos vizinhos.

Petrificados no seu mundo, sem divisão de raças ou de tribo, une-os a máquina de calcular, mas os silos, a subtrair e a multiplicar, representam o marco demarcador dos interesses de cada clã.

Os fantasmas de ontem, acomodados nos silos de uma equipa desconjuntada, continuam a ser uma obsessão de contornos psiquiátricos verdadeiramente assustadores.

Hasteamos uma nova bandeira há muitos anos, mas o nosso futuro ficou lá atrás preocupado, aqui à frente, em continuar a ver a prevalência do poder do colonialismo onde se estende e floresce hoje, triunfante, a oligarquização do novo poder.

Hasteamos uma nova bandeira, mas continuamos a abraçar o mastro da pluralidade com um cobertor monocolor. Hasteamos uma nova bandeira, mas insistimos em ver inimigos onde há apenas adversários políticos.

E onde deveríamos ver homens de negócios, dobramos a coluna vertebral para, em seu lugar, prestar vénias a políticos e governantes...

Hasteamos uma nova bandeira, mas persistimos em ver perseguição pessoal onde há declarada incompetência, erros de cálculo financeiro, roubo, negligência, compadrio e "colarinho branco" à solta.

Hasteamos uma nova bandeira, mas continuamos a confundir lealdade com servilismo. Indignação crítica com insurreição. Afirmação intelectual com aburguesamento elitista. E prosperidade empresarial e económica com enriquecimento ilícito.

Não, não soubemos, logo à partida, separar o trigo do joio. Hasteamos uma nova bandeira, mas continuamos a não querer saber "planear, nem prever e muito menos preparar o futuro".

Nunca soubemos admitir que não sabíamos ao que vínhamos e, com tantas curvas e contracurvas pelo meio, por vezes parece que, agora, continuamos a não saber para onde vamos. Nunca quisemos aprender com quem ficara.

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