Cinicamente, até aqueles que ontem juraram morrer fiéis a quem lhes deu a comer à boca, não se recusaram a morder «a mão do dono», ficando-se hoje com uma ideia mais clara de quem sempre foram e o que representam do ponto de vista da coerência e, acima de tudo, da lealdade. Era tudo isto previsível, não era?

São questões que hoje deviam alimentar o debate no país, porque o que está aqui em causa não é a riqueza de Isabel dos Santos, mas a forma como esta chegou a ela com a conivência do Poder Político que era liderado pelo seu pai e coadjuvado por uns quantos que hoje se fazem de indiferentes.

À primeira vista, quem nos lê, deduzirá que é nossa intenção colocar um freio no impacto das revelações ora tornadas públicas sobre o modo como a filha de José Eduardo dos Santos chegou aos cifrões milionários da estatística africana e internacional. Mas há aqui questões de fundo que não se levantam e que podem tender a branquear, por um lado, a imagem política do MPLA - enquanto partido que sustenta o Governo e um dos principais responsáveis pelo rombo de que o país foi alvo -, e, por outro, tudo isso pode criar, e está a criar, uma nuvem cinzenta em torno de outros nomes que em situação normal seriam eles também pontos focais do combate à corrupção em Angola; por serem tão cúmplices e responsáveis quanto os nomes já avançados.

Todas estas revelações, a bem do país, que são feitas hoje através de investigações jornalísticas, teriam um outro impacto se em causa não estivesse um Presidente da República que se faz ao jogo político com o objectivo de anular uma clara ameaça ao seu poder. Porque senão vejamos: jornalisticamente, o que traz de novo o caso «Luanda Leaks»? Respondemos nós: um relato documental da forma como se produziu um império financeiro que foi aclamado ali onde esse capital foi investido. E porquê agora? Porque há um novo homem a ditar as regras do jogo e este homem certamente não irá atrás de todos. Irá escolher alvos específicos para atingir, e o normal é que Isabel dos Santos, cuja riqueza esteve sempre associada ao pai, seja um alvo fácil, porque, mais do que parecer ter um «bom combate», quem conduz este processo consegue governar com um processo judicial às mãos.

Se de facto estas revelações tivessem que servir de base para uma investigação mais aturada, o caminho mais certo era ir atrás de todos que fizeram riqueza no país através do recurso ao erário, porque provas documentais - e está mais do que provada a sua existência - há inúmeras, e estas poderiam ser úteis para tornar mais transparente um processo que sempre esteve envolta num secretismo muito mal dissimulado pelo Poder Político.

Um outro aspecto importante é a forma pouco cordata como se quer dar a ideia de que ninguém sabia de nada e de que estamos perante revelações que chocam o país.

A bom rigor não chocam. Dão razão a quem sempre teve, e oculta-se parte de uma verdade que sempre esteve diante dos olhos de todos os angolanos e menos do Poder Político, ou seja, só o MPLA não via que a riqueza que se fazia no país era infame e que a custo dela eram milhares de angolanos que eram atirados para a miséria.

Como dizíamos, Isabel dos Santos parece ser hoje um capital político importante para a nova governação angolana, porque é um alvo que premeia a investida que se faz contra ela e contra o seu pai, mas não nos esqueçamos que ninguém está a contar nada de novo ao país. Angola seguirá ingovernável se o Poder Político continuar a fingir que é vítima quando, na verdade, é tão prevaricador quanto aqueles que são hoje acusados com provas documentais.

Terá o Poder Político forças para abrir novas frentes em que sejam arrolados nomes que todos nós sabemos terem estado envolvidos em actos que teriam lesado o interesse do país, ou teremos de esperar que as investigações jornalísticas sejam o farolim para que publicamente nos quedemos na real?!