Há 57 anos era criada em Adis Abeba, na Etiópia, a Organização da Unidade Africana (OUA), com o objectivo de longo prazo de unir o continente em torno de objectivos comuns de desenvolvimento mas, no curto prazo, para impulsionar a independência dos territórios que ainda se mantinham como colónias, como era o caso de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, ou de regimes racistas, como o apartheid na África do Sul e na Rodésia do Sul...

Hoje, África mantém-se unida em torno do objectivo comum do desenvolvimento através da Agenda 2063, uma iniciativa da actual União Africana (UA), herdeira da OUA, que, no longo prazo, tem como objectivo acabar com o subdesenvolvimento que marca uma grande parte dos países africanos, mas é no curto prazo imposto pela Covid-19 que as atenções se concentram por estes dias.

Do extremo Sul, o Cabo das Agulhas, na África do Sul, ao extremo Norte, as ilhas tunisinas de Galite, o que interessa é derrotar a pandemia do novo coronavírus, e, se no objectivo de longo prazo, o do desenvolvimento, o continente ainda está a caminhar para ele, no imediato, na batalha contra a Covid-19, os esforços continentais estão a colocar África como exemplo em todo o mundo pelo escasso número de infecções e mortes nos seus 55 Estados quando comparados com as cifras nos países mais desenvolvidos.

Isso mesmo o demonstram os elogios internacionais, nomeadamente do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que recentemente, voltando a fazer esta referência numa comunicação a propósito do dia que hoje se comemora, defendeu que os países mais desenvolvidos deveriam aprender com os Estados africanos algumas lições sobre como conter e dominar a expansão do novo coronavírus, numa rara ocasião em que o continente africano surge em todo o mundo como um exemplo positivo e para ser seguido.

Guterres frisou e agradeceu, em nota publicada no site oficial da ONU, o apoio da UA ao seu apelo global de um cessar-fogo para permitir que o desenvolvimento possa fazero seu caminho.

"Grupos armados nos Camarões, Sudão e Sudão do Sul responderam a este apelo e declararam a suspensão das hostilidades. Imploro que outros grupos armados e governos em África fazem o mesmo. E sublinho o apoio de muitos países africanos a este meu apelo para a paz e fim de todas as formas de violência, incluindo a violência contra mulheres e crianças", destacou o Secretário-Geral da ONU nesta comunicação quando se comemora o 57º aniversário da criação da OUA e Dia de África.

A Líbia, o leste da RDC ou o Sahel e o Norte de África... são algumas das geografias em conflito visadas nas palavras de António Guterres.

Dia de África, Dia da Liberdade

O Dia de África - reconhecido pelas Nações Unidas desde 1972 - que foi instituído primeiramente como Dia da Liberdade de África e depois como Dia da Libertação de África, foi lançado, de facto, em 1958, quando, por iniciativa do então primeiro-ministro do Gana e um dos grandes pan-africanistas, Kwame Nkrumah, teve lugar o 1º Congresso dos Estados Africanos Independentes, em Accra, a 15 de Abril, onde estiveram os países já independentes por essa altura, como o próprio Gana, mas também o Egipto, a Etiópia, a Libéria, entre outros, acontecimento fundamental para que, cinco anos depois, fosse criada formalmente a OUA.

Nessa ocasião, foi defendida a ideia de criação de um Dia Africano da Liberdade, como forma de manter o estandarte das independências e da autodeterminação levantado até que o último canto do continente deixasse de estar sob domínio colonial ou de regimes opressivos e racistas, como o apartheid na África do Sul ou na então Rodésia do Sul, actual Zimbabué.

A 25 de Maio de 1963 foi criada a OUA - que em 2002 viria a evoluir para a designação de União Africana (UA), actualmente com 55 países reconhecidos - numa reunião onde estiveram dezenas de países já libertados do colonialismo, que ficou marcada por uma célebre frase do então Imperador etíope, Haile Selassie: "Que os frutos desta convenção durem mil anos", havendo, todavia, desencontros de pormenor sobre a verdadeira frase, dependendo das fontes consultadas, como esta: "Qee esta convenção dure mil anos!".

África, o gigante quase a acordar

África é o 3º maior continente do mundo, ficando apenas atrás da Ásia (4,6 mil milhões) em número de habitantes, com quase 1,35 mil milhões de pessoas, tem 55 países e, para pelo menos 46 países em todo o mundo, pode chegar aos 46, porque a República Árabe Saarauí Democrática não é reconhecido além deste número.

Todo o processo de evolução e formação das instituições pan-africanas foi marcado e acompanhado por violentos processos e divisões internas, com sucessivos e ininterruptos conflitos, alguns que ainda duram, como é o caso do Leste da RDC, nos Grandes Lagos, no Sudão do Sul ou de partes da Nigéria e do Sahel, muito por causa do surgimento de grupos de radicais jihadistas, como o mais conhecido deles todos, o Boko Haram, que representa a expansão do estado islâmico do Médio Oriente para África.

O nascimento da União Africana, antiga OUA, em Adis Abeba, nos idos de 1960, surge também ele no meio de um turbilhão ideológico alinhavado em torno da Guerra Fria que manteve o mundo em suspenso ao longo de quase todo o século XX, com os EUA de um lado e a ex-União Soviética do outro, muitas das vezes digladiando-se de facto apoiando terceiros, como foi o caso de Angola, de 1975 até pelo menos a 1989...

E era essa Guerra Fria que em 1963 - quando nasce de forma corajosa, como o sublinham vários autores, a OUA - mantinha o continente dividido essencialmente em duas partes, os denominados moderados do grupo de Brazzaville liderado pelo senegalês Leopold Sedar Senghor, e o grupo de Casablanca, fortemente e ideologicamente marcado por Kwame Nkrumah, não podendo ser ignorada a existência dos não-alinhados, ou grupo de Bandung (Indonésia), existente desde 1955.

Não eram objectivos simples os que moveram a criação do primeiro órgão pan-africano que viria a vingar, desde logo as independências, como a da Argélia ou as graves crises congolesas, ou o despontar de vontades de libertação, como em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, que era preciso apoiar e defender...

Hoje também não são menos complexos os caminhos que o continente procura trilhar, desde logo sair dos trágicos lugares de cauda no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, a urgência de ser capaz de criar indústria a partir da riqueza dos seus subsolos, dos imensos recursos naturais que servem ainda e sempre para desenvolver terceiros, de dar resposta à exigência de emprego para a mais jovem - por isso é visto por muitos como continente do e com futuro -, população dos 7 continentes, parar as trágicas imagens de milhares de pessoas a morrer no Mediterrâneo em tentativas desesperadas de chegarem à Europa... e, como nunca, debelar a "peste" da Covid-19 que chegou já a todos os cantos do continente.

Isso mesmo deverá ser sublinhado de forma vincada nas celebrações deste 25 de Maio, que em Angola deixou de ser feriado nacional em 2018, concebidas para este tempo de confinamento e distanciamento social, através da emissão virtual de um discurso de Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul e da UA, o líder da Comissão Africana, Moussa Faki Mahamat, e da líder da Associação Pan-Africana das Mulheres, Eunice Ipinge, e o comissário para a Juventude, Aya Chebbi.

Estas comemorações vão ter como "convidado especial" o último dos fundadores da OUA vivos, o antigo Presidente da Zâmbia e um dos mais referenciados pan-africanistas, Kenneth Kaunda (96 anos, na foto) - liderou a OUA entre 1970 e 1973 -, trabalhou lado a lado com outros gigantes pan-africanistas, como Nkrumah, Gamal Abdel Nasser, ou, entre outros, Haile Selassie I, para erguer, apesar do muito ainda por fazer, esta força libertadora da energia africana que se revelou ser a OUA/UA.