A arma principal das equipas médicas no terreno é a circunscrição rápida da epidemia com o apoio de uma nova vacina ainda em fase de testes mas com boas perspectivas; o inimigo é um vírus mortífero que já fez quase três dezenas de mortes em pouco mais de duas semanas, que conta como aliado o misticismo das populações da área afectada que, em vez de procurarem ajuda nos hospitais e postos médicos criados para o efeito nos últimos dias, preferem recorrer aos curandeiros e às curas prometidas por seitas religiosas que se aproveitam da ignorâncias das comunidades.

A enfermeira Julie Lobali, que trabalha no Hospital Geral de Mbandaka, a capital da província do Equador, onde habitam mais de 700 mil pessoas, a maior parte em condições sanitárias deploráveis e facilitadoras da dispersão do Ébola, explicou ao site online da RTBF que a maioria das pessoas que tem estado a tratar por estes dias com sintomas e sinais de terem contraído a doença pensam que estão a ser vítimas de "má sorte" por terem, por exemplo, comido carne de animais roubados.

Isso leva a que a cura que procuram seja mais de curandeiros locais que de centros de saúde e hospitais, o que, sublinha esta profissional de saúde, "torna muito mais difícil combater e controlar o avanço da epidemia" porque as pessoas não só procuram curas alternativas, que para elas são as mais óbvias por acreditarem que se trata de feitiçaria e má sorte, como procuram escapar por todos os meios à malha sanitária que as equipas no terreno procuram erguer para suster o avanço do vírus.

Alias, essa facilidade com que a doença parece furar as malhas sanitárias criadas à sua volta é o grande problema com que se deparam as equipas que no local procuram bloquear o avanço da epidemia que há cerca de 15 dias estalou em Bikoro, uma povoação isolada e junto à fronteira com o Congo-Brazzaville, nas margens do Rio Congo, uma das mais importantes vias de comunicação fluviais de todo o continente africano.

E a facilidade com que o vírus fura as barreiras sanitárias erguidas deve-se muito a esses hábitos e tradições locais, nomeadamente o de recorrer à medicina tradicional, feiticeiros e curandeiros, ou a crença de que as orações prescritas pelas seitas religiosas são suficientes em vez de procurar as unidades hospitalares.

Face a isto, é mais que razoável o medo admitido pelas organizações no terreno, como a OMS, que olham para o Rio Congo como um risco acrescido porque nas suas margens estão Bikoro, local inicial da epidemia, e Mbandaka, a grande cidade da região, onde e de onde diariamente chegam e partem centenas de embarcações com bens e pessoas para todo o lado ao longo do percurso do rio, a montante e a jusante.

Vírus chegou a Mbandaka

Para piorar a situação, embora a OMS afirme não haver ainda razões para declarar esta epidemia uma emergência global, apenas salientando o risco elevado de progressão interna e para os países vizinhos, onde está Angola, o vírus do Ébola já está a fazer vítimas na cidade de Mbandaka, capital da província do Equador, localizada na margem do Rio Congo, e onde vivem em pobres condições sanitárias mais de 700 mil pessoas (ver fotografia).

Esta cidade é um importante entreposto de pessoas e mercadorias desta região do noroeste da RDC, por causa da ligação estreita ao Rio Congo - que liga também Angola -, o que constitui um importante foco de preocupação para as equipas que no terreno procuram delimitar a progressão da epidemia, visto que facilmente uma pessoa infectada, com ou sem sintomas, entra numa das centenas de pirógas que diariamente partem dali para outras localidades ao longo das margens do rio.

A aposta das equipas de vacinação é, por essa razão, segundo a OMS, nas zonas ribeirinhas de Mbandaka, onde milhares de pessoas vivem em condições de fraca sanidade e com centenas de embarcações a partir diariamente para, entre outros destinos, a capital do país, Kinshasa, ou Brazzaville, capital do Congo-Brazzaville, a jusante, estendendo-se o Rio Congo por mais de 4 500 quilómetros da nascente à foz, onde delimita a fronteira de Angola.

Para já, esta epidemia provocou a morte a pelo menos 27 pessoas desde que teve início, a 03 de Maio mas apenas reportada oficialmente a 08, com, segundo o último balanço feito pelo ministro da Saúde, Oly Ilunga, 51 casos registados, 28 destes confirmados de contaminação e 21 casos prováveis e dois suspeitos.

As duas últimas vítimas foram registadas na segunda-feira, uma enfermeira das equipas que combatem a doença em Bikoro, epicentro da epidemia, e uma outra pessoas cuja morte por Ébola, confirmada por testes laboratoriais, ocorreu num dos bairros de Mbandaka.

A vacinação vai abranger, numa primeira fase, cerca de 7 500 pessoas, sendo a primeira vez que o medicamento, que foi usado na Serra Leoa e Libéria em 2014 com sucesso, embora ainda se encontre em fase de testes, é aplicado como ferramenta de contenção de uma epidemia.

Em 2015 o seu uso foi feito já com a epidemia em escalada por vários países, embora tenha sido considerada útil no combate à progressão do vírus na Guiné-Conacri, onde foi testada pela primeira vez num cenário real.

Esta epidemia, que atingiu com maior severidade a Serra Leoa, Libéria, Guiné e ainda parte da Nigéria, acabou por fazer mais de 11 mil mortos e milhares de contaminações que deixaram sequelas nos pacientes, mas também nas economias locais devido à debandada de populações que gerou.

A resposta em Angola

Depois de a OMS ter dito de forma clara que o risco de contágio em países vizinhos, com especial incidência nos que são tocados pelo Rio Congo, é elevado, as autoridades angolanas avançaram com um conjunto de medidas profilácticas de forma a manter as fronteiras sob apertada vigilância.

O Ministério da Saúde já instruiu às direcções do sector nas províncias que fazem fronteira com a República Democrática do Congo (RDC), Cabinda, Uige, Malanje, Moxico e Lunda Norte e Sul a redobrarem a vigilância epidemiológica na sequência da epidemia de Ébola que já provocou a morte a 26 pessoas no país vizinho.

As medidas tomadas pelo Governo angolano passam, entre outras, pela sensibilização das populações, pelo reforço da vigilância nas fronteiras e a criação de um mecanismo de notificação rápida de casos suspeitos, entre outras medidas.

Por exemplo, na província do Uíge foi já criado um sítio para quarentena durante a encubação de casos suspeitos de Ébola, situado na fronteira de Kimbata, entre Angola e a República Democrática do Congo.

Reuniões entre os responsáveis pelas áreas da saúde pública das províncias angolanas e congolesas vizinhas estão igualmente em curso, como já aconteceu no Uíge e em Cabinda e deve ocorrer nas restantes regiões comuns de fronteira.

As autoridades sanitárias do Uíge já realizaram um encontro, em Maquela do Zombo, com as autoridades congolesas visando a definição de estratégias que permitam minimizar as possibilidades de dispersão do vírus

Na província de Cabinda, as autoridades sanitárias e da Polícia de Guarda Fronteira tiveram um encontro, sexta-feira, com os seus homólogos das regiões congolesas de Baixo Congo (RDC), Niari e Kouilou, República do Congo - Brazaville para reforçar as medidas de prevenção contra o Ébola.

Nos restantes países, incluindo a Nigéria, estão igualmente a ser estabelecidas redes de vigilância nas zonas de fronteira, como aeroportos, portos e fronteiras terrestres.