"A convocação dos jornalistas do Expansão, pela Secretaria de Comunicação Institucional e Imprensa de João Lourenço, surgiu após meses de espera de resposta às várias cartas que escrevi, solicitando autorização para fazer a cobertura noticiosa do Conselho de Ministros e de outros órgãos auxiliares do Presidente da República (PR)", explica Carlos Rosado.

O director do jornal económico conta que, uma vez lá, os mesmos jornalistas "foram encaminhados para o Cerimonial, que, por sua vez, os encaminhou para, supõe-se, a Segurança do Estado, onde foram entrevistados, todos "na mesma sala sem qualquer privacidade", acrescentando que, "sem se apresentarem, "os inquisidores" confrontaram os jornalistas com várias questões".

"Nome de registo, nome pelo qual é mais conhecido, características fisionómicas habituais, nomeadamente tipo de corte do cabelo e da barba, se bebe ou fuma; Morada, com indicação do n.º da casa, cor e outras características e referências que facilitem a sua localização, telefone, matrícula e cor do carro; Habilitações literárias com indicação da última escola que frequentou; Percurso diário habitual e ambientes que frequenta; Formação partidária em que milita ou com que simpatiza, opinião sobre o País; Religião que professa e locais de culto; Número de filhos, esposa/namorada, outros relacionamentos amorosos, além da esposa/namorada, mãe e irmão/irmã e respectivos números de telefone; Amigos mais chegados, com indicação do n.º de telefone de pelo menos um", narra Carlos Rosado.

Quando os mesmos jornalistas questionaram "a humilhação por que passaram" foi-lhes respondido que era "um privilégio para o jornalista estar na Presidência [da República]. Muitos jornalistas estão há muitos anos na profissão e nunca puseram o pé no Palácio [Presidencial]",

Carlos Rosado, que termina o editorial com um recado ao Presidente da República, João Lourenço, diz que "à mulher de César não basta ser séria é preciso parecer".

"Em matéria de liberdade de imprensa e de expressão não basta parecer que mudou alguma coisa, é preciso mudar mesmo. A começar pela forma como os jornalistas são (des)tratados pelos seus auxiliares".

O Novo Jornal Online tentou insistentemente, mas sem sucesso, contactar os serviços de imprensa da Presidência da República para obter uma reacção a esta situação.

Obter dados pessoais sobre todos aqueles que têm acesso a instalações sensíveis dos Estados é usual na generalidade dos países, mas, neste caso, foi-se ao ponto, por exemplo, de pretender a identificação de eventuais "outros relacionamentos amorosos" para alem dos oficiais, esposa ou namorada.

De lembrar que o ministro da Comunicação Social, João Melo, apelou, esta semana, a uma "maior abertura", por parte dos gestores públicos e privados, quando solicitados pelos órgãos de comunicação, sob pena de os jornalistas apenas "reportarem factos negativos".

"Muitas vezes, o erro primeiro das nossas instituições é esconderem as informações, fazemos coisas positivas, mas não as comunicamos, não transmitimos ao público e então permitimos que a imprensa fale apenas do que está mal", disse, em Luanda, durante o Seminário Metodológico de Harmonização da Comunicação Institucional e do Marketing do Ministério dos Transportes.

Segundo o último relatório da organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em Abril deste ano, Angola subiu quatro posições no Índice de Liberdade de Imprensa e é mesmo o único país africano de língua portuguesa que melhorou a sua posição na tabela em relação a 2017. No entanto, apesar de o país ter subido quatro posições, continua no 121º lugar, mantendo-se como o Estado africano de língua portuguesa com pior classificação.